segunda-feira, 15 de julho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna: a carta de navegação

Estamos diante de um verdadeiro divisor de águas na história do país, deixando para trás as formas anacrônicas do nosso sistema político, que vem hipotecando a expressão do moderno, cuja palavra chave é a autonomia dos seres sociais diante do Estado e do mercado, ao que há de mais retardatário em nossa sociedade. Não à toa ouve-se das ruas o clamor em favor da abertura da esfera pública à participação popular, até então, mantida ao largo da deliberação das políticas públicas, capturadas pelo jogo de interesses de grupos econômicos e dos políticos que lhes servem, como testemunham à saciedade as da saúde e a dos transportes.

Mas é preciso dizer com todas as letras que os cantos das sereias pela democracia direta em detrimento da democracia representativa com que querem nos enlear, longe de prometer uma demiúrgica aparição de uma potência com o dom metafísico da transformação, nas condições atuais do mundo e do país, camuflam um salvo conduto para o caos e para a liberação dos demônios que nos espreitam, esperando a hora de agir.

Temos em mãos uma carta de navegação — a Constituição de 1988 — já atualizada aqui e ali, e ainda suscetível a outras e oportunas atualizações. É com ela, que admite em seu cerne formas representativas e de participação popular — porque não há muralha da China entre elas —, em meio a essa crise, com seu potencial de ameaças ao que já foi conquistado até aqui, que deveremos seguir viagem.

Luiz Werneck Vianna é professor da PUC-Rio e coordenador do Centro de Estudos Direito e Sociedade.In “Jornadas de junho” Cedes, julho-setembro, 2013


Pactos emperrados

Recurso retórico frequente no discurso da presidente Dilma Rousseff, as propostas de "pactos" com o Congresso, governadores ou prefeitos costumam aparecer nos momentos em que a presidente precisa de respostas rápidas às dificuldades que se apresentam. Foi ainda sob o efeito da vitória conquistada em 2010 que a presidente se dirigiu ao Legislativo já no segundo mês de seu mandato com a proposta de um "pacto de avanço social".

As metas eram tão ambiciosas quanto diversas, como acabar com a miséria, ampliar o acesso à saúde e à educação e garantir a segurança aos brasileiros. O discurso de Dilma, naquele momento, foi feito para servir de contraponto às tragédias naturais que atingiram a região Sudeste em 2011. "Este pacto pode ter como símbolo o esforço deste governo e, tenho certeza, das senhoras e dos senhores também – para que nunca mais se repita a tragédia das chuvas, que roubaram centenas de vidas e destroçaram os sonhos de milhares de famílias na região Sudeste, neste início de ano", dizia a mensagem ao Congresso Nacional.

Se, na época em que foi proposto, o pacto da presidente conseguiu soar como resposta para as catástrofes, no ano seguinte ele se mostrou de pouco resultado. Deslisamentos e enchentes voltaram a atingir o país no início de 2012. "A impressão é que o governo vai buscando uma resposta para sobreviver (ao lançar os pactos). Mas não dá para viver só no gogó", avalia o doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) Rui Tavares Maluf.

Logo depois do primeiro pacote, em busca de uma marca para seu governo, Dilma chamou governadores de todas as regiões com a intenção de firmar acordos direcionados a acabar com a pobreza extrema no país. Ao mesmo tempo em que percorria os estados lançando versões da proposta, uma leva de ministros caía por denúncias e suspeitas de corrupção. O discurso de acabar com a miséria e a pecha da faxina ética colaram na presidente, que viu sua popularidade disparar.

As dificuldades com a base aliada começaram a se intensificar em 2012 e novos pactos se sucederam. A bandeira da alfabetização até 8 anos de idade foi alvo; a redução dos acidentes de trânsito, também. Em meio aos movimentos populares iniciados no mês passado, a presidente voltou a lançar mão dos pactos. Desta vez, nada de doses homeopáticas. Foram cinco lançados de uma vez para tentar responder às críticas que se levantaram nas ruas e fizeram sua avaliação despencar 27 pontos percentuais.

Para o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), a presidente oscila entre a "extrema presunção" e a "extrema conciliação". "Quando está tudo ótimo e ela está por cima, não ouve ninguém. Quando as coisas vão mal, ela chama todo mundo para um pacto", disse. Para ele, falta "alma de estadista". "Nesses últimos, ela não teve alternativa. Não conseguiu formular alguma coisa à altura da crise. Apresentou qualquer coisa malformulada."

O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), rebate a oposição e diz que, em momentos de crise, é "bom saber que quem te representa está pensando naquilo". "Quando a presidente anuncia pactos, tem uma dimensão de dizer: "isso não pode acontecer e precisamos ficar atentos". Quando há momentos de grande impacto na vida nacional, um governante pode se esconder ou, como ela, vai a publico", avalia. Ele alega, ainda, que nem todos os anúncios sobre um acordo, que "podem estar ligados a problemas antigos", têm eco imediato na vida da população.

Baixos resultados

Os efeitos colaterais, contudo, têm se mostrado mais fortes do que os resultados. É o caso da reforma política. A proposta de uma discussão, já com efeitos em 2014, irritou ainda mais a base aliada e, muito por isso, não vingou. O PT acabou isolado na defesa da bandeira de Dilma na Câmara. Constrangido, José Guimarães (PT-CE), líder da legenda na Casa, teve de admitir que "a viola desafinou" entre o Planalto e a base.

A investida de Dilma na área da saúde também azedou os ânimos entre os profissionais do setor. Integrante de uma das propostas da presidente a governadores e prefeitos, o programa Mais Médicos trouxe a promessa de investimentos na estrutura de unidades de atendimento e incentivos para levar médicos para o interior. O pacote, contudo, incluiu a criação de um ciclo de dois anos em que formandos terão obrigatoriamente que prestar serviços em regiões afastadas das capitais e abriu brechas para a contratação de médicos no exterior, o que desagradou profissionais em todo o país.

Para piorar a situação, os vetos feitos pela presidente ao Ato Médico tirou da lei que regulamenta a medicina artigos que criavam uma espécie de "reserva de mercado" para algumas atividades que, a partir da canetada de Dilma, poderão ser praticadas por outros profissionais. Pensado como uma solução para a saúde pública, o pacto, desta vez, trouxe mais uma guerra para o colo da presidente.

“A impressão é que o governo vai buscando uma resposta para sobreviver (ao lançar os pactos),mas não dá para viver só no gogó" - Rui Tavares Maluf, cientista político da Universidade de São Paulo

Fonte: Correio Braziliense

Perda de apoio na periferia paulistana, seu ‘núcleo duro’ eleitoral, coloca PT em alerta

A onda de descrédito que se voltou contra todos os partidos e políticos nas manifestações de junho atingiu em cheio um dos mais importantes e tradicionais redutos eleitorais do PT no País: a periferia de São Paulo. Pesquisas internas realizadas antes e após os protestos de rua, entre o início de maio e o final de junho, sinalizam uma queda abrupta da preferência do eleitorado pelo PT em toda a capital paulista. Variou de 34% para 22%. O mais preocupante para as lideranças partidárias, porém, é que essa queda não poupou a periferia.

Ali, onde a preferência petista sempre se mantém acima da média, a pesquisa de junho apontou um índice em tomo de 23%, com pequenas variações de uma região para outra.

Os números foram apresentados a líderes petistas, no sábado à tarde, durante o encerramento de uma série de reuniões de diretórios regionais da capital, dentro do programa denominado Caravanas 2013.

A plenária do encontro, no Sindicato dos Químicos, contou com a presença do prefeito Fernando Haddad e reuniu cerca de 600 pessoas. Em seguida, um grupo menor, com cerca de cinquenta militantes, reuniu-se com a presidente do diretório municipal, vereadora Juliana Cardoso, para ouvir um diagnóstico mais refinado sobre o impacto dos protestos no PT.

A exposição inicial ficou a cargo da pesquisadora Marisol Recamán, que trabalha na área de pesquisas de opinião pública e presta serviços ao PT. Em primeiro lugar ela mostrou, com infográficos, como os candidatos petistas a cargos majoritários são sempre mais votados nas periferias. Esse fenômeno já é conhecido e tem impacto não só nas eleições municipais. Influi até nas campanhas para a Presidência da República.

Uma das explicações para a preferência, segundo a pesquisadora, é que os eleitores de periferia dependem mais da presença do Estado. "A periferia, que tem um peso de 65% no total dos votos, é o setor da capital que mais precisa de serviços públicos, como transporte, saúde e educação", disse.

Na avaliação desse eleitorado, continuou, o PT é o partido com melhores condições de atender a essas demandas: "O eleitor de periferia votou no Haddad na esperança de que a vida dele vai melhorar".

