São Paulo mostra a Brasília como fazer ajuste de gastos
O Globo
Enquanto governo Lula evita até falar em
reduzir despesas, Tarcísio estabelece plano para gestão eficiente
O plano do governo de São Paulo ainda
é incipiente, mas o governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos) já merece crédito pela determinação em
buscar maior eficiência nos gastos e na gestão pública. O contraste com as
ações do governo federal não poderia ser maior. Em Brasília, muito se fala
sobre monitoramento e avaliação de políticas públicas. De concreto, porém, nada
acontece. Em São Paulo,
Tarcísio ordenou a revisão de incentivos fiscais, contratos, despesas
correntes, políticas de pessoal e a reestruturação das agências reguladoras.
Como o plano ainda está em estágio embrionário e depende do Legislativo, é
impossível prever se terá sucesso. É inegável, de todo modo, que é uma decisão
sensata.
A máquina estatal brasileira, nos três níveis de governo, é pródiga em ineficiência. Incentivos fiscais são concedidos sem nenhum acompanhamento dos resultados. Quando dão errado, o desperdício continua, com variações da justificativa “sempre fizemos assim”. Algumas áreas do governo têm mais funcionários que o necessário, enquanto outras sofrem com escassez crônica. Agências reguladoras são capturadas por interesses políticos ou pelas empresas que deveriam vigiar. O resultado é uma burocracia cara, que entrega pouco ao contribuinte.
Por ordem de Tarcísio, todos os órgãos da
administração direta no Estado de São Paulo terão 90 dias para apresentar um
plano de redução de despesas e revisão de contratos. Em 30 dias, a Casa Civil
precisará elaborar um anteprojeto para reestruturar as agências reguladoras,
reforçando sua autonomia. Até dezembro, serão avaliados perto de 250
benefícios, equivalentes a R$ 56 bilhões em incentivos fiscais de ICMS,
resquícios da guerra fiscal. “Há benefícios dos anos 1990 que não fazem mais
sentido, porque o mundo mudou, e a história industrial mudou”, diz o secretário
da Fazenda e Planejamento, Samuel Kinoshita. “Há os que ficaram anacrônicos e
há também os que não respondem ao melhor interesse de São Paulo.”
No início do ano, o governo estadual examinou
64 incentivos baseados em convênios do Conselho Nacional de Política Fazendária
(Confaz), que somavam R$ 4 bilhões em renúncia fiscal. Desses, 23 foram
cortados e seis renovados por poucos meses para que se tenha mais tempo de
análise. Noutra frente, o decreto assinado por Tarcísio prevê a renegociação da
dívida do estado com a União. A expectativa é uma redução de R$ 4 bilhões na
despesa anual, com a mudança do indexador. Pela regra atual, o montante é corrigido
pela inflação mais 4%. Tarcísio defende inflação mais 2%. Pelas estimativas
iniciais, a troca do indexador e as revisões dos incentivos poderão liberar
algo em torno de R$ 20 bilhões anuais para investimento.
Por certo, a máquina estatal paulista tem
muita despesa inútil a cortar. O foco de quem busca a eficiência da gestão
pública, porém, não deve ser meramente arrecadatório. É preciso avaliar, de
modo objetivo, a eficácia de cada política. Por isso causa preocupação a
proposta do governo paulista que permite corte no repasse anual à Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), um dos pilares de programas
de ciência e inovação no país. Sem dúvida o Brasil precisa de um Estado de São
Paulo com uma máquina pública mais eficaz. Nesse ímpeto, Tarcísio só não pode
jogar fora políticas públicas de resultado comprovado.
Doenças que surgem depois da cheia exigem
coordenação entre autoridades
O Globo
No Sul, recursos e decisões ágeis são
necessários para enfrentar males como leptospirose e vírus respiratórios
À medida que as águas começam a baixar nos
municípios atingidos pela cheia no Rio Grande do Sul, uma nova preocupação vem
à tona: enfrentar as doenças que costumam surgir depois da enchente, com um
sistema de saúde fragilizado pelas inundações. Inúmeros hospitais ficaram
alagados, perderam instalações, equipamentos e insumos. A procura por
atendimento médico tem, ao mesmo tempo, aumentado, a despeito da falta de
condições adequadas. Nos últimos dias, alguns municípios registraram explosão
de casos de leptospirose.
