Ajuste fiscal é imperativo para o país
O Globo
Diante da deterioração das contas públicas,
Executivo e Legislativo não podem ignorar a tarefa
Não foi surpresa que o governo tenha enviado ao Congresso uma proposta orçamentária relaxando as metas fiscais que ele próprio propusera um ano antes. Desde o início havia dúvidas sobre a viabilidade das regras que substituíram o antigo teto de gastos. Além de afrouxar as metas, o Planalto se esforçou por mexer no novo arcabouço fiscal nem bem ele entrara em vigor, para antecipar despesas extraordinárias de R$ 15,7 bilhões, inserindo um jabuti numa lei sobre seguro obrigatório de veículos. Diante do recado que transmite a mudança de regras com o jogo em andamento, quem acreditará que o governo leva a sério o ajuste fiscal? Ao protelar qualquer perspectiva de equilíbrio para 2027, Executivo e Legislativo revelam não ter noção da dimensão dos riscos que criam para o país.
A incompatibilidade de gastos com receitas é
crônica no Brasil, e todos os sinais vindos de Brasília mostram que o assunto
não é prioridade da classe política. Como avisou o Fundo Monetário
Internacional (FMI) recentemente, a estabilidade financeira será testada em
países como o Brasil. O descontrole da dívida pode torná-los vulneráveis a
saída de capital, depreciação cambial ou aumento de inflação futura. Em certa
medida, o valor do real, 20% abaixo do esperado dadas as circunstâncias
internacionais, já reflete isso. Mas ninguém em Brasília parece muito
preocupado com as consequências da dívida crescente: perda de confiança no
governo, desvalorização do real, mais inflação, menos investimento e
empobrecimento da população.
Nos últimos anos, o endividamento público
ganhou proporções gigantescas. A dívida bruta, que há dez anos não chegava a
60% do PIB, fechará este ano em 74,4%, pelas projeções da Instituição Fiscal
Independente (IFI). No ritmo atual de crescimento, ainda demorará anos a
baixar. “Não estamos conseguindo ter uma trajetória sustentável para as contas
públicas, com impacto no dia a dia”, disse ao GLOBO o economista
Marcos Lisboa. Os números revelam um quadro preocupante.
O indicador que melhor traduz a situação
fiscal é chamado de “resultado estrutural”. Calculado pela IFI, ele
desconsidera gastos extraordinários — caso de despesas resultantes da pandemia
ou catástrofes climáticas, como as enchentes no Rio Grande do Sul — e os altos
e baixos do ciclo econômico — aumentos ou quedas de arrecadação devidos ao
aquecimento ou resfriamento da economia. Representa com precisão o
comportamento da máquina pública, refletindo se o que o governo arrecada é
suficiente para arcar com o que gasta numa situação neutra.
Por essa medida, de acordo com o economista
Samuel Pessôa, o Brasil melhorou seu desempenho fiscal entre 1997 e 2003, como
demonstra o gráfico abaixo. De 2006 a 2014, houve piora. O superávit estrutural
de 2,7% do PIB se tornou um déficit de 1,8% nos governos anteriores do PT. A
partir de 2018, os números melhoram novamente. Nos dois últimos anos do governo
Jair Bolsonaro, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, segurou as despesas
e entregou ao sucessor um superávit estrutural de 0,2% do PIB. Foi a PEC da
Transição, aprovada antes da posse de Luiz Inácio Lula da
Silva com o apoio do PT, que criou gastos adicionais de R$ 145 bilhões e levou
o déficit estrutural de volta ao patamar de 1,65% do PIB, registrado em 2023.
Para evitar a explosão da dívida, é
imperativo promover um ajuste fiscal. Isso significa, consideradas as
restrições da legislação brasileira, ao menos impedir que os gastos cresçam de
modo descontrolado — cenário infelizmente plausível diante no novo arcabouço
fiscal. Ao mesmo tempo que ele criou uma trava de crescimento para os gastos de
2,5% além da inflação, restaurou o vínculo das despesas com saúde e educação ao
crescimento da receita. Além disso, as despesas da Previdência continuam
indexadas ao salário mínimo, que passou a obter ganhos acima da inflação. Tudo
isso significa que, com o passar do tempo, caso a arrecadação cresça, haverá
pressão dessas despesas fixas sobre as demais, que deverão ser reduzidas. Estão
aí investimentos, segurança, verbas para prevenção de enchentes e outros gastos
sociais necessários.