Nesse cenário, a queda abrupta na preferência do eleitorado registrada nas pesquisas é preocupante; e pode ficar ainda mais preocupante se forem analisados outros dois resultados das entrevistas. O primeiro sinaliza o aumento da rejeição do partido: variou de 14% para 23%. O segundo mostra o apoio total das grandes massas de periferia aos protestos. O índice de apoio chegou a 92%.

Para a pesquisadora o principal significado do apoio popular às manifestações e o fato de sinalizar sua profunda insatisfação com a qualidade dos serviços públicos: "O morador da periferia não foi à rua, mas estava lá, de coração, apoiando."

Marisol ressalvou que os ventos de junho não atingiram só o PT. Todos os políticos e executivos brasileiros, da pequena prefeitura do interior à Presidência da República, foram afetados. Outra ressalva, mais tranquilizadora para o PT, foi a de que os resultados da pesquisa não são irreversíveis.

Reflexão. "Estamos tentando diagnosticar e refletir sobre tudo o que ocorreu, para direcionar nossas ações e os debates no PT, que já está vivendo um processo eleitoral", disse Juliana Cardoso ao Estado, referindo-se à eleição para a presidência do partido, no final do ano.

Na plenária, ela cobrou do prefeito Haddad mais atenção para os militantes ligados a movimentos populares e de periferia. O vereador José Américo, presidente da Câmara Municipal, disse que não viu as manifestações de junho como resultado de uma crise institucional: "As pessoas foram para as ruas diante de uma profunda crise dos serviços públicos."

O presidente do PT paulista, deputado estadual Edinho Silva, focalizou as eleições de 2014 para o governo do Estado - o próximo grande alvo eleitoral do partido após a conquista da Prefeitura de São Paulo. Em seu discurso, sinalizou que a qualidade dos serviços será levada para o centro do debate, para atingir o governo atual, na mão dos tucanos. "O PSDB vive o seu pior momento no Estado. A segurança pública está desmantelada", disse o presidente estadual.

Resta saber se até lá o principal reduto eleitoral do partido no Estado, a periferia da capital, já terá voltado às pazes com o partido. No momento, avaliam petistas, todas as atenções estão voltadas para o prefeito Haddad.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Grupo da reforma política divide PT da Câmara ao meio

Fernando Gallo

Uma disputa entre uma ala da bancada do PT mais alinhada com o PMDB e outra mais fiel ao próprio partido e ao Planalto está por trás da crise envolvendo o grupo que a Câmara dos Deputados criou na semana passada, para fazer reforma política - e cuja instalação foi adiada para esta semana para que os petistas possam resolver seus conflitos internos.

 bancada petista indicou o deputado Henrique Fontana (PT-RS) para representar o partido no colegiado, que tem 13 integrantes. Com a maior bancada da Casa, o PT tem a preferência para ocupar a coordenação» Em vez de confirmar Fontana no cargo, porém, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB), indicou outro petista, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Desde então, os grupos que apoiam cada um deles se fustigam nas coxias do Congresso. O grupo contrário a Vaccarezza diz que ele driblou o próprio partido, cacifando-se para o posto no PMDB, com o qual, dizem, possui uma relação "íntima". Segundo esse grupo, o parlamentar é contra o plebiscito defendido pelo PT - e, também, contra a reforma política.

Do outro lado, o grupo anti-Fontana acusa o deputado gaúcho de ter sido um articulador político inábil como relator da comissão especial da reforma política na Câmara - posto que ocupa desde março de 2011. A crítica desse grupo é que, em mais de dois anos, Fontana não conseguiu convencer a maioria de seus pares a apoiar a reforma.

Vaccarezza tem, de longa data, bom trânsito no PMDB. Em 2011, ele se pôs de acordo com o próprio Henrique Alves sobre um rodízio na Presidência da Câmara na atual legislatura - o petista a ocuparia nos dois primeiros anos e Alves o sucederia nos dois últimos. A ideia foi derrubada dentro do partido. Ele era também uma das vozes do PT que diziam, antes da escolha de Fernando Haddad como candidato, que o partido não devia lançar candidato à Prefeitura de São Paulo em 2012, mas apoiar Gabriel Chalita (PMDB).

Na contramão do que pretendiam o Planalto e o próprio PT, mas na linha do que defenderam os líderes do PMDB, Vaccarezza disse, no dia 5 de julho, que, sobre a tese de que a reforma política deveria valer para 2014: "Digo e repito: não dá tempo de fazer isso agora. Tenho a coragem de dizer a verdade".

Um aliado de Vaccarezza afirmou ao Estado que era preciso escolher para o posto alguém "que tenha uma conciliação com o PMDB, que é nosso partido aliado, e não apenas bom trânsito com PC do B, PSB e PDT". Segundo essa fonte, o PT tem de fazer aliança "com o PMDB, o PSDB, o PSD e o DEM. Isso vai ter que ser votado no Congresso e precisamos de maioria". "O Vaccarezza foi líder do partido e do governo e tem bom trânsito com todos os partidos", acrescentou.

"Antirreforma". Por sua vez, um aliado de Fontana diz que Vaccarezza está alinhado com o PMDB na proposta de fazer a "menor reforma possível". Ele pergunta: "Se o presidente da comissão é um cara antirreforma, qual reforma vai sair?".

Na sexta-feira, o presidente do PT, Rui Falcão, conversou com Fontana, Vaccarezza e com o líder do partido na Câmara, José Guimarães (CE), para sondar as "possibilidades de consenso entre eles".

"Não tem divisão, tem essa contradição. Abancada indicou uma pessoa para a comissão e o presidente está indicando um coordenador que é do PT. O PT seria o único partido a ficar com duas pessoas", afirmou, sinalizando que uma renúncia de Fontana não está descartada Procurado, Vaccarezza disse não querer se manifestar até que a instalação do grupo esteja concluída. Fontana não retomou os contatos. / Colaborou Pedro Venceslau

Fonte: O Estado de S. Paulo

Aécio cria ‘Rede’ para ala jovem do tucanato

O senador tucano Aécio Neves criou uma nova estrutura no seu partido, chamada "Rede Temática PSDB Jovem", para o lugar da Juventude do PSDB, onde seu rival paulista José Serra mantém forte influência política.

A manobra do senador mineiro, eleito presidente nacional do partido em maio, é vista como estratégica para a condução da campanha eleitoral do ano que vem, quando ele pretende disputar o Palácio do Planalto. Com a nova estrutura, ele pretende estreitar os laços com o eleitorado mais jovem - um segmento bem mais importante depois das manifestações de junho. A importância da atuação da juventude nas redes sociais cresce a cada eleição.

A atual ala jovem tucana, dominada por aliados de Serra, ex-governador paulista, não está oficialmente extinta, mas não tem presidente há dois meses. Na versão oficial do partido, a eleição, que deveria ter ocorrido em maio, com a escolha da nova Executiva tucana, foi adiada para evitar um racha dos tucaninhos. Nos bastidores, porém, integrantes do PSDB dizem que Aécio atuou para impedir a vitória de alguém ligado a Serra.

Dois nomes. O nome em questão é Wesley Goggi, capixaba, 32 anos, trazido a São Paulo em 2012 para coordenar ações na campanha de Serra à Prefeitura. Ele era favorito para assumir a Juventude do PSDB. O escolhido de Aécio, no entanto, era outro: Eduardo Leite, eleito o prefeito mais jovem do PSDB em 2012. Aos 28 anos, ficou conhecido nacionalmente depois das eleições como o prefeito "bonitão" de Pelotas.

Outra ação da direção do PSDB ajudou a complicar as coisas: o deputado Rodrigo de Castro (MG), aliado de Aécio, foi designado para acompanhar as negociações para a eleição da direção da Juventude tucana. O gesto foi visto como uma tentativa de controlar o pleito.

Com o impasse, a Juventude do PSDB acabou sem presidente, até que na semana passada Aécio instituiu sua "Rede Jovem"- curiosamente, a estrutura traz o nome do partido que a ex-senadora Marina Silva quer fundar.

O poder da nova estrutura partidária foi dividido entre os grupos, a fim de evitar novo racha. Uma das tarefas da "Rede" tucana será reformular o estatuto e organizar um cadastro dos membros da Juventude. A ideia é botar ordem na casa, já que hoje PSDB não sabe ao certo quantos jovens militam no partido.

Também caberá ao trio preparar uma nova eleição para definir quem vai comandar a estrutura durante as eleições presidenciais de 2014. Segundo Gaio Nárcio, que integra a nova coordenadoria, o pleito será realizado até início de setembro. Poderão votar 594 delegados.

Leite, o preferido de Aécio, desistiu de concorrer. Ele diz que não pode gastar energia apaziguando divergências internas do partido no momento em que precisa governar Pelotas, com mais de 325 mil habitantes.