Até ontem havia pelo menos quatro mortes pela doença, além de mais de 700 casos
suspeitos.
Transmitida pela bactéria Leptospira,
presente na urina de animais infectados, a leptospirose é uma doença recorrente
em cidades que sofrem enchentes. O estado estima que o número de casos chegue a
mil, com 15% evoluindo para a forma grave, que demanda internação. No ano
passado, quando também houve cheias, foram registrados 477 casos com 25 mortes.
Autoridades de saúde têm orientado moradores a evitar o contato com a água
contaminada, usando botas de cano alto e luvas, além de não levar as mãos à
boca e aos olhos. Mas, em cidades inundadas há cerca de um mês, a exposição é
quase inevitável. Em caso de sintomas como febre, calafrios, dores de cabeça,
dores musculares e fraqueza, a recomendação é que cidadãos procurem
imediatamente um serviço médico.
Se os sistemas de saúde já apresentam
deficiências em situações normais, em momentos de calamidade o atendimento é
ainda mais desafiador. Mais de 500 mil gaúchos estão fora de casa. Muitos
perderam suas referências de atendimento. É verdade que hospitais de campanha
tentam suprir essa lacuna, e obviamente ajudam, mas, num estado em que mais de
90% dos municípios foram atingidos, seu efeito é limitado.
Também preocupam males como tétano, hepatite
A, diarreia e síndromes respiratórias, como gripe ou Covid-19. O acúmulo de
gente em abrigos favorece a transmissão de vírus respiratórios. Espera-se que
autoridades de saúde intensifiquem a vacinação contra doenças evitáveis. Não
faria sentido, num momento crítico, o Estado despender tempo e dinheiro para
tratar doenças que podem ser evitadas com vacinas.
O Ministério da Saúde informou ter destinado
R$ 1,7 bilhão ao Rio Grande do Sul. Claro que dinheiro é essencial para atender
às demandas, mas é preciso ir além. A assistência aos doentes exige coordenação
entre União, estado e prefeituras e, principalmente, agilidade na tomada de
decisões. O que acontece no Rio Grande do Sul é previsível. A calamidade vai
além das 169 pessoas que perderam a vida. Doentes tiveram de interromper
tratamentos, adiaram consultas, cirurgias, muitos deixaram de tomar remédios de
uso contínuo. Por isso, paralelamente aos esforços necessários para limpeza e
reconstrução das cidades, os governos precisam dar atenção especial à saúde.
Negligenciar a realidade só ampliará a tragédia.
Emprego, que vinha em alta, será afetado por
tragédia no Sul
Valor Econômico
A melhora do perfil educacional dos empregados e o aumento da formalização contribuíram para o aumento real da renda
O mercado de trabalho continua surpreendendo.
A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (a Pnad Contínua) do
IBGE registrou uma taxa de desemprego de 7,9% no primeiro trimestre deste ano,
com 8,6 milhões de desempregados e 100,2 milhões de ocupados. A taxa é meio
ponto superior à de 7,4% do último trimestre de 2023, mas é a menor desde 2014
para o período, geralmente caracterizado pelas demissões após as contratações
temporárias de fim de ano. É também menor do que a taxa de 8,8% do mesmo trimestre
do ano passado.
Apesar do ligeiro aumento do desemprego, o
rendimento médio real habitual cresceu 1,5% na comparação com o trimestre
anterior, para R$ 3.123, e 4% a mais do que no mesmo período de 2023. A massa
do rendimento médio mensal real de todos os trabalhos habitualmente recebido
foi de R$ 308,3 bilhões, superior aos R$ 306,2 bilhões do trimestre anterior e
aos R$ 289,1 bilhões do 1º trimestre de 2023.