“Os pisos previdenciários e de benefícios
assistenciais deveriam ser corrigidos apenas pela inflação e não pelo salário
mínimo”, diz o economista Bráulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia,
da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre). O regime previdenciário dos
trabalhadores de empresas privadas apresenta um déficit da ordem de quase 3% do
PIB. Sem olhar para esse desajuste, não se vai a lugar algum.
O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, demonstra estar atento aos riscos. Foi o responsável pelo
novo arcabouço fiscal e não perde a oportunidade de ressaltar como é essencial
colocar as contas públicas em ordem. Mas Haddad priorizou apenas a agenda de
aumentar receitas. A estratégia conquistou apoio no Congresso, corrigiu algumas
injustiças, porém tem limite. Por ora, infelizmente, expoentes da Esplanada dos
Ministérios e do Congresso fingem não enxergar a necessidade de um plano
consistente para ajuste dos gastos. Minam a credibilidade do arcabouço fiscal
com mudanças de regras e “pautas-bombas”, como se não houvesse restrição às
despesas e a deterioração do cenário externo fosse impossível. Passou da hora
de o país enfrentar a tarefa de escolher prioridades. Em algum momento,
Executivo e Legislativo terão de encarar a realidade. Quanto antes isso
acontecer, maior a chance de o ajuste ser mais ameno e menos traumático.
Protecionismo faz mal aos EUA e ao mundo
Folha de S. Paulo
Restrições ao comércio, reflexo de disputas
geopolíticas, reduzem eficiência econômica e elevam preços aos consumidores
A seis meses da eleição e com popularidade
baixa mesmo diante dos bons resultados na economia,
o presidente americano Joe Biden emula
seu antecessor e apela para medidas protecionistas, na busca de votos da classe
média.
Desta vez o alvo da
alta de tarifas são setores críticos para a transição energética hoje
dominados pela China,
como carros elétricos (de 25% para 100%), painéis solares (de 25% para 50%),
baterias e minerais associados (de 7,5% para 25%).
Semicondutores,
certos produtos de aço e alumínio e alguns artigos médicos fazem parte do
pacote que incidirá sobre US$ 18 bilhões em compras americanas. Tal montante se
soma aos US$ 300 bilhões tarifados desde 2016.
A justificativa do governo para a nova rodada
de restrições são os subsídios industriais chineses, que ampliam a capacidade
de produção além da demanda. Com mais condições de tolerar prejuízos, as
empresas do gigante asiático eliminariam a chance de concorrência.
Tendo adotado seu próprio programa de
subsídios para a transição energética, Biden busca direcioná-los para a
produção doméstica sob apelo de segurança nacional. Por seu turno, Pequim
mostra determinação em liderar o setor tido como estratégico
Diante de tais considerações de geopolítica e
poder, fatores como eficiência econômica e respeito às regras do comércio
internacional ficam relegados ao segundo plano.
Até aqui, estudos sobre os impactos das
tarifas impostas por Donald Trump demonstram
baixa efetividade para geração de empregos e aumento de preços nos setores
atingidos, pagos em grande medida pelos consumidores.
A degradação dos mecanismos legais de disputa
comercial em favor de decisões unilaterais também mina cada vez mais o sistema
antes favorecido pelos EUA, com graves riscos para a economia mundial.
Tudo indica, infelizmente, que a escalada de protecionismo deve continuar.
Trump já disse querer taxar todas as importações em 10%, e em percentuais muito
maiores na entrada de produtos chineses por países como o México.
Neste último caso, o impacto inflacionário
seria muito maior, com reverberação global.
Também é fato que os subsídios para a indústria da
China, ampliados nos últimos anos, trazem impactos sistêmicos. Com demanda
interna insuficiente, o país já responde por cerca de 30% da produção mundial,
e seu superávit em manufaturas beira US$ 2 trilhões.
Outras regiões também parecem em vias de
adotar restrições, caso da União Europeia, com disputas de consequências
temerárias. Não será fácil achar um ponto de equilíbrio respaldado no
multilateralismo diante de tais forças.
Drenar as cheias
Folha de S. Paulo
Saneamento é essencial para enfrentar eventos
gerados pela mudança climática
A trágica
enchente no Rio Grande do Sul revela o papel crucial do saneamento para
a adaptação aos eventos extremos causados pela mudança
climática. E, nesse setor, o Brasil vai muito mal.