O nome a ser apoiado diretamente por Aécio ainda não está definido. Goggi, reconhecido pelos adversários como um "militante histórico", ainda não decidiu se vai concorrer.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Manifestantes voltam a ocupar a frente do Palácio Guanabara

Grupo pôs fogo em boneco que representava Sérgio Cabral

Três dias depois de bairros vizinhos ao Palácio Guanabara terem se transformado num campo de batalha entre policiais militares e manifestantes, um novo protesto, desta vez pacífico até o fim da noite, ocupou a frente da sede do governo do estado. O grupo de cerca de 250 pessoas, segundo estimativas da PM, pôs fogo num boneco que representava o governador Sérgio Cabral. E gritou palavras de ordem como "Fora, Cabral" e "No meu casamento eu quero a polícia", ironizando a presença do Batalhão de Choque na repressão à manifestação de anteontem próximo ao Copacabana Palace, onde acontecia a festa de casamento de Beatriz Perissé Barata, neta do empresário de ônibus Jacob Barata.

O momento de maior tensão ocorreu por volta das 21h, quando duas jovens furaram o bloqueio e tentaram entrar no palácio. Elas foram retiradas pela PM, e um policial atirou spray de pimenta contra os manifestantes. O princípio de confusão, no entanto, foi rapidamente contornado. Quase no mesmo momento, um entregador chegou com pizzas ao palácio, mas saiu assustado com a manifestação sem conseguir deixar o pedido.

O chamado "grande ato pela saída e punição de (Sérgio) Cabral, (Luiz Fernando) Pezão e Paulo Melo" - numa referência ao governador, ao vice-governador e ao presidente da Assembleia Legislativa do Rio, respectivamente - fechou os dois sentidos da Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras, complicando o trânsito.

Em convocações nas redes sociais, o grupo estimulou os participantes a acamparem perto do palácio, a exemplo do que havia acontecido, mês passado, na esquina da Avenida Delfim Moreira com a Rua Aristides Espínola, no Leblon, onde mora Cabral. Mas, até as 21h, nenhuma barraca havia sido montada. Depois disso, a chuva dispersou a maioria dos manifestantes. A ideia, segundo o fotógrafo Pedro Rios, integrante do movimento Ocupa Rio, era tomar pacificamente a frente do palácio:

- Queremos ocupar física e simbolicamente a sede do governo, devido ao desrespeito com que o povo do Rio vem sendo tratado.

Os manifestantes começaram a se reunir às 15h, no Largo do Machado, onde declamaram poesias e cantaram músicas. Cerca de 30 PMs, de vários batalhões, reforçaram a segurança no local. Eles usavam coletes que escondiam suas identificações. Em resposta, a maior parte dos manifestantes colou seus nomes com fita adesiva no peito. Por volta das 18h, acompanhado pela PM, o grupo seguiu em passeata pela Rua das Laranjeiras até a Pinheiro Machado.

Dessa vez, mais de dez policiais fizeram um cordão de isolamento próximo à Casa de Saúde Pinheiro Machado, que foi invadida e teve uma porta danificada por um tiro de bala de borracha no protesto da última quinta-feira. Ao todo, segundo a PM, cerca de 300 agentes acompanharam o ato, com o Batalhão de Choque a postos.

Fonte: O Globo

'NYT': Dilma sofre ao lidar com protestos

Segundo jornal, medidas propostas pelo governo geram desconfiança

Reportagem do jornal americano "New York Times" publicada ontem discorreu sobre as dificuldades da presidente Dilma Rousseff em conter os protestos no Brasil e atender aos pedidos dos manifestantes nas ruas. O veículo destaca, entre as medidas de emergência, o programa para trazer médicos de outros países e o pacote de reformas políticas.

"Dilma e sua equipe estão pressionando os legisladores para aprovar um pacote de reforma política às pressas, uma ou outra versão do que foi definhando no Congresso desde meados da década de 1990. Mas a oposição, a mídia e o público parecem desconfiados da iniciativa, vista por alguns críticos como uma tentativa do Partido dos Trabalhadores de criar condições que lhe permitam permanecer no poder de forma permanente", escreveu o jornalista Larry Rohter, que em 2004 por pouco não foi expulso do país, ao afirmar em reportagem que o então presidente Lula exagerava na bebida.

Políticos desprevenidos

O jornal fala ainda sobre como o governo e os políticos brasileiros ficaram perplexos com a onda de manifestações.

"O descontentamento popular, que também é dirigido aos partidos de oposição e seus líderes, pegou Dilma e seus assessores desprevenidos, como fez com quase todos os outros. Depois de uma década em que milhões de brasileiros saíram da pobreza para a classe média, matrículas nas universidades dobraram, o emprego e os salários cresceram espetacularmente e a desigualdade social diminuiu, eles esperavam que os beneficiários dessas mudanças fossem gratos."

Fonte: O Globo

Planalto se prepara para mais manifestações

O Palácio do Planalto já se prepara para mais protestos. O temor ó que manifestantes voltem às ruas durante a visita do papa Francisco ao Brasil, durante a Jornada Mundial da Juventude, que começa dia 22 de julho, e nas comemorações do Dia da Independência, em 7 de setembro.

No caso da visita do Papa, a visibilidade internacional é chamariz para manifestantes - uma situação que ocorreu nas partidas da Copa das Confederações.

A avaliação do governo é que não há o que fazer especificamente para minimizar possíveis impactos de eventuais manifestações. Para o governo, esse cenário acaba sendo negativo, já que o Planalto torcia por um período de calmaria que permitisse estancar a queda de popularidade da administração de Dilma, apontada pelas últimas pesquisas de opinião. Logo depois do início dos protestos em junho, pesquisa feita pelo Instituto Datafolha apontou uma queda de 27 pontos porcentuais na avaliação positiva do governo Dilma. Na primeira semana de junho, 57% achavam ótima ou boa a gestão da presidente. Em três semanas, esse indicador despencou para 30%.

Dilma não foi a única política contaminada pela crítica dos entrevistados pelo instituto de pesquisa, já que outros administradores, como o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, também perderam bastante popularidade. No caso do governador do Rio, os protestos chegaram a ser feitos em frente à sua residência particular, no Leblon, e na sede do seu governo.

Na avaliação de assessores da presidente, a resposta de Dilma foi dada através das propostas apresentadas logo em seguida para a população, como a ideia de defender a aprovação de uma reforma política para valer já nas eleições do próximo ano.

A resistência do Congresso a aprovar alguma mudança nas regras do jogo, num período tão próximo das eleições, implodiu as chances da reforma de avançar imediatamente. No Planalto, entretanto, existe o entendimento de que funcionou a. estratégia de marcar posição por mudanças nos hábitos políticos e no combate à corrupção. Nesse caso, a presidente teria feito sua parte deflagrando o debate por mudanças no sistema político, mas não teria como passar por cima da vontade do Congresso.

Para reforçar esse ponto, o governo tem como estratégia apoiar o projeto de reforma que deverá ser enviado ao Congresso por iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, que propõe mudanças na legislação eleitoral já para as eleições de 2014.

O problema é que o diagnóstico otimista do Planalto ainda não se traduziu em números nas pesquisas sobre a imagem do governo e a preferência do eleitorado. Com os possíveis novos protestos no horizonte, essa expectativa por uma reação de Dilma corre o risco de não se concretizar.

Fonte: O Estado de S. Paulo

'Desejo que Serra seja feliz', diz Aécio em convenção do PSDB

Ex-governador busca alternativas para se candidatar à Presidência, mas partido tende a apoiar senador mineiro

Tucano critica política econômica do governo e promete apresentar propostas de mudança no segundo semestre

Jeferson Bertolini

FLORIANÓPOLIS - Provável candidato do PSDB à Presidência da República nas eleições de 2014, o senador Aécio Neves (MG) afirmou ontem que deseja que o ex-governador José Serra "seja feliz", ao ser questionado sobre sua insistência em disputar a Presidência.

Duas vezes derrotado em eleições presidenciais e sem espaço no PSDB, Serra tem procurado alternativas para se candidatar novamente nas eleições do ano que vem.

O ex-governador foi convidado pelo deputado federal Roberto Freire (SP), seu amigo, a trocar o PSDB pelo PPS para se candidatar, mas teme ficar isolado se não conseguir levar junto outros integrantes de seu grupo político.

Serra avalia também a possibilidade permanecer no PSDB e disputar a indicação do partido com Aécio Neves.

O ex-governador também tem procurado uma reaproximação com o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), que juntou-se à coalizão que apoia a presidente Dilma Rousseff depois das eleições municipais do ano passado.