O aumento do rendimento médio real habitual
do trabalhador ajudou até nos resultados da Receita Federal. A arrecadação
federal, que somou R$ 228,9 bilhões em abril, com aumento real de 8,26% em
relação ao mesmo mês de 2023, foi favorecida pelo desempenho das receitas
provenientes do consumo e do mercado de trabalho, segundo o Fisco. A
arrecadação previdenciária aumentou 6,15% reais e totalizou R$ 52,8 bilhões,
devido à expansão da massa salarial.
Depois de terem errado muitas das previsões a
respeito do mercado de trabalho em 2023, os economistas se aprofundaram nesse
tema. Pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) foram buscar
as causas do aumento real da renda, mesmo em momentos de queda da taxa de
emprego, como ocorreu no primeiro trimestre. A conclusão foi de que a melhora
do perfil educacional dos empregados e o aumento da formalização contribuíram
para isso.
No primeiro momento da saída da pandemia, os
empregos informais, que haviam sido os mais afetados no período de
distanciamento social, foram os que mostraram melhor reação, com o fim das
restrições de contato. Em seguida, entre meados de 2021 e de 2022, os empregos
formais e informais participaram da retomada. Depois disso, foram os empregos
formais que sobressaíram, geralmente ocupados por profissionais mais
escolarizados, e com potencial efeito positivo na produtividade. Ao comparar o
quarto trimestre de 2023 com o mesmo período de 2022, os pesquisadores do FGV
Ibre observaram que 37,4% da alta da renda real foi proveniente do aumento da
presença de trabalhadores mais escolarizados, com ensino médio ou além, no
mercado de trabalho.
A maior formalização também contribuiu. Ao
fim do primeiro trimestre deste ano, enquanto o número de empregos formais
estava 9,4% acima do nível pré-pandemia, de fevereiro de 2020, os informais
cresceram 4,9% no período. Os pesquisadores notam o contraste com o ocorrido
após a recessão de 2014- 2016, quando a perda de postos de trabalho na crise
econômica se deu mais no setor formal e a retomada foi puxada pelos informais.
No quarto trimestre de 2019 em relação ao mesmo período de 2016, dos 5,9% de
aumento da população ocupada, nada menos do 4,1% só conseguiram colocação em
empregos informais.
Outro achado dos pesquisadores do FGV Ibre
foi o aumento dos desligamentos a pedido, o que é sinal de que a força do
mercado de trabalho anima o trabalhador a pedir demissão porque está vendo a
oportunidade de encontrar um emprego melhor.
Os pesquisadores também citam o aumento dos
pedidos de seguro-desemprego como indicação da expansão do mercado de trabalho
formal. Em outros países, o crescimento dos registros de seguro-desemprego
geralmente indica fragilidade no mercado de trabalho. No Brasil, os pedidos
sobem quando a economia se aquece, explicam. Esses pedidos aumentaram de 5,9
milhões em julho de 2021 para 7,2 milhões em março de 2024. O percentual de
pessoas pedindo o seguro-desemprego entre todas aquelas que poderiam pedir
também está crescendo.
A expectativa dos especialistas era que a
taxa de desemprego poderia cair ainda mais um pouco ou se estabilizar, até que
aconteceram as enchentes no Rio Grande do Sul. A tragédia pôs as previsões em
xeque. Já não se descarta que o Produto Interno Bruto (PIB) seja negativo no
segundo trimestre. O Rio Grande do Sul representa 6,5% do PIB brasileiro, com
contribuições importantes para a indústria, a agropecuária e as exportações.
Aproximadamente 80% dos municípios gaúchos foram afetados. Segundo o IBGE, o Estado representa também aproximadamente 6% do mercado de trabalho nacional, com 5,9 milhões de ocupados no quarto trimestre de 2023. É o quinto maior Estado em massa salarial e sexto em menor taxa de desemprego, com 5,2% no fim do ano passado, em comparação com 7,4% da média nacional. Com esse peso, certamente terá impacto negativo nos dados nacionais do mercado de trabalho.
