Para Brasílio Sallum Jr., presidente da Câmara se tornou mais importante porque a ‘disposição oposicionista aumentou muito’
Tulio Kruse, O Estado de S. Paulo
O sociólogo Brasílio Sallum Jr. vê
a discussão sobre o impeachment como um ato fora do roteiro: as principais
lideranças políticas do País já se planejam para uma eleição em 2022 com o
presidente Jair Bolsonaro na disputa. Autor do livro O impeachment de Fernando
Collor, que analisa a queda do primeiro presidente eleito pelo voto direto na
Nova República, ele diz que a oposição hoje está desunida contra o governo.
Para Sallum Jr., a votação da proposta de emenda à constituição (PEC) do voto
impresso fortaleceu o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e
mostrou que a chance de se alcançar dois terços de oposição a Bolsonaro na Casa
já não é impossível – mas segue improvável.
“Tenho a impressão de que, para o impeachment, podem haver condições de se formar base parlamentar – o que no fundo depende do presidente da Câmara – mas as forças políticas não vão se articular imediatamente nessa direção”, ele disse.
Confira os principais trechos da entrevista:
O sr. acha que há condições de aprovação de
um eventual pedido de impeachment?
Motivos não faltam, mas do ponto de vista das condições políticas as coisas são mais complicadas. Isso porque estamos a um ano e poucos meses das eleições e as forças políticas estão todas posicionadas e fazendo seus cálculos com base na polarização. De um lado se imagina o (ex-presidente) Lula e, de outro, Bolsonaro. O próprio PT faz seus cálculos imaginando que do lado de lá está Bolsonaro. O problema deles é conquistar o centro, e Lula deve tentar se aproximar de forças ao centro e ainda recuperar parte da esquerda que perdeu. As forças de centro hoje se articulam e há uma competição muito grande entre as pré-candidaturas, mas o fato de haver Bolsonaro de um lado e Lula de outro dá um certo estímulo para que exista algum tipo de composição – embora ela seja muito difícil. Ou seja, os candidatos estão se posicionando para definir as alternativas mais ou menos até o fim do ano.
O placar da Câmara na discussão da PEC do
voto impresso serve, de alguma forma, como indicativo para a probabilidade de
impeachment?
O que ocorreu na Câmara foi importante. A
votação em favor da urna eletrônica foi de quase 220 deputados. Nesse total há
a oposição, que não passa de cento e poucos deputados, mas há também mais
gente. Se levarmos em conta que muita gente não apareceu para não se
comprometer, chegar a dois terços da Câmara passa a não ser totalmente
impossível – mas depende do tipo de mobilização que se quer fazer, claro. Na
verdade, a votação valorizou enormemente a posição do presidente da Câmara.
Temos uma situação na qual a possibilidade de (o apoio ao impeachment) chegar a
dois terços da Casa não está descartada, a depender de como as coisas vão
transcorrer a partir de agora.
O placar surpreendeu analistas que
imaginavam uma derrota mais expressiva do voto impresso. Esse ambiente de
animosidade, que o senhor vê, é mais importante do que o resultado da votação?
Veja, esses votos governistas estão
sustentados por uma grande distribuição de recursos. E não só os (recursos)
usuais mas, ainda, aqueles que vêm das emendas do relator. Há uma massa de
recursos muito grande que é transferida às bases dos vários parlamentares.
Essas transferências, no fundo, revelam a ausência de governo. Em vez de
definir uma estratégia e um objetivo político, o governo joga a tarefa de
distribuição de recursos para o Parlamento. Estamos há dois anos e meio
praticamente sem governo, é uma situação dramática. Ele perdeu muito apoio no
meio empresarial, e agora se esvaziou ainda mais o apoio parlamentar. A questão
é que está tudo mais ou menos ‘desenhado’ sem o impeachment. Tenho a impressão
de que, para o impeachment, podem haver condições de se formar base parlamentar
– o que no fundo depende do presidente da Câmara – mas as forças políticas não
vão se articular imediatamente nessa direção. A não ser, claro, que Bolsonaro
ultrapasse um limite. Aqueles que estão se encaminhando para a oposição não têm
um interesse tão claro no impeachment. Eles podem ganhar a eleição, e se
ocorrer o impeachment a correlação de forças vai mudar completamente, os
cálculos terão de ser refeitos. A situação depende muito do presidente, ele
pode tentar se recompor ou não. De toda maneira, a posição do presidente da
Câmara se tornou mais importante ainda do que é, porque a disposição
oposicionista aumentou muito.
Impedir o presidente do cargo agora não beneficia
o grupo que tenta construir uma terceira via? Eles não passariam a rivalizar
apenas com o ex-presidente Lula?
Não, porque neste caso iria se eliminar o
elemento de unificação. Em vez da possibilidade de uma terceira via, haveria
uma pulverização de candidaturas. Hoje as dificuldades já são incríveis para
unificar esse campo. Candidaturas no PSDB ou no MDB, por exemplo, ainda não
cresceram. Há partidos preparando seus programas e vários grupos dialogando. Se
a perspectiva da chamada polarização é retirada, aí é que pulveriza mesmo.
Qual foi o reflexo do desfile de blindados
na votação do Congresso?
Tenho a impressão que causou uma comoção
relativamente grande. Isso não ficou restrito aos opositores tradicionais, se
estendeu também àqueles que estão em um campo mais neutro. O desfile e esse
movimento do Bolsonaro contra a urna eletrônica produziram uma animosidade no
Parlamento que não havia antes. Existe animosidade a ponto de governistas no
Senado se manifestarem com muita dificuldade, inclusive com declarações
delicadamente contrárias ao movimento do presidente. De alguma maneira, isso dá
muito mais condições de impeachment do que antes.
O sr. tem alguma aposta sobre os próximos
passos de Bolsonaro a partir de agora?
Tenho a impressão que as possibilidades
dele estão na totalmente dependência do presidente da Câmara. O ministro da
Economia não consegue formular projetos que tenham apoio suficiente no
Congresso para passar, é muito difícil realizar qualquer reforma mais séria. O
que parece certo é a tentativa de Bolsonaro através de conseguir apoio através
da distribuição de recursos, mas tenho a impressão de que isso não será tão
simples quanto parece. Ele terá um descrédito muito grande daqueles que não
precisam desses recursos. Essa via não será tão fácil quanto era anos atrás.
Talvez o processo de democratização – apesar de não ter chegado, nem de longe, no que poderia ser – tenha avançado o suficiente para reduzir essa conexão entre distribuição de recursos e votos.
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