"Respeito qualquer que seja a decisão do companheiro José Serra. É uma decisão muito pessoal", disse Aécio à Folha, ao chegar para uma convenção do PSDB em Florianópolis. "Desejo pessoalmente que ele seja feliz e que as oposições possam vencer as eleições. Vou trabalhar muito para o PSDB vencer as eleições."

Quando os tucanos se preparavam para a campanha presidencial de 2010, Aécio chegou a propor a realização de prévias internas para a escolha do candidato do PSDB, mas a ideia não foi adiante e Serra foi indicado pela sigla.

Neste ano, Serra recolheu-se diante da movimentação de Aécio para assumir a liderança do PSDB, mas o novo cenário político criado pelos protestos de junho o animou a reavaliar a possibilidade de se candidatar novamente.

Aécio participou ontem da convenção que elegeu o novo presidente do PSDB em Santa Catarina, o senador Paulo Bauer, que concorreu como candidato único.

Em discurso para cerca de 600 correligionários, Aécio fez críticas ao governo federal e prometeu apresentar propostas alternativas ainda neste ano. "O PSDB vai andar pelo país neste segundo semestre, construir uma proposta alternativa e apresentar à população", afirmou.

Aécio disse que a disputa pela Presidência "não é uma opção para o PSDB", mas "uma imposição do quadro que está aí". Para ele, "o Brasil não vai bem e as perspectivas são pessimistas".

O tucano criticou o inchaço da máquina do governo e o desempenho da política econômica, dizendo que em 2012 o Brasil "só cresceu mais que o Paraguai" e prevendo que neste ano ele "só crescerá mais que a Venezuela".

Fonte: Folha de S. Paulo

Aécio Neves discursa como candidato na convenção do PSDB catarinense

Senador mineiro diz que cortaria metade dos ministérios

Falando como pré-candidato à Presidência da República, o senador Aécio Neves encerrou a convenção do PSDB de SC, neste domingo. A votação ratificou, com 171 votos, a escolha do senador Paulo Bauer para comandar a legenda no Estado. Os dois tucanos defenderam a necessidade de se buscar a unidade e as candidaturas próprias para governador e presidente.

— O PSDB vai apresentar candidatura majoritária em todos os estados e vai ser alternativa para esse modelo que exauriu-se — disse Aécio.

Em um discurso de pouco mais de 15 minutos para um auditório lotado, o senador mineiro fez um rápido passeio por alguns dos temas que o PSDB planeja debater em todo o Brasil nos próximos meses. Ao falar do "desgoverno" de Dilma Rousseff, Aécio ressaltou a necessidade de se resolver o que chamou de calamidade da saúde pública, questionou a falta de investimentos em saneamento e segurança pública, o que seria o retrato do "claro descompromisso entre aquilo que se propõe e aquilo que se faz".

O tucano defendeu ainda um novo pacto federativo e o corte de pelo menos metade dos ministérios - a Secretaria da Pesca é um dos exemplos. Ele desconversou quando questionado por jornalistas sobre as especulações em torno da saída do ex-governador José Serra do PSDB.

No encerramento do discurso, citou o escritor mineiro Guimarães Rosa:

— O importante na vida não é a largada, tampouco a chegada: o importante de verdade é a caminhada — disse.

A informação é de que Aécio Neves, que veio a Florianópolis de jatinho, voltou a Minas Gerais logo depois do encerramento da convenção, as 14 horas.

Aécio Neves defende candidatura própria em todos os estados

Senador mineiro e pré-candidato à República participou da convenção estadual do PSDB na manhã deste domingo

Os tucanos catarinenses se reuniram na Assembleia Legislativa na manhã deste domingo para eleger o novo presidente do PSDB de SC. A votação ratificou o acordo costurado para a eleição do senador Paulo Bauer no comando da legenda no Estado.

O senador mineiro Aécio Neves, presidente nacional do PSDB e pré-candidato à Presidência da República, chegou em Santa Catarina por volta das 11h40min.

Assim que chegou o senador foi para uma reunião no Gabinete do deputado estadual Adilor Guglielmi, o Dóia. O encontro seria para definir a composição da Executiva do partido no Estado, pois há divergências entre quem assumirá a 1ª vice-presidência e a secretaria geral.

— O PSDB vai apresentar candidatura majoritária em todos os estados e vai ser alternartiva para esse modelo que exauriu-se — disse Aécio.

Candidatura própria em 2014

O consenso em torno do nome do senador Paulo Bauer para a presidência do PSDB é um grande passo em direção a candidatura própria ao governo em 2014. O próprio tucano tem defendido que a legenda está alinhada ao projeto nacional, que é ter candidatos em quase todos os estados e garantir palanque para aquele que vai disputar a Presidência da República - hoje o presidenciável é Aécio Neves.

Oficialmente, o PSDB de SC ainda não fala em alianças, até porque deve aguardar o desenrolar do cenário nacional. Nos bastidores, o entendimento é de que não haveria problemas em se aliar ao PP, PMDB ou ao próprio PSD. O PP de Esperidião Amin e Joares Ponticelli é o mais próximo nas tratativas. Outra alternativa seria descartar mais uma vez a cabeça de chapa ao governo e ficar com a vaga de vice.

A queda na popularidade da presidente Dilma Rousseff (PT), as demonstrações de insatisfação popular e o início de uma rebelião dos aliados da petista são ingredientes de uma receita que ainda não se sabe o resultado. Ao contrário do que se desenhava até junho, as certezas das eleições de 2014 devem ficar para o ano que vem.

Fonte: Diário Catarinense

Governabilidade - Aécio Neves

Por incrível que pareça, o maior problema que a presidente Dilma Rousseff enfrenta não está nas manifestações de rua, na queda da popularidade ou nas vaias em eventos. Quem se dedica à vida pública sabe que faz parte da democracia enfrentar adversidades como essas, por mais constrangedoras que sejam.

A grande dificuldade vem do seu próprio partido, o PT. Nunca antes na trajetória de um chefe de nação foi tão oportuno invocar a máxima segundo a qual quem tem determinado tipo de amigos, não precisa de inimigos.

Em fevereiro, com nada menos que 20 meses de antecedência em relação ao pleito de 2014, o PT lançou a candidatura da atual presidente e colocou em marcha, sem disfarce, sua campanha eleitoral, forçando o governo a escolher entre a lógica da reeleição e os interesses do país.

O marqueteiro ganhou funções de primeiro ministro, com poder para decidir prioridades capazes de fortalecer a imagem da candidata. A agenda de viagens da presidente passou a ser ditada pelas conveniências da afirmação regional de sua imagem. Multiplicou-se a formação de cadeia nacional de TV, substituindo-se, sem qualquer pudor, o horário político gratuito do TSE.

Imaginando que venceria por WO, o PT acabou atropelado pela força da realidade. Quando as pesquisas indicaram a queda brutal da intenção de voto na candidata, a legenda atirou o seu nome aos leões, ensaiando o coro pela volta do ex-presidente Lula à disputa, enquanto sua base de apoio a tudo assiste sem esboçar qualquer gesto de solidariedade.

Escolher um candidato é sempre prerrogativa de um partido ou das alianças que se formam. Entretanto, ao retirar o tapete sob os pés da presidente, movido pelas conveniências da conjuntura, o PT, na verdade, contribui para debilitar ainda mais a sua gestão, com graves riscos para a governança. O que é um assunto aparentemente doméstico do PT passa a ser, portanto, uma preocupação de todos.

A presidente não pode ser diariamente desafiada a demonstrar a viabilidade do seu nome para 2014. Ou ser instada a priorizar uma agenda meramente eleitoral, quando o país espera o combate à inflação e ao baixo crescimento e soluções para a extensa pauta de reivindicações no campo dos serviços públicos em áreas essenciais. Muitas das medidas necessárias talvez não atendam aos interesses políticos do seu partido ou à lógica do seu marketing pessoal, mas são fundamentais para o país e não podem mais ser retardadas.

Se é legítimo que a sociedade cobre soluções para os problemas brasileiros, é igualmente fundamental que não percamos de vista o que é de fato prioritário.

Não vamos nos enganar: não há nada que esteja muito ruim que não possa piorar.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Fonte: Folha de S. Paulo

Boa viagem, Juquinha! – Ricardo Noblat

Ninguém sabe quem apoiará Dilma em 2014” – Rui Falcão, presidente nacional do PT

O PT faltou ao Dia Nacional de Luta promovido pelas centrais sindicais.

Pensando bem, era só o que faltava: o partido que governa o país sair às ruas para cobrar do governo o que ele prometeu e não fez. Ou o que não prometeu, mas poderia fazer se quisesse.

As centrais apoiam o governo. Estão de prontidão para socorrê-lo em qualquer aperto. Mas elas devem o mínimo de satisfação aos seus associados.

O Dia Nacional de Luta foi um fracasso. Tanto maior porque pode ser comparado com o recente movimento liderado por jovens que cobram passe livre nos ônibus.