Vaivém favorece poder da Petrobras no refino
Folha de S. Paulo
Encarregado de zelar pela concorrência, Cade
recua sob Lula de acordo que reduziria participação excessiva da estatal
No intervalo de apenas cinco anos, o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
tomou duas decisões tão importantes quanto divergentes a respeito da Petrobras,
a maior empresa do país.
Em 2019, a petroleira estatal era alvo de
inquéritos no Cade —instituição federal em tese independente e encarregada de
prevenir, fiscalizar e punir abusos de poder econômico. Empresas se queixavam
de que a companhia vendia gás caro e combustíveis a preços abaixo daqueles de
mercado, prejudicando a concorrência.
O caso se resolveu de modo relativamente
rápido. Em acordo, a Petrobras se comprometeu a vender metade de sua capacidade
de refino, 8 de 13 refinarias, e suas participações no negócio de gás. Com
isso, haveria maior possibilidade de concorrência no mercado.
Já neste maio, a petroleira
foi dispensada de vender cinco das refinarias restantes. Já haviam
sido negociados também os gasodutos NTS e TAG, além da Gaspetro, de
participações em distribuidoras de gás. Ficou a participação majoritária na
Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil.
A dispensa faz parte da renegociação do
acordo de 2019, iniciada a pedido da Petrobras. As condutas da gigante estatal
e do Cade, como se vê, variam em diferentes governos —de Jair
Bolsonaro (PL), quando se seguia a
estratégia de enxugamento da companhia, ao estatismo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
No aditivo do acordo, há novas obrigações.
Por exemplo, o Cade terá acesso a informações sigilosas a respeito do comércio
de petróleo e derivados, de modo a observar se há manipulação discriminatória
de preços. Vai monitorar outras relações e contratos com refinarias
independentes.
Segundo o conselho, efeitos parciais do
acordo de 2019 e as novidades de 2024 coibiriam possíveis danos causados pelo
poder de mercado da Petrobras.
No entanto tamanha reviravolta é alarmante
—ainda mais por ser associada a decisões de governos. A inconstância
regulatória contribui para causar desconfiança nas regras do jogo econômico.
O participação quase monopolista da Petrobras
no mercado de derivados, como diesel e gasolina, incentiva intervenções
governamentais nocivas. Como é notório, houve tabelamento velado sob Dilma
Rousseff (PT); Bolsonaro e Lula trocaram
anualmente presidentes a fim de intervir em preços.
Tais intromissões prejudicam a Petrobras e os
concorrentes; afastam possíveis novos investidores no setor e desanimam
empreendedores de qualquer ramo, em especial estrangeiros, que terão motivos
para temer a mão pesada do governo e a regulação deficiente.
Mais investigações
Folha de S. Paulo
Ao envolver chefe da Câmara de SP, apuração
sobre ônibus deve ser aprofundada
Com a quebra dos
sigilos bancário e fiscal do presidente da Câmara Municipal de São Paulo,
o inquérito que apura suposta infiltração da facção criminosa PCC no transporte
público da capital ganha intrincados contornos políticos.
Reportagem da Folha mostrou que, no
entendimento do Ministério
Público, o vereador Milton Leite (União Brasil)
teve "papel juridicamente relevante na execução dos crimes" da
Transwolff —uma das viações de
ônibus investigadas no âmbito da operação "Fim da Linha".
A empresa, cujo dono está preso, é suspeita de lavar dinheiro para o PCC.
É importante ressalvar que não se sabe o que
pesa contra o parlamentar. A Justiça autorizou a quebra dos sigilos a partir de
pedido recebido em fevereiro de 2023, quando os promotores apontaram possível
ligação de Leite com dirigentes da empresa de ônibus da
zona sul, região onde atua politicamente.
Mas, na denúncia da operação, oferecida em
abril deste ano, o vereador é arrolado só como testemunha. A Promotoria não
esclareceu qual eventual crime o chefe do Legislativo teria cometido.
As investigações, por ora, estão longe de
conclusivas —e é cedo para apontar qualquer responsabilidade. Em nota, o
parlamentar vê "ilação de terceiros" e diz desconhecer a quebra dos
sigilos, além de, acertadamente, colocar seus dados à disposição dos
promotores.