Segundo o Sistema Nacional de Informações
sobre Saneamento (SNIS), 44% da população não tem acesso à rede de esgoto e 16%
não é abastecida com água potável.
Mas o saneamento básico envolve também o
tratamento de resíduos sólidos e a drenagem e manejo das águas pluviais urbanas
(DMAPU).
Esses dois indicares são essenciais para
lidar com enchentes, já que o lixo entope bueiros e canais destinados ao
escoamento das chuvas, e a drenagem ajuda em transporte, retenção e
amortecimento das vazões das cheias de lagos e rios.
Diagnóstico do Ministério das Cidades
divulgado em 2023 mostrou que 19,2% de 4.833 municípios não tinham nenhum tipo
de sistema de drenagem. O Nordeste lidera na falta do serviço (41,4%), seguido
pelo
Norte (38,8%); o Centro-Oeste está na média
nacional (19%), enquanto Sudeste (6,8%) e Sul (2,6%) estão muito abaixo. No
total, são 927 cidades sem DMAPU.
Ademais, não basta instalar a infraestrutura,
é preciso manutenção. Esse foi o problema causado por sucessivas gestões na
capital gaúcha. O sistema de drenagem de Porto Alegre,
da década de 1960, é composto por um muro de 2,6 km de extensão com 14
comportas e 23 estações de bombeamento.
Contudo ele apresenta falhas apontadas desde
2015 e verificadas também na última enchente em setembro do ano passado. Há
brechas nas comportas, e diversas bombas não funcionaram.
Segundo especialistas, isso se deve
à manutenção precária. Reportagem da Folha apontou que,
desde 2017, o sistema de proteção contra inundação e de drenagem da
cidade recebeu 23% a
menos do orçamento destinado a esse serviço.
Espera-se que o Brasil supere seu atraso histórico em saneamento básico com o novo marco legal do setor. Trata-se de um direito e um serviço público que melhora a saúde e economia, além de ser fundamental para o enfrentamento dos efeitos nefastos da mudança climática, que apenas começam.
A segunda tragédia no Rio Grande do Sul
O Estado de S. Paulo
Reprovadas até aqui no teste da superação das
diferenças em nome do bem comum, lideranças políticas protagonizam gestão
confusa da crise, que tornará mais lenta recuperação do Estado
Nos primeiros dias após o Rio Grande do Sul
ser atingido por uma tragédia climática e humana sem precedentes, autoridades
dos Três Poderes deram uma demonstração de que pareciam ter compreendido a
gravidade do momento. A ida do presidente Lula da Silva ao Estado comandado
pelo governador Eduardo Leite (PSDB-RS), acompanhado de ministros, dos
presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), e do Tribunal de Contas da União, Bruno
Dantas, além do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, prenunciava uma grandeza possivelmente inédita: a concertação entre distintas instâncias de poder e lideranças políticas, algumas delas atravessadas por diferenças ideológicas e partidárias. Tratava-se de uma união de esforços compatível com o ineditismo das adversidades. Como este jornal sublinhou em editorial na ocasião, o imperativo da solidariedade obrigava os envolvidos a deixar as diferenças de lado e a unir esforços para ajudar os gaúchos (A tragédia que comove o País, 7/5/2024).
Mas esse clima de distensão e cooperação
durou pouco. Se as lideranças políticas do País precisavam passar por um teste
para mostrar sua capacidade de superação das diferenças e das ambições
eleitorais em nome do bem comum, que é o fim último da política numa democracia
digna do nome, não resta dúvida: passaram, e foram reprovadas. Pelo que se viu
nos últimos dias, uma gestão errática da crise completou o caos das cidades
gaúchas. O primeiro alerta vermelho, recorde-se, foi emitido em 29 de abril, as
autoridades viajaram juntas na primeira semana de maio e até aqui ainda nem
sequer existe uma central de gerenciamento de crise na qual os três níveis de
governo e os Três Poderes possam se encontrar e tomar decisões. Ao contrário,
as ações parecem regidas por desconfiança e críticas mútuas e uma assombrosa
disputa por protagonismo.