Um brotou espontaneamente. Aderiu quem quis. E os que aderiram poderão dizer: "Eu participei das maiores manifestações populares da história do Brasil em pouco mais de 500 anos".

O outro movimento nada teve de espontâneo. Parecia a projeção em preto e branco de um filme antigo, como observou o jornalista Ricardo Kotscho, ex-assessor de Lula.

Com uma diferença: no passado, o vermelho que coloria as ruas era monopólio do PT. Hoje, o vermelho que se vê aqui e acolá foi providenciado por outros partidos.

A militância do PT tem mais o que fazer. Está empregada. Parte dela muito bem empregada.

Há pelo menos duas frases exemplares cometidas nos últimos 10 dias por figurinhas carimbadas da República. Reunidas e explicadas, ilustram o estado de coisas que uma quantidade crescente de brasileiros gostaria de empurrar para sempre esgoto a dentro.

"Eu sou de carne e osso e preciso, vez por outra, de um descanso", afirmou Cid Gomes, governador do Ceará, a propósito de uma viagem à Ásia.

Em junho último, quando multidões irrompiam por toda parte, Cid embarcou para uma viagem de 14 dias com destino a Coreia do Sul. Tinha compromissos oficiais por lá.

Uma vez na Europa, esqueceu a Coreia, divertiu-se o quanto pode na companhia de amigos e até encarou um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Na ausência de Cid, o vice dele voou à Israel e Arábia Saudita. A trabalho. E também para repousar.

A segunda frase: "Não sou o primeiro a fazer isso no Brasil. Outros fazem também", defendeu-se Sérgio Cabral, governador do Rio e alvo de uma reportagem publicada pela VEJA.

A revista descobriu que Cabral usava helicóptero do governo, comprado por quase R$ 20 milhões, para fazer diariamente um trajeto de não mais do que 10 minutos entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e o palácio onde despacha.

Às sextas-feiras, o helicóptero chegava a voar cinco ou seis vezes entre o Rio e o município de Mangaratiba, onde Cabral tem uma casa de praia.

Cabral seguia no último voo. Nos anteriores, sua mulher, filhos e amigos deles, babás e o cão Juquinha.

O mesmo número de voos se repetia no domingo, de volta de Mangaratiba. Aumentava quando se esquecia algo. Como um vestido da primeira-dama resgatado por uma babá em voo extra.

“O governador Sérgio Cabral encara como uma perseguição ao seu mandato informações que soem como ‘denúncias’ quanto ao uso de helicópteros do Estado”, advertiu nota distribuída pela assessoria dele.

Ninguém ligou. O tempo não anda bom para os lados de Cabral.

Então outra nota anunciou que doravante Cabral irá trabalhar de carro. Os voos para Mangaratiba foram mantidos. Às nossas custas, naturalmente.

Cabral só se preocupa com valores do tipo moral, ética e decência quando flagrado atropelando algum deles. Ou todos ao mesmo tempo.

Aí finge que mudará seu comportamento. E até inventa código de ética que não sai do papel.

Mas não muda de comportamento, como se vê.

Porque ele sempre foi assim desde que escolheu a política como meio de sobrevivência. E nada sugere que deixará de ser assim.

Fonte: O Globo

Os cabeças e a manada - José Roberto de Toledo

Não adiantou a classe média inalar gás lacrimogêneo nem chorar lágrimas de spray de pimenta. A reforma política foi abortada pelo Congresso. De novo. Ato reflexo, a impopularidade de deputados e senadores voa mais alto do que jatinho da FAB. Chega a ser injusto com os congressistas. Nem tudo é culpa deles.

O que são algumas centenas de assessores parlamentares em Brasília comparadas aos 508 mil funcionários sem concurso que os prefeitos, cada vez mais, nomeiam Brasil afora? Se morassem todos no mesmo lugar, formariam a 39ª maior cidade brasileira.

Não há avião ou estádio da Copa que abrigue todos eles. Mais de meio milhão de servidores unidos a um contracheque mensal exclusivamente pela caneta do prefeito. Quanto custa isso?

Só como exercício, multipliquemos os 508 mil sem-concurso pelo valor do rendimento médio dos servidores municipais, apurado pela Receita Federal. Se você é cardíaco, talvez prefira não saber o resultado: R$ 1,6 bilhão por mês, ou R$ 20 bi por ano.

Não é à toa que os prefeitos marcharam sobre Brasília e vaiaram Dilma Rousseff quando ela anunciou que repassaria R$ 3 bilhões a mais para eles. Com uma conta sete vezes maior para pagar só de cabides, tinham mais é que vaiar a presidente por sua avareza,

Se o cabide de empregos municipal chegou a esse tamanho e cresce sete vezes mais rápido que a população brasileira, a culpa - dizem - não é dos prefeitos. É de Dilma. Sim, é tudo culpa do governo federal, como explica o porta-voz da categoria: "Há uma transferência constante de atribuições da União para os municípios. No momento em que você assume atribuições, você cria necessidades de coordenadorias. Não dá para colocar uma manada na mesma hierarquia sem ninguém comandar, tem que ter cabeça".

A "manada" a que ele se refere deve ser a dos outros 5,5 milhões de servidores municipais, os concursados - aqueles que ganharam direito ao contracheque porque passaram em um processo seletivo e fazem carreira servindo o público. São eles que precisariam de "cabeça", ou seja, dos 508 mil nomeados sem concurso.

Obviamente os prefeitos não podem depender de concursados para atender a suas vontades. Precisam de alguém de confiança, um correligionário, um amigo ou, melhor ainda, um parente. E como o governo federal teima em mandar cada vez mais atribuições (e verbas) para os municípios, mais correligionários, amigos e parentes se fazem necessários para comandar a "manada".

É tão lógico que parece verdade. A explicação seria perfeita, não fossem os números. A proporção de funcionários sem concurso (os "cabeças") em relação ao total de servidores municipais (a "manada") varia de 0% a 77%. Sim, 47 municípios brasileiros declararam ao IBGE não ter nenhum "cabeça" em seus quadros.

Essas cidades parecem exceção, mas não são. Em uma de cada cinco prefeituras, a taxa de funcionários sem concurso não chega a 5%. E em três de cada cinco, a proporção é inferior a 10%. A exceção está na outra ponta. Só 17 cidades têm mais da metade de funcionários municipais sem concurso (11 delas ficam em Goiás). E em apenas 2% dos municípios a falta de concurso supera um terço do funcionalismo.

Os números mostram que uma grande parte dos municípios consegue dar conta de suas velhas e novas atribuições sem criar um bicho de sete cabeças - nem provocar o estouro da manada. O mais provável é que a explicação para o inchaço das máquinas municipais seja política, e não administrativa.

A multiplicação dos pequenos municípios atende aos interesses partidários de criação de novas estruturas burocráticas, de mais cargos de confiança sem concurso, de mais vagas de vereador, Um pequeno novo município faz pouca diferença no total do gasto público. Mas muitos deles fazem toda a diferença.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Sem refresco - Valdo Cruz

Depois do fracasso das manifestações das centrais sindicais, a onda de protestos, tudo indica, vai dar um tempo. Sinal de alívio para o Palácio do Planalto, mas não de que tudo voltará ao normal.

Pelo contrário. As vozes das ruas agudizaram uma situação que já não estava boa para a presidente Dilma Rousseff e que, neste momento, ficou um pouco pior.

Até que a petista saiu melhor do que entrou na crise do mês de junho. Lançou o plebiscito da reforma política e dirá que o enterro da ideia é culpa do Congresso. Criou a imagem de que ouviu a voz das ruas e saiu divulgando programas.

Agora, terá de concentrar seu foco na agenda política e econômica, onde os sinais são de riscos potenciais, o que assusta o mundo petista na véspera de ano eleitoral.

No Congresso, o clima é de tocaia. O governo perdeu o controle sobre a pauta do Legislativo e, com a base rebelada, teme derrotas pela frente.

De uma delas até se safou, ao fechar acordo no Congresso para engavetar 1.700 vetos, alguns verdadeiras bombas fiscais. Em troca, sabe que agora seus vetos irão a votação no plenário do Legislativo.

Algo perigoso para uma presidente que, com aliados infiéis, acostumou-se a vetar tudo aquilo em que era derrotada no Congresso. Esse caminho pode estar interditado.

Na economia, dentro do próprio governo já se fala no risco de crescimento abaixo de 2% em 2013. O que já despertou discussões sobre o tamanho do corte de gastos.

O temor é que um arrocho fiscal muito forte, defendido no mercado para segurar de vez a inflação, desacelere mais o ritmo da economia neste ano, que já está fraco.