Não é de hoje que pairam suspeitas do
envolvimento de políticos em ilícitos com empresas de ônibus. Vereadores
paulistanos já foram investigados, e três edis de outras cidades do estado
foram detidos na referida operação.
O transporte de passageiros em São Paulo é
um negócio bilionário. Apenas na atual gestão Ricardo Nunes (MDB), a
Transwolff recebeu R$ 2 bilhões em remunerações.
Um dos políticos mais influentes da cidade,
Milton Leite está no sétimo mandato seguido e é presidente da Casa há quatro
anos.
Às vésperas das eleições municipais, e em respeito aos contribuintes, cumpre ao Ministério Público aprofundar as investigações com celeridade e apresentar mais indícios, se assim existirem. De Leite, espera-se transparência.
O STF está exportando impunidade
O Estado de S. Paulo
As decisões de Dias Toffoli não só impedem
que criminosos confessos sejam investigados e processados no Brasil, como negam
a outros países as condições para punir seus crimes
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal
(STF), através das canetadas monocráticas do ministro Dias Toffoli – aquele que
disse que os ministros da Corte são “editores de um país” –, está empenhado em
reescrever a história conforme a narrativa lulopetista de que o esquema de
corrupção do petrolão foi na verdade invenção de uma conspirata de procuradores
e magistrados em conluio com agentes internacionais para alijar “guerreiros do
povo brasileiro” do poder e destruir a indústria de construção nacional.
A história narrada e comprovada pelos
envolvidos em acordos com o Ministério Público é bem diferente. Executivos da
Petrobras recebiam propina das empreiteiras para fechar contratos
superfaturados. No exterior, os governos lulopetistas abriam as portas para
governos alinhados para a contratação de obras viabilizadas com linhas de
créditos do BNDES. Segundo o Tribunal de Contas da União, em uma década a
Odebrecht foi beneficiada com 80% desse crédito. Enquanto isso, os marqueteiros
de partidos políticos se encarregavam de lavar o dinheiro do financiamento
ilícito de campanhas.
Tudo isso foi descrito em detalhes por
delatores como Marcelo Odebrecht em acordos de leniência e colaboração premiada
homologados pelo STF. Esses acordos previam que, em troca das informações e
provas, os delatores e suas empresas receberiam benefícios como a possibilidade
de participar de licitações, a suspensão da persecução penal e, numa cláusula
controversa, o não compartilhamento de provas com países onde confessaram ter
cometido crimes. Mas, agora, o STF quer que o Brasil finja que tudo isso não aconteceu.
Alegando que os delatores teriam sido coagidos, Toffoli está anulando todas as
provas e multas.
No caso do processo da Odebrecht, Toffoli nem
sequer deveria ser o relator. Identificado nas planilhas da empreiteira como “o
amigo do amigo (Lula) de meu pai (Emílio Odebrecht)”, deveria ter se declarado
impedido. Suas decisões se baseiam num suposto conluio entre os promotores e o
então juiz Sergio Moro a partir de mensagens vazadas por hackers, cuja
autenticidade a Polícia Federal afirma não ter como comprovar. Toffoli alega
que as delações foram feitas sob “tortura psicológica”, num “pau de arara do
século 21″, ainda que, em outro processo conduzido pelo ministro André
Mendonça, os advogados de 12 empresas brindadas com acordos de leniência, entre
elas a Odebrecht, tenham declarado que elas jamais foram vítimas de tal coação.
A tese é estapafúrdia do princípio ao fim.
Mas, admitidas as premissas, a coerência jurídica exigiria que os acordos
fossem anulados. Prevaleceu, no entanto, a coerência política, e o ex-advogado
do PT tornado ministro do STF decidiu manter todos os benefícios das delações.
Assim, a Justiça brasileira, a pretexto de falhas da Justiça brasileira, não
investigará nem processará criminosos confessos, e continuará negando a mais de
uma dezena de países as condições para punir seus crimes. Em bom português, o
STF jogou longe o bebê e manteve a água suja.
