O Globo
Leis e medidas podem agravar a emergência climática ao permitir a destruição das áreas que protegem vidas
O clima nunca esteve tão hostil no Brasil.
O Rio Grande do
Sul submergiu na maior catástrofe climática da História do
país. A água que afoga o Sul falta no Sudeste e no Centro-Oeste. Em São Paulo,
o reservatório Cantareira recebeu só 6% do volume de chuva esperado para abril.
O Pantanal está sob seca excepcional.
A previsão do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) para o trimestre de
maio a julho é de agravamento dessas condições. Mais chuva no Sul e menos
nessas duas regiões, com o Pantanal caminhando para um recorde histórico de
seca. Há ainda 5 milhões de quilômetros quadrados de áreas ameaçadas pelo fogo,
com risco especial para a Amazônia.
A hostilidade não está apenas no clima. O Congresso Nacional tem se mostrado preponderantemente avesso à segurança ambiental. O ser humano não tem o poder de controlar extremos de chuvas associados às mudanças do clima que ele mesmo fomentou. Mas os efeitos dos extremos podem ser amenizados ou amplificados ao sabor de decisões humanas. Leis e medidas podem agravar a emergência climática ao permitir a destruição das áreas que protegem vidas. Ou, ao contrário, contribuir para a adaptação.
O PL 364/2019 elimina a proteção de
“formações não florestais”. Foram justamente formações não florestais
remanescentes da várzea do Delta do Jacuí que seguraram parte do impacto na
onda de cheia do Rio Guaíba e impediram que a devastação fosse ainda maior.
Outros exemplos são o PL 1.282/2019 e o PL 2.168/2021, que permitem obras de
irrigação em Áreas de Preservação Permanente (APPs). São APPs as margens de
rios, as encostas e os topos de morros.
A destruição e a ocupação de APPs pôs a
população gaúcha na rota do desastre. As cidades erguidas nessas áreas foram
arrasadas pela enxurrada de rios ou soterradas por deslizamentos de encostas. A
Serra Gaúcha sofreu mais de 5 mil deslizamentos do tipo, e eles seguem sendo
contados. Foi a repetição amplificada das tragédias de Petrópolis, em 2022, e
da Serra Fluminense, em 2011.
E há ainda a Lei 14.285/2021, que permite a
prefeituras reduzir APPs urbanas. Contra ela, há uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI).
Há também boas notícias, como a aprovação
pelo Senado nesta semana do PL 4.129/2021, que estabelece diretrizes para
planos federais, estaduais e municipais de adaptação à mudança do clima.
É urgente a reconstrução do Rio Grande do
Sul. E também o aumento das defesas naturais. Isso pode ser feito com
investimentos na infraestrutura que usa vegetação e rios para aumentar a
resiliência, conhecida como infraestrutura verde e azul.
No caso do Rio Grande do Sul, a proteção se
chama Mata Atlântica. O bioma não apenas na forma de floresta, mas também de
sua vegetação de várzeas e banhados, que reduziram a intensidade da inundação.
Restaurada, a mata pode proteger as encostas e as margens dos rios. Isso é
consenso na ciência. A mesma ciência que tem salvado vidas com alertas de risco
e revisões precisas do nível dos rios.
Porém, se as áreas destruídas forem
reocupadas, seus moradores seguirão sob a sombra dos desastres. Habitantes de
cidades como Muçum, Roca Sales e Lajeado viram da pior forma que a tragédia se
repete quando se vive em área de risco. Haviam reconstruído suas casas por três
vezes desde o ano passado e voltaram a perder tudo. Correrão o risco de perder
mais uma vez se voltarem para o mesmo lugar.
Áreas de Preservação protegem pessoas. E
prefeitos podem aumentar APPs por meio de mudanças nos planos diretores dos
municípios. O custo de destruir salvaguardas, negar a ciência e a realidade é,
literalmente, se afogar na evidência materializada pela fúria das tempestades.
Afundar junto um estado inteiro e impactar todo o Brasil.
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