Enfim, o cenário não é de refresco. Na política, a sorte é que o Congresso deve entrar em recesso, dando tempo para um freio de arrumação. Na economia, o governo precisa deslanchar os leilões de concessões. O fato é que 2014 vai chegando e a pressão só vai aumentar.

Fonte: Folha de S. Paulo

Emendas & sonetos - Denise Rothenburg

Julho vai pela metade e as conversas políticas nos indicam que essa balbúrdia na base e na economia não terminará tão cedo. E a depender do cenário, talvez nem a reforma ministerial resolva. É fato que, à exceção das empresas estatais que a presidente criou, o grande número de ministérios foi concebido mais para pendurar a ampla base aliada na administração pública do que qualquer outra coisa. Portanto, extingui-los sem abrigar os políticos vai piorar as relações com os partidos acostumados à vida na Esplanada, ainda que isso seja, muitas vezes, na visão de alguns, apenas um carro preto com placa verde e amarela.

Integrar Aviação Civil e Portos aos Transportes, por exemplo, deixa o PR com um caminhão maior do que o seu motor político sustenta no Congresso. E aí, quem vai chiar mais do que está chiando hoje é o PMDB, que perde a Secretaria de Aviação Civil sem a garantia de ficar com o mega ministério dos Transportes. E, se o PR perder transportes, não será difícil ver mais conversas entre o senador Alfredo Nascimento (AM) e seu colega Aécio Neves, presidente do PSDB e pré-candidato à Presidência da República contra Dilma em 2014.

Uma reforma ministerial agora, se não for feita de forma pensada e correta, dará ao PSDB a ferramenta que o senador Aécio Neves procura desde o início do ano para quebrar a base do governo "por dentro". E, quebrar a base por dentro, é como um vírus de computador. Dependendo da tecla que a presidente Dilma aperta, pode deixar entrar um vírus maior do que aqueles que estão por aí minando seu governo internamente. Por isso, há quem aposte que ela deixará essa reforma para depois do prazo de filiações partidárias em setembro, quando terá mais clareza do jogo para o ano que vem.

Enquanto isso, nos bastidores do Congresso...

O problema é que, se Dilma esperar demais, pode ter outros problemas ou fazer uma reforma que chegue com cara de velha, o que também não ajudaria seu governo. A contar pelo que os políticos dizem entre quatro paredes a respeito do ministro Aloizio Mercadante, ele chegará enfraquecido ao papel de articulador, se for confirmada a sua troca da Educação para a Casa Civil, com mais poderes de influir na seara do que tem hoje a ministra Gleisi Hoffmann.

Não é de hoje que os congressistas acusam Mercadante de ser o mentor de todas as mazelas que o governo impõe a si próprio e ao Congresso nesta temporada de 2013. Está na conta dele a constituínte exclusiva, o plebiscito e também a vontade de dizer que a crise não termina por culpa dos congressistas, que não fazem a reforma política. Você, leitor, há de convir que essas acusações não parecem ser assim... Um coquetel de boas vindas. Especialmente, a um ministro novo neste momento, que deve chegar com ares de novidade, bem ao estilo, "agora vai". Afinal, a situação é delicada tanto na base aliada e quanto na economia. E não há sinal de trégua no horizonte em nenhuma das frentes de conflito.

E no plenário...

Esta semana, por exemplo, haverá uma queda de braço para votar a Lei de Diretrizes de Orçamentárias com os líderes governistas torcendo pelo recesso. Não vai colar. E por um motivo muito simples: a base que, como bem definiu o líder do PMDB, Eduardo Cunha, "finge ser governo", quer trocar a LDO pelo orçamento impositivo para suas emendas.

A rebelião contra a votação da LDO começa pelo relator do texto, deputado Danilo Forte, e tem o respaldo da grande maioria dos deputados que não vê a hora ter as emendas ao orçamento liberadas automaticamente, sem passar pela tesoura de equipe econômica.

Diante desse quadro, a saída será o recesso branco, ou seja, deixar a LDO como único item da pauta. Assim, saem de cena as medidas provisórias, os vetos , os pedidos para convocação de ministros para explicar as mazelas no PAC.

Por falar em recesso...

O meu não será branco. A coluna Entrelinhas sai de férias por um mês. Afinal, se for esperar um momento tranquilo na política e na economia para recarregar as baterias, só mesmo depois das eleições do ano que vem e olhe lá. Até a volta!

Uma reforma ministerial agora, se não for feita de forma pensada e correta, dará ao PSDB a ferramenta que o senador Aécio Neves procura desde o início do ano para quebrar a base do governo "por dentro"

Fonte: Correio Braziliense

A diferença de Marina Silva - Renato Janine Ribeiro

Como já informei, logo depois de meu artigo "Marina Silva e as chances perdidas", a líder da Rede Sustentabilidade me convidou para uma conversa, que ocorreu na casa do professor Ricardo Abramovay. O que chama a atenção em Marina - pelo menos para quem nunca tinha conversado com ela - é a informalidade. Chamei-a de "senadora", mas ela afastou a forma de respeito e me convidou a dar-lhe o você. Mas este é apenas um sinal de algo mais significativo.

Se você conversar com um presidenciável petista ou tucano, esperará que fale de projetos para o Brasil e dê números para sustentá-los. Falarão em investimentos, em PIB e, se tiverem noção dos fins para que governam, mencionarão problemas sociais e econômicos e os remédios que lhes propõem. Eis duas características do discurso político habitual: os dados, que fazem crer na seriedade do candidato - e o subentendido de que a ação política é totalmente diferente da ação individual ou pessoal. O candidato não se apresenta como um igual a você. A agenda dele é diferente da que você pode ter. Você não pode influenciar o crescimento do PIB, o aumento do crédito, a reindustrialização.

Nada disso acontece com Marina. Não só porque cita Freud e até Lacan, o que atesta uma curiosidade intensa, mas sobretudo porque, me parece, ela não vê a política como um domínio separado da vida das pessoas. O que vale na psicologia vale na política. Arrisco-me a dizer que talvez esteja aí a raiz de uma crítica que lhe dirigem, sobre a possível interferência de sua fé evangélica em decisões políticas: se o que lhe interessa é a pessoa, nem psicologia nem valores podem se confinar num espaço extra-político. Eles devem fecundar a politica; aqui, sugiro a tese de que a política, no Brasil, vampiriza. Ela de tempos em tempos requer sangue novo, gente como Mario Juruna, Fernando Gabeira, Regina Gordilho, dos quais a maior parte (Gabeira é a exceção) acaba triturada por esse misto que nossa política exibe - a necessidade de sangue novo, mas também a ojeriza a tudo o que é novo, tudo o que rompa com o sistema existente, culminando num ultimato: "rende-te ou te destruo".

Na política, o que importa é a atitude

O projeto de Marina Silva pode ser expresso tanto na linguagem da política quanto na da vida pessoal. É como se para ela não fizesse sentido cindir a política, reino da repartição do PIB, e a vida pessoal, espaço só privado. Por isso ela pode transitar o tempo todo de uma para outra. Por isso seu tema não está na ação convencionalmente política. Por isso seu partido não se chama partido. Por isso ela pode se associar a ex-tucanos sem maiores problemas. Por isso suas ideias podem apelar aos mais jovens, aos rebeldes dos últimos meses. Quem não entender isso não a entenderá; nem entenderá o que tem acontecido, de novo, entre nós.

Uma tal atitude abre caminhos. Permite condenar a corrupção nas esferas de governo, não como a oposição, que se esmera em apontar o cisco no olho do outro mas esconde a trave no seu próprio (quem usa a imagem bíblica sou eu, não Marina), mas de um ponto de vista que sai da política, para ser intensamente ético. Não é fortuito que os sustentáveis tenham nascido dos verdes. Mesmo não conhecendo Rousseau, eles parecem dever muito de suas convicções a uma ideia do filósofo, que agora exponho.

Rousseau afirma que há males que fazem mal ao próprio autor deles. A propriedade privada é um mal, assim como a vaidade. Mas o rico e o vaidoso também são vítimas de suas próprias ações. Rousseau não divide o mundo em bons (as vítimas) e maus (os algozes). Superar a degradação do mundo fará bem até aos malfeitores. Ora, não é este o eixo da politica verde? que lembra que o próprio predador da natureza sofrerá pelo mal que causa. Não opera com uma soma zero, na qual o que as vítimas perdem vai para o algoz, mas com somas negativas (todos perdem) ou positivas (todos ganham). O modelo de um projeto político win-win, como alguns o chamam, pode estar na ecologia. Um meio-ambiente limpo beneficia a todos. Daí que a política verde seja diferente das políticas de disputa. Ela pretende integrar. Se navegar pela exclusão, como as demais políticas, não será verde.