Enquanto o governo de Lula da Silva resolveu
criar uma exótica autoridade federal no Estado – sem comunicar previamente o
governador Eduardo Leite e nomeando para o cargo, na caradura, um pré-candidato
à sucessão do tucano –, bolsonaristas atacam o governo federal e a esquerda põe
o dedo em riste contra o governo estadual. É flagrante a falta de coordenação
entre as prefeituras, o governo estadual e a Presidência da República, numa
relação adornada por demagogia, despreparo e desinformação. Para completar, um
tiroteio generalizado nas redes sociais, com difusão de mentiras e distorções
da realidade que, se não provocam danos na mesma escala dos estragos causados
pelas chuvas, mina o esforço nacional para ajudar o Rio Grande do Sul. Algo bem
diferente do que se viu, por exemplo, na tragédia provocada pelas chuvas no
litoral norte de São Paulo, quando prefeitos da região, o governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos) e o presidente Lula demonstraram união e capacidade
de coordenação exemplares.
O mais grave é constatar que a desorganização
de agora se dá diante de obstáculos ainda maiores, incluindo um desafio
inaudito: reconstruir uma unidade inteira da Federação, destruída como se
tivesse enfrentado uma guerra – que devastou praticamente toda a sua
infraestrutura, deixou cidades completamente ilhadas, interditou pontes e
estradas, deixou o principal aeroporto fechado por tempo indeterminado e
prejudicou o fornecimento de água, energia elétrica e alimentos. E ainda nem é
possível dizer qual a real extensão dos estragos e do esforço necessário para
repará-los.
A confusão instalada nestes dias sombrios
demonstra que nem mesmo a premente necessidade de salvar os gaúchos foi capaz
de desarmar os ânimos palanqueiros. E, enquanto se calculam os prejuízos e os
imensos aportes necessários para a reconstrução, os líderes políticos que
deveriam estar cooperando desinteressadamente para acelerar o processo de
recuperação do Rio Grande do Sul estão fazendo outro tipo de cálculo: quantos
votos sua atuação na crise lhes dará nas próximas eleições.
As lições negligenciadas da Ásia
O Estado de S. Paulo
‘Milagres’ econômicos são consequências
naturais da valorização da educação e do livre mercado. Mas os conflitos
geopolíticos estão fazendo o mundo esquecer dessa preciosa lição
Nunca na história humana o bem-estar se
massificou tão velozmente quanto no pós-guerra fria. Desde 1990, a população
mundial na extrema pobreza caiu de 40% para 8%; a mortalidade infantil, de 9%
para 3%; o analfabetismo, de 25% para 13%; e a expectativa de vida subiu de 64
anos para 73. O motor, como mostrou uma série do Estadão, foi o “milagre
asiático”. Mais de 70% dos miseráveis do mundo eram asiáticos, hoje são 25% –
uma queda de 1,6 bilhão para 166 milhões. Os jovens no Pacífico e no Sul estão
entre os mais educados do mundo. O impulso começou no Japão do pós-guerra, foi
emulado pelos “tigres” (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura) e depois
se espalhou pela China e por países com culturas e regimes diversos como
Bangladesh, Indonésia, Vietnã e Índia.
Diz-se “milagre” entre aspas, para
caracterizar os efeitos espetaculares da transformação, mas as causas nada têm
de sobrenaturais. “Ao longo do tempo, (essas nações) adotaram políticas de
abertura ao comércio e investimentos, facilitaram a modernização agrícola e a
transformação industrial, apoiaram o progresso tecnológico, investiram em
educação e saúde, mobilizaram altos níveis de poupança doméstica para
investimentos produtivos, promoveram o desenvolvimento da infraestrutura,
perseguiram sólidas políticas macroeconômicas e implementaram políticas de
redução da pobreza e inclusão”, concluiu Takehiko Nakao, ex-presidente do Banco
de Desenvolvimento da Ásia, no estudo Viagem da Ásia à Prosperidade.
Sintetizando: é a igualdade de oportunidades
por princípio; a educação por base; o livre mercado por meio; e o progresso
social por fim.
Em 1955, a Coreia do Sul era mais pobre que a
do Norte. Hoje é 20 vezes mais rica. Taiwan era só um pouco mais rica que a
China. Quando o tirano Mao Tsé-tung morreu, em 1976, era quatro vezes mais.
Então, Deng Xiaoping liberalizou a economia comunista, e o resto é história.
Mas as últimas duas décadas foram
turbulentas: terrorismo islâmico, a crise financeira, o confronto EUA x China,
a pandemia e as guerras na Europa e no Oriente Médio. “Tudo isso contribuiu
para um novo senso de vulnerabilidade e uma suspeita renovada de uma economia
mundial aberta”, diagnosticou Johan Norberg no livro O Manifesto Capitalista.