Como apontou em entrevista ao Estadão o
diretor da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, há pelo menos
cinco anos a capacidade de combate à corrupção no País vinha sendo erodida, com
a perda de independência das instituições de controle, as tentativas de
interferência na Polícia Federal pelo então presidente Jair Bolsonaro ou a
leniência da Procuradoria-Geral da República sob Augusto Aras. “O Brasil já
estava numa posição muito ruim nos fóruns internacionais anticorrupção. Mas as
decisões monocráticas desde setembro do ano passado do ministro Toffoli
agravaram, e muito, esse quadro. E agora, com essas decisões, existem elementos
concretos para comprovar a violação frontal dos compromissos assumidos pelo
Brasil nesses fóruns. Com destaque para a Convenção da OCDE Contra o Suborno
Transnacional”.
A conclusão de Brandão é inescapável. Sob
volumosas pás de cal lançadas por sua Corte máxima, “o Brasil se tornou um
grande cemitério de provas de corrupção transnacional” e agora, “depois de
exportar corrupção, está exportando impunidade”.
A união de maus políticos e milicianos
O Estado de S. Paulo
Depoimento de Ronnie Lessa, assassino
confesso de Marielle, revela quão carcomida está a representação política no
Rio pelos interesses criminosos de certas autoridades constituídas
O deslinde do caso Marielle Franco, no fim de
março, já havia exposto ao País um Rio de Janeiro carcomido pela ação insidiosa
do crime organizado, em particular das milícias, quase naturalizadas como parte
integrante da paisagem política do Estado. Partindo de uma degeneração
primordial – as milícias como grupos paraestatais formados por agentes de
segurança treinados e armados pelo próprio Estado –, essas organizações
criminosas, de fato, têm avançado de forma audaciosa sobre espaços cada vez
mais amplos das esferas institucionais de poder, ora estreitando laços com
autoridades corruptas, ora financiando ilegalmente seus próprios candidatos a
mandatos eletivos.
No domingo passado, o Fantástico, da TV
Globo, exibiu trechos do depoimento do ex-policial militar Ronnie Lessa,
assassino confesso da vereadora carioca e de seu motorista, Anderson Gomes, que
faz parte do acordo de colaboração premiada firmado entre o criminoso e a
Polícia Federal (PF). No depoimento, Lessa eviscerou o sórdido modus
operandi desse conluio entre autoridades constituídas e milicianos, uma
espécie de hidra que tanto tem custado aos fluminenses, em múltiplos sentidos.
Ao mesmo tempo, as declarações de Lessa deram a dimensão do desafio posto
diante do País para eliminar da vida política a presença de criminosos que,
para além de seus objetivos delitivos, ainda subvertem a democracia
representativa.
Com espantosa naturalidade, Lessa admitiu aos
policiais federais que “não foi contratado para matar Marielle, como matador de
aluguel”, mas sim “chamado para uma sociedade” pelos irmãos Chiquinho e
Domingos Brazão – respectivamente, deputado federal (Sem Partido-RJ) e
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. “Não é uma
empreitada, para você chegar ali, matar uma pessoa e ganhar um dinheirinho”,
disse o ex-policial militar, narrando o caráter extraordinário do convite,
chamemos assim, que teria recebido dos irmãos Brazão.
Como se sabe, a Procuradoria-Geral da
República (PGR) acusou Chiquinho e Domingos Brazão de serem os mandantes do
assassinato de Marielle e Anderson, em associação com o delegado Rivaldo
Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil fluminense e à época a autoridade máxima
responsável pela elucidação do crime. Os três foram presos preventivamente e
aguardam o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a denúncia
oferecida contra eles pela PGR, no dia 9 de maio.
A tal “sociedade”, que Lessa classificou no
depoimento à PF como “o negócio” da vida dele, seria a ocupação de um
loteamento irregular em Jacarepaguá, bairro da zona oeste do Rio, para lá
“instalar uma nova milícia”, a ser chefiada, claro, pelo ex-policial militar.