Um dos grandes êxitos na educação básica, nos últimos anos, é a difusão do "reduzir, reutilizar, reciclar". E não é por acaso que esse princípio, que vem eticizando nossos filhos, é um mote que efetua a passagem do verde ao sustentável. Poderia ser um mote da Rede - mas não do PT ou do PSDB. Para esses partidos, é uma proposta apolítica. Para o projeto da Rede, porém, é exemplar. O que eles pretendem vai além da política.

Volto ao que pude ouvir de Marina Silva e seus colaboradores. Eles estão otimistas. Creem num crescimento até rápido de sua força. Eu, embora simpatize com tudo isso, vejo problemas. A passagem de "verde" a "sustentável", por exemplo: verde é limitado, mas preciso (e positivo); sustentável é amplo - mas vago e requer muita discussão. Já as propostas de reforma política, conquanto bem intencionadas, lembram medidas que, adotadas na Califórnia, tiveram resultados contrários aos esperados. Também penso que a agenda petista - a da urgência de enfrentar a miséria - está longe de se esgotar. Querem também pôr fim ao ódio e à exclusão em nossa política, mas creio que infelizmente a demofobia de nossos abastados é maior do que imaginam.

Mas eles são o grupo que mais pensa o futuro, que está mais perto do que a vida de hoje, nas ruas e nas redes, imagina.

PS - Como se vê, o mais importante para mim não foram os assuntos tratados, que a maior parte conhece, mas a atitude - que procurei descrever e ousei interpretar.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

Em queda - Paulo Brossard

Manchete de primeira página de grande jornal, semana passada, noticiou que Dilma vê risco de desmanche da base em ano pré-eleitoral, e seria de surpreender se tal não sucedesse. Se, desde o começo, a senhora presidente desfrutou de excepcional aceitação por parte da opinião pública, ainda no primeiro trimestre do ano em curso a presidente teve o primeiro dissabor, quando pesquisa de opinião pública revelou a perda de oito pontos em sua popularidade, num universo de cem. Algumas semanas se passaram e a cena se repetiu, só que desta vez a redução foi de mais 27 pontos, perda que surpreendeu o próprio Planalto. Ambas as perdas, perfazendo 35 pontos, ultrapassaram a terça parte em relação a cem; se novas medições forem feitas não me surpreenderei se prosseguir a perda.

Se há um ponto em que gregos e troianos estejam de acordo é no reconhecimento quanto à denominada "desaceleração" da economia nacional. As divergências são limitadas ao grau maior ou menor de esfriamento ou de retração econômica, no sentido de que o crescimento será ou não inferior a 2%. A propósito, eu me pergunto se a senhora presidente ficou perturbada com os números divulgados ou se não lhes deu importância, uma vez que as sucessivas iniciativas que vem tomando desde então não tem contribuído e nem poderiam contribuir para minorar a queda que, evidentemente, erodiu sua popularidade.

Sobram os exemplos e me falta espaço para arrolá-los, mas não posso deixar de lembrar que no seu retorno de São Paulo, onde acompanhada de seu marqueteiro foi conferenciar com seu antecessor, desembaraçadamente, lançou a ideia de um expediente rotulado de constituinte exclusiva, mas que, pela feição grotesca, não durou 24 horas, tendo ela própria se encarregado de sepultá-la, sem sequer dedicar-lhe votos de piedade. Sobreveio o plebiscito a que se apegou teimosamente, a despeito das gerais restrições, desde o primeiro momento opostas por pessoas de alta responsabilidade; nem mesmo a resposta que lhe deu a Justiça Eleitoral pela presidente do Superior Tribunal Eleitoral e por mais 27 Tribunais Regionais Eleitorais a demonstrar a inviabilidade do procedimento teve a virtude de demovê-la, e foi necessário que a grande maioria dos líderes que constituem sua base de sustentação lhe ponderasse que a iniciativa estaria irremediavelmente condenada.

Lembro que no começo do ano a imprensa noticiou fato inédito em manchete de primeira página "Governo manobra e garante R$ 16 bilhões para cumprir meta", "Operações contábeis com recursos do Fundo Soberano, BNDES e Caixa garantem superávit, mas afetam credibilidade da política fiscal". Não passaram muitos sóis e a credibilidade da política fiscal tão débil ficou que nem mais nem menos que o gestor da pasta das finanças proclamou a necessidade de se promover o reforço na credibilidade exatamente da política fiscal.

Entre tantos episódios capitaneados pela chefe do governo, por derradeiro, não posso deixar de lado um dos últimos que parece ter espantado crédulos e incrédulos. Após ter a ideia de promover a importação em massa de médicos de duvidosa formação científica e que teriam de aprender a expressar-se em língua portuguesa, mediante um veto parcial, vem de inaugurar a rebelião na respeitável comunidade médica de maneira inacreditável. Parece-me que estes gestos derradeiros tanto se distanciam dos que se pode esperar de governos criteriosos que me abstenho de tentar qualificá-los. Fiquei perplexo, para não dizer estarrecido.

*Jurista, ministro aposentado do STF

Fonte: Zero Hora (RS)

Morte e ressurreição da reforma política - Marcus Pestana

É preciso colocar alguns pingos nos is. Sob pena de não atendermos uns dos maiores clamores das ruas: menos mentira, mais verdade, menos cinismo e hipocrisia, mais autenticidade e coerência.

Há tempos a reforma política é apontada como uma necessidade para o aprimoramento da democracia brasileira. Nosso sistema não aproxima as pessoas da representação política, impõe campanhas caríssimas que abrem as portas para relações incestuosas entre financiadores e financiados, fragiliza os partidos, dificulta a governabilidade.

Vamos falar a verdade. O novo Congresso, eleito em 2010, tentou abordar o desafio. O Senado fez uma comissão especial que trabalhou célere, com discussões e votações sumárias, e em 60 dias apresentou um projeto. A própria Comissão de Constituição e Justiça do Senado desfigurou a proposta, tornando-a inconsistente e contraditória, e ela nem sequer chegou ao plenário. A Câmara dos Deputados adotou postura diversa, instalando outra comissão especial, na qual trabalhamos por quase dois anos, realizando discussões profundas e patrocinando dezenas de audiências públicas. A votação do relatório também foi obstruída na fase final dos trabalhos e não chegou ao plenário. Em fins de 2012, o então presidente Marco Maia (PT-RS) chegou a agendá-la, mas a persistência de graves divergências e a votação da partilha dos royalties do petróleo arquivaram o texto de forma que parecia definitiva.

O tema é complexo e polêmico. Mexe com interesses estabelecidos. E uma profunda reforma só seria possível se a Presidência da República desempenhasse seu papel de articuladora e construtora de consensos. Mas a gerente Dilma não compreendeu que a Presidência é lugar para estadistas e líderes políticos da nação. A única contribuição de sua parte foi um parágrafo no discurso de posse. Depois, um eloquente silêncio e uma completa inércia.

Diante da explosão de cidadania e indignação nas ruas, a presidente tentou ressuscitar a reforma política como panaceia para os problemas brasileiros. Hipocrisia? Diversionismo? Alienação? Oportunismo? Façam suas apostas.

A ideia do plebiscito para a convocação de uma constituinte exclusiva era alicerçada em convicções tão sólidas que não resistiu 24 horas. Foi substituída por um plebiscito amplo e difuso sobre o conjunto de temas envolvidos na reforma política. Tal qual a mitológica Fênix, a reforma ressurgiria das cinzas como resposta mágica e ilusória às demandas da sociedade.

O TSE apontou que precisa de 70 dias para organizar o plebiscito. A Constituição impõe que mudanças só valem se introduzidas um ano antes das eleições. A OAB adverte que matérias constitucionais não podem ser objeto de plebiscito.

Para Dilma, a reforma política foi recolocada como válvula de escape. Para a sociedade, é uma necessidade, embora não haja percepção clara disso. Ao Congresso, resta o desafio: produzir em 90 dias o que em anos e anos não foi possível concretizar.

Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB-MG)

Fonte: O Tempo (MG)

Dilma, a solitária - Eugênio Bucci

A solidão do poder, tratando-se de Dilma Rousseff, é um presídio. Ou, pior, é uma cela incomunicável. A presidente da República já não consegue fazer contato com seus auxiliares, com os parlamentares, com os partidos, com as centrais sindicais, com as ruas - e, principalmente, com a nação. Disciplinada, ela insiste. Marca reuniões com um grupo restrito de ministros, consulta-se eventualmente com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, amiúde, segue as orientações dos profissionais de marketing a seu serviço. E nada dá certo. Como se fosse uma náufraga, perdida numa ilhota em alto-mar, a chefe do Estado brasileiro lança garrafas sobre as ondas, e suas mensagens não encontram o destinatário. Raramente, vão bater no destinatário errado. Sem respostas positivas, ela não vislumbra o que a espera. Sua solidão é sólida como a rocha e enigmática feito a esfinge.