“Isso inspirou um desejo por líderes fortes e governos grandes para nos
proteger de um mundo perigoso. As negociações na Organização Mundial do
Comércio foram paralisadas, seu mecanismo de resolução de disputas foi sabotado
pelos EUA e, depois da crise financeira, a parcela do comércio no PIB parou de
crescer pela primeira vez desde a 2.ª Guerra. A liberdade econômica global
estagnou e a onda de democratização se encerrou num refluxo autoritário”. Na
China as reformas estão sendo revertidas. No Ocidente, populistas à esquerda e
à direita vendem mais proteção e intervenção do Estado.
Mas tão pedagógicos quanto os exemplos
asiáticos são os contraexemplos latino-americanos. Em 40 anos os “tigres”
cresceram 10 vezes mais que, por exemplo, o Brasil. “Muitos estudiosos,
especialmente de fora da Ásia, tendem a superestimar o papel de uma intervenção
forte do Estado. Mas o sucesso da Ásia se baseou essencialmente nos mercados e
no setor privado como motores do crescimento. As economias começaram a crescer
mais rápido quando as políticas mudaram da intervenção estatal para a
orientação do mercado, enquanto os governos continuaram a exercer alguns papéis
proativos”, diz Nakao.
Ocasionalmente, os asiáticos se valeram de
tarifas, subsídios, créditos preferenciais ou incentivos tributários para
apoiar a industrialização, estratégias que podem ser eficazes, especialmente em
estágios iniciais de desenvolvimento. No entanto, “se mal empregadas, levam ao
patrimonialismo, à competição injusta e à ineficiência”, lembra Nakao.
“Políticas industriais têm mais chances de ser eficientes quando promovem a
competição e são implementadas com transparência, metas claras e prazos para
acabar.” Essa parte da lição os latinoamericanos negligenciaram e o mundo se
inclina a negligenciar. O crescimento ridículo da América Latina prova que o
custo será alto.
O caos planejado de Xi e Putin
O Estado de S. Paulo
Ambos querem liquidar a ordem internacional
baseada em regras, à base de choques e de erosão
Em Pequim, o presidente russo, Vladimir
Putin, e seu homólogo chinês, Xi Jinping, prometeram uma “nova era” de relações
e o fortalecimento de laços militares em face a um EUA “hostil”. Nos anos 70,
as manobras táticas de aproximação dos EUA à China arquitetadas por Henry
Kissinger aprofundaram as divergências entre a União Soviética e o Partido
Comunista Chinês de Mao Tsé-tung e foram cruciais para vencer a guerra fria. A
dinâmica agora é reversa: China e Rússia estão mais afastadas do que nunca do
Ocidente e cada vez mais unidas em seus esforços por explorar as divergências
ocidentais.
A parceria “sem limites” e sem “áreas
proibidas de cooperação” anunciada pelos dois em Pequim poucos dias antes da
invasão da Ucrânia se fortaleceu. A China compra cada vez mais o óleo e o gás
russos, e a Rússia compra cada vez mais manufaturados chineses, e ambos têm
praticado exercícios militares conjuntos com mais frequência.
Mas a parceria tem os limites característicos
de uma relação entre um suserano e um vassalo. A Rússia depende muito mais da
China do que a China da Rússia, e cada dia mais. Hoje, enquanto a China
responde por cerca de 33% de todo o comércio russo, a Rússia responde por 4% do
comércio chinês. E há áreas proibidas de cooperação. Pequim se recusou a
fornecer munição e armas para a guerra na Ucrânia e refreia as ameaças
nucleares de Putin.
As exportações de bens de uso dual (civil e
militar) chineses, contudo, incrementaram significativamente a produção militar
russa. “Quando se trata da indústria de defesa da Rússia, o principal
contribuinte neste momento é a China”, disse o secretário de Estado americano,
Antony Blinken.
Os EUA vêm tentando demarcar melhor as áreas
proibidas de cooperação, impondo sanções a bancos e empresas chinesas
envolvidas na venda de tecnologia de uso militar para Moscou. Mas, em privado,
Xi e Putin certamente trataram de mecanismos para burlar essas sanções. Hoje, a
Rússia é um laboratório para Pequim experimentar infraestruturas financeiras
que possam ser usadas em outras nações como um antídoto contra sanções
ocidentais.
Não é do interesse de Xi que Putin perca a
guerra. Nem que ganhe. Uma guerra longa é ideal para os seus propósitos:
desgastar o Ocidente, explorar suas divisões e distraí-lo das ameaças chinesas
a Taiwan e outras nações vizinhas.