Além de render a Lessa “mais de US$ 20 milhões” – o equivalente a mais de R$
100 milhões – com a exploração ilegal de serviços de segurança, moradia,
transporte clandestino, venda de gás e do chamado “gatonet” (furto de sinal de
TV por assinatura), a ocupação ilegal da área sob influência desse novo grupo
paraestatal se prestaria a manter o poder político do clã Brazão. Segundo
Lessa, a “questão valiosa” para os irmãos Brazão não era propriamente a
instalação da milícia, mas sua manutenção, “porque a manutenção da milícia vai
trazer votos”.
Marielle seria a “pedra no caminho” para a
consecução desse arranjo criminoso entre Lessa e os irmãos Brazão, com a
participação do então chefe da Polícia Civil. Pouco antes de ser brutalmente
assassinada, a parlamentar vinha realizando reuniões com líderes comunitários
da região a fim de desestimular a adesão dos moradores ao novo loteamento
ilegal. Ou seja, sua atuação política, ainda segundo o depoimento de Ronnie
Lessa, colidiu frontalmente com os interesses de criminosos comuns e de
criminosos investidos de autoridade estatal.
O julgamento dos acusados, portanto, tem uma
dimensão civilizatória que extrapola a exemplar condenação dos eventuais
culpados. O caso deve ser um marco divisor para o fortalecimento das
instituições democráticas, mostrando quão cara deve ser a conta para os que se
aventuram a desvirtuar a política de maneira criminosa.
Banco Central em xeque
O Estado de S. Paulo
A sete meses da mudança de comando do BC,
governo mina a credibilidade da política monetária
Pôr em xeque a credibilidade do colegiado do
Banco Central (BC) que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da
economia, como tem feito o governo, é um risco extraordinário e desnecessário.
Risco que aumenta quando associado a cenários sobre os quais a autarquia não
exerce nenhum controle, exatamente como o atual, marcado pela devastação do Rio
Grande do Sul, que enfrenta a pior inundação de sua história, e a total
indefinição sobre a evolução da taxa de juros dos Estados Unidos, a mais
influente economia mundial.
Em participação no 10.º Seminário Anual de
Política Monetária, da Fundação Getulio Vargas (FGV), o presidente do BC,
Roberto Campos Neto, reconheceu que a escalada das expectativas de inflação
pelo mercado tem sido “bastante ruim” para a atuação do Comitê de Política
Monetária (Copom) na calibragem dos juros, mas o fato é que os analistas
financeiros não param de revisar para cima suas projeções. Na mais recente
edição do relatório Focus, que reúne 172 instituições, a expectativa para
o IPCA subiu de 3,80% para 3,87% em 2024; de 3,74% para 3,75% em 2025; e de
3,50% para 3,58% em 2026.
Numa conjuntura desfavorável como a atual, é
um despropósito acrescentar fatores de risco como o que tem cercado a mudança
de comando do BC a mais de sete meses de sua efetivação. Ameaça alimentada pelo
governo Lula da Silva com suas reiteradas críticas à política monetária e que
alcançou o ápice na divisão entre indicados por Lula e por Bolsonaro na última
reunião do Copom. Depois da desconfiança instalada, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, contribuiu para aumentar as dúvidas ao classificar como “exigentíssima”
e “inimaginável” a meta de inflação de 3%.
O controle da inflação – que o BC persegue ao
fixar os juros básicos – é imprescindível para manter nos trilhos uma economia
instável e ainda muito carente de investimentos. Ainda são desconhecidas a
dimensão e a duração das consequências da tragédia gaúcha nos preços de
produtos alimentícios importantes, e o comportamento da inflação, tanto em 2024
quanto em 2025, estará intimamente ligado ao preço dos alimentos, como
salientou Campos Neto. Portanto, neste momento é preciso redobrar a cautela
para evitar o descontrole ao dobrar a próxima esquina.