“Nossa cooperação nos negócios do mundo hoje é um dos principais fatores de estabilização na arena internacional”, trombeteou Putin ao lado de Xi. “Juntos nós sustentamos os princípios de justiça e uma ordem mundial democrática refletindo as realidades multipolares fundadas no direito internacional.” Traduzindo a novilíngua autocrática: ambos seguirão estreitando laços para enterrar a ordem global baseada em regras sob a lei do mais forte, mas Putin à base de choques e ameaças, e Xi através de uma degradação lenta, mas irreversível. Em tese, contudo, o Ocidente é mais forte, militar e economicamente. Só precisa cimentar na prática a sua união e encontrar meios eficazes de impor custos e limites à parceria entre o vassalo russo e o suserano chinês.
Mundial de 2027 é vitória feminina
Correio Braziliense
O Brasil ganhou o direito de sediar a Copa do
Mundo feminina em 2027. A decisão foi comunicada pela Federação Internacional
de Futebol (Fifa), em cerimônia solene realizada em Bangcoc, na Tailândia
Na última sexta-feira, o esporte brasileiro
obteve uma importante conquista. O Brasil ganhou o direito de sediar a Copa do
Mundo feminina em 2027. A decisão foi comunicada pela Federação Internacional
de Futebol (Fifa), em cerimônia solene realizada em Bangcoc, na Tailândia. O
país competia com a candidatura conjunta de Alemanha, Bélgica e Holanda. A
proposta brasileira recebeu 119 votos, enquanto a outra finalista amealhou 78
manifestações favoráveis. É a primeira vez que o Mundial feminino será realizada
na América do Sul, após dez edições.
Pesou a favor do Brasil, segundo relatório
divulgado pela entidade máxima do futebol, o legado da Copa de 2014,
particularmente os estádios erguidos ou reformados para o campeonato masculino.
Na avaliação da Fifa, o Brasil superou os europeus em critérios como estádios,
acomodação e centros de mídia. Pela proposta vencedora, o Mundial feminino no
Brasil ocorrerá em dez capitais, entre as quais Belo Horizonte, Brasília e
Porto Alegre — essa última mencionada como um desafio maior na solenidade
da Fifa. A abertura e a final do campeonato estão previstas para ocorrer no
Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.
Com essa vitória, o Brasil confirma a vocação
para eventos esportivos de grande porte. Nas últimas décadas, o país sediou
competições, como Pan-Americano (2007), Copa das Confederações (2013), Copa do
Mundo (2014), Olimpíada (2016) e duas Copas América (2019 e 2021). É certo,
pois, que o país reúne expertise na organização desses eventos. Sempre haverá
discussão - e é importante manter-se a vigilância nesse quesito — sobre a
participação de governos e a aplicação de recursos públicos nessas iniciativas,
bem como o legado dessas estruturas. Mas o país tem instrumentos mais do que
suficientes para evitar que erros cometidos no passado, como obras mal
executadas por governos, se repitam em 2027.
Um ponto fundamental a se destacar na escolha
do Brasil é o reconhecimento do futebol feminino como uma modalidade esportiva
de relevância mundial. E isso se deve, em grande medida, à dedicação obstinada
das atletas, que superam barreiras de toda ordem - do preconceito à diferença
salarial - para mostrar o talento nos gramados. Esse Mundial é um prêmio à
geração de Marta, Formiga e tantas outras e um desafio maior para o Brasil, que
tentará conquistar um título inédito para o futebol feminino.
Convém ressaltar, ainda, que a vitória em
Bangcoc se deve ao esforço de uma mulher. A decisão da Fifa veio premiar o
trabalho de Valesca Araújo, responsável pelo planejamento técnico e operacional
da candidatura brasileira. Ao discursar, ela reiterou ser essencial dar
visibilidade às mulheres. "É essencial levar o futebol feminino para os
melhores estádios e centros de treinamento que temos no país. Uma vez que
adentre esses espaços, não há mais como voltar atrás", disse.
Valesca Araújo é outro exemplo da competência das mulheres em um meio predominantemente masculino. Ela se junta a outras profissionais reconhecidas, como Leila Pereira, presidente do Palmeiras e chefe da delegação da Seleção brasileira masculina nos amistosos de março. Que elas tragam mais conquistas e mais igualdade de gênero ao esporte que melhor expressa o valor do Brasil.
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