A responsabilidade do Executivo para a boa
administração da economia não é pequena e se baseia, em primeiro lugar, em
manter o foco no equilíbrio fiscal. Somente tornando sólida a base é possível
buscar mais investimentos, incentivar a melhoria de renda e garantir a
ampliação do consumo. Mas o governo Lula da Silva parece disposto a seguir o
caminho inverso, na ânsia de conquistar popularidade. Por óbvio, tentar
atravessar na contramão não surtirá efeito.
Em entrevista ao Estadão, o economista José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, declarou que a dificuldade da autoridade monetária em exercer o mínimo controle sobre as expectativas do mercado advém de questões fiscais e da mudança de comando na autarquia. Se não for pedir muito, é conveniente ao governo adotar uma atitude republicana no processo de transição.
Mais educação contra a violência de gênero
Correio Braziliense
Colocar em xeque lei criadas para coibir o
feminicídio sinaliza que há muito a se avançar, no Brasil, em estratégias
educativas de combate à violência de gênero
Casos de feminicídio costumam ser seguidos de
críticas à efetividade de medidas legais de proteção às mulheres,
principalmente a Lei Maria da Penha. Foi assim no último sábado, quando o
Distrito Federal amargou o sétimo caso do crime neste ano, e não é diferente
quando as vítimas são de outras unidades da Federação. É mais que legítimo, e
enriquecedor para a democracia, que o debate sobre a pertinência de leis não se
restrinja às autoridades, de legisladores a acadêmicos. Mas colocar em xeque
ações criadas para coibir o assassinato de mulheres pela condição de serem
mulheres sinaliza que há muito a se avançar, no Brasil, em estratégias
educativas de combate à violência de gênero.
O problema já foi pior. E o aumento das
denúncias de casos de violência é um indicativo nesse sentido, avaliam
especialistas. Segundo o governo federal, a quantidade de denúncias de
violência contra mulheres recebidas, em 2023, pela Central de Atendimento à
Mulher - Ligue 180, foi 23% maior do que as contabilizadas no ano anterior: de
87,7 mil para 114,6 mil. Pulou-se, portanto, de uma média de 240 denúncias por
dia para 313.
Em entrevista ao Correio, Andréia Waihrich,
presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da Ordem dos
Advogados do Brasil - Distrito Federal (OAB-DF), avalia que todo um sistema tem
sido criado para conscientizar as mulheres para que não se calem diante das
agressões sofridas. A democratização da informação exerce papel importante
nesse processo. "Nos últimos 14 anos, a internet ficou mais acessível.
Famílias com renda de até um salário mínimo têm celular com acesso à rede",
avalia Waihrich, acrescentando que há também um maior entendimento sobre as
redes de acolhimento disponíveis.
Nesse sentido, as escolas de ensino médio e
fundamental são um espaço imprescindível de educação para coibir a
violência de gênero, até porque os potenciais agentes de transformação também
já são vítimas. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública referentes a
2022 indicam que, na faixa etária de 16 a 24 anos, 43,9% das mulheres relatam
terem sido vítimas de violência. Considerando todas as faixas etárias, mais da
metade delas, 53%, sofreu o que considerou o "pior episódio" de
agressão dentro de casa.
Não se pode desconsiderar que, fora das
quatro paredes, condições que favoreçam a proteção às mulheres precisam ser
criadas e aperfeiçoadas. A denúncia é um passo importante para romper o ciclo
de violência, mas problemas crônicos no país, como a demora do Judiciário em
dar andamento ao processo que leva à punição do agressor, a dificuldade em
garantir a proteção da denunciante e em entender que quem cometeu o crime
também precisa ser educado, favorecem o descrédito quanto à eficácia das
medidas legais.
Ao consultar 21 mil mulheres entre agosto e setembro do ano passado, o DataSenado mostrou que, para 62% delas, as vítimas denunciavam menos às autoridades a violência sofrida devido a uma forte sensação de impunidade. Quando questionadas sobre a principal medida para mudar esse cenário, as entrevistadas indicaram principalmente um maior rigor na punição dos agressores (60%) e discussões sobre o tema nas escolas (16%). Mais um sinal de que legislação e educação precisam caminhar juntas na batalha contra a violência de gênero.
Nenhum comentário:
Postar um comentário