Há um diagnóstico fácil para esse quadro clínico: a falta de comunicação que acometeu o Palácio do Planalto resulta do isolamento que se abateu sobre a presidente. Desesperados, então, seus assessores tentam até o fim, como na canção de Roberto Carlos. Num lance de aparente ousadia, tentam aproximá-la do povo que se manifesta nas ruas e, de novo, erram a mão. Bolam comunicados contundentes, inventam propostas salvadoras, lançam campanhas de televisão e, outra vez, nada funciona. O círculo da presidente não se deu conta de que o naufrágio a que ela ainda sobrevive não é fruto do isolamento, mas o contrário: o isolamento político teve início no naufrágio da comunicação. A ilha deserta em que Dilma se vê confinada não foi a causa da incomunicabilidade. Foi, isto sim, a consequência. Agora, aumentar a dose de comunicação errada não resolverá nada; a comunicação errada apenas piorará as coisas, como o mês de junho deixou claro.

Foi bem revelador o que aconteceu há duas semanas. Diante das passeatas que transformaram as ruas das cidades brasileiras em rios de gente indignada, a presidente da República resolveu falar em rede nacional de televisão. Numa das mais desajeitadas jogadas de marketing da história recente do país, deu respostas a perguntas que ninguém tinha feito. Chamou para si um amontoado de problemas que ninguém achava que fossem problemas dela. Conclamou “pactos” a que ninguém quis aderir. As reclamações dos protestos falavam das tragédias concretas da vida prática: transporte público aviltante, saúde pública miserável, educação deformante e gatunagem do dinheiro público. Dilma respondeu a todas com uma abstração complexa: a reforma política, acrescida de plebiscito e constituinte exclusiva. Esta última, o centro da fala presidencial, soçobrou nas 24 horas seguintes. O plebiscito morreu há poucos dias, na semana que passou. Quanto à reforma política - necessária, por certo, gravemente necessária, mas que não era reivindicação de nenhum dos protestos -, ficou a ver navios nas proximidades da ilha deserta. Não se sabe no que vai dar, já que tudo agora depende do Congresso Nacional.

No que era acessório, Dilma emplacou uma coisa ou outra, é verdade. Propôs chamar a corrupção de crime hediondo, e isso pegou. A história dos royalties do petróleo para a educação e saúde parece que também colou. De resto, os artifícios contábeis de bilhões para isso e aquilo foram percebidos como o que de fato eram: artifícios contábeis.

Se a presidente deu respostas descabidas a perguntas não formuladas pelas ruas, não foi por não saber falar. Foi, antes, por não saber ouvir. Para certas situações, acompanhar obstinadamente os índices de popularidade não basta. Para entender com rapidez os anseios e as aflições dos habitantes das cidades médias e grandes, não basta decifrar pesquisas de opinião. Para isso, os governantes precisam simplesmente saber conversar com gente que anda de ônibus, com médicos e pacientes da rede pública e até mesmo com deputados e senadores. É aí que entra esse componente insondável e insubstituível da administração pública: o talento político. O bom político se caracteriza por essa particular habilidade para a comunicação, que envolve o gosto pela conversa, a arte de motivar pessoas e a vocação para liderar. A comunicação do Palácio do Planalto errou a mão definitivamente quando desistiu de ser política, no sentido mais alto da palavra, e se contentou em ser técnica, matemática e meramente publicitária.

Daí vem a solidão da presidente, uma solidão que cobra caro. Dilma talvez não disponha da moeda para pagar seu próprio resgate.

Eugênio Bucci é jornalista e professor da ESPM e da ECA-USP

Fonte: Revista Época

‘Após atos, governo não tem interlocutores’, diz professora da Unicamp

Para socióloga, população que foi às ruas em junho é crítica em relação à atual forma de fazer política, a partidos e aos sindicatos

Marcelo Beraba

A população que se identificou com os movimentos de rua de junho não atendeu à convocação das centrais sindicais para o Dia Nacional de Luta, quinta-feira. Para a socióloga Maria da Glória Gohn, professora da Unicamp e especialista em movimentos sociais, a nova geração de jovens não se identifica com as formas de organização existentes e reage ao modelo de sociedade em que vive, "de muito consumo, mas de qualidade de vida sofrível".

Autora do recém-lançado "Sociologia dos movimentos sociais" (Cortez Editora), ela respondeu às questões do Estado por escrito logo que desembarcou, quarta-feira, de uma viagem de observação à Turquia, onde uma onda de protestos de rua contesta o governo do primeiro-ministro, Tayyip Erdogan.

Como define os movimentos de junho no Brasil?

Os movimentos ocorridos em Junho de 2013 em 12 capitais e cidades de médio porte brasileiras foram denominados pela mídia e outros como "manifestações". De fato eles foram, na maioria das vezes, manifestações que expressam estados de indignação face à conjuntura política nacional. As mobilizações adquiriram, nestes eventos, caráter de movimento de massa, de protesto, revolta coletiva, aglutinando a indignação de diferentes classes e camadas sociais, predominando a classe média propriamente dita; e diferentes faixas etárias, destacando-se os jovens. Os movimentos de Junho de 2013, que provisoriamente chamarei de "Movimento dos Indignados das Praças, Ruas e Avenidas", focalizam demandas locais, regionais ou nacionais. Atuam em coletivos não hierárquicos, com gestão descentralizada, produzem manifestações com outra estética - não dependem de um carro de som para mover a marcha, não usam bandeiras e grandes faixas de siglas ou palavras de ordem; os participantes tem mais autonomia, não atuam sob a coordenação de uma liderança central. São movimentos com valores, princípios e formas de organização distintas de outros movimentos sociais, a exemplo dos sindicais, populares (urbanos e rurais), assim como diferem dos movimentos identitários (mulheres, quilombolas, indígenas, etc.). Para compreender essa onda de mobilizações, além de identificar as especificidades e diferenças dos jovens em ação, uma questão significativa é: porque uma grande massa da população aderiu aos protestos. 

Que sentido e significado estes jovens atribuíram aos acontecimentos para transformá-los em movimento de massa com ampla legitimidade?

Sabe-se que protesto de Junho foi desencadeado por coletivos organizados com o predomínio do MPL- Movimento Passe Livre, a partir de uma demanda pontual - contra o aumento da tarifa dos transportes coletivos. Olhando-se para os noticiários da mídia nacional nos últimos meses pode-se listar os prováveis motivos para a indignação que levou milhares de brasileiros às ruas, aderindo ao movimento dos jovens, a saber: os gastos altíssimos com estádios da Copa, megaeventos e uso do dinheiro público em eventos promocionais, a má qualidade dos serviços públicos, especialmente nos transportes, educação e saúde. Outros agravantes são: a persistência dos índices de desigualdade social, inflação, denúncias de corrupção, clientelismo político, a PEC 37, sentimento de impunidade, sistema político arcaico, a criminalização de movimentos sociais - especialmente rurais e indígenas, o projeto de Lei que tramitava no Congresso sobre "cura gay", a condução de importantes postos políticos no cenário nacional por políticos com passado marcado por denúncias etc. Ou seja, a despeito das políticas governamentais de inclusão social, e a boa imagem internacional do país até recentemente, como um emergente de sucesso, o Brasil tudo azul, para o senso comum de seu povo em geral, era uma construção irreal. Este 'povo' propriamente dito fazia suas leituras nas entrelinhas das notícias do dia-a-dia, e quando viu na TV e jornais jovens sendo espancados por lutarem por bandeiras que eram também sua, a mobilidade urbana, este 'povo' saiu às ruas e mais uma vez demonstrou que a cordialidade do brasileiro tem limites, dado por valores que atingem sua dignidade, e provocam ira e indignação. Estima-se que mais de um milhão de pessoas saíram às ruas no país em Junho. Só no dia 17, dados da mídia contabilizaram cerca de 230 mil pessoas, do Pará ao Rio Grande do Sul.

Em que se assemelham e se diferenciam dos movimentos que ocorreram no Oriente muçulmano, na Europa e nos Estados Unidos?

Os movimentos brasileiros de Junho de 2013 têm vários pontos de semelhanças e muitos de diferenças com os citados na pergunta. Em comum: fazem parte de uma nova forma de movimento social composta predominantemente por jovens, escolarizados, predominância de camadas médias, conectados por e em redes digitais, organizados horizontalmente e de forma autônoma, por isso são críticos das formas tradicionais da política tais como se apresentam na atualidade -especialmente os partidos e os sindicatos. As convocações para os atos são feitas via as redes sociais e a grande mídia contribui para a adesão da população ao noticiar a agenda e os locais e hora das manifestações. Eles têm estética particular nas manifestações: no conjunto não desfraldam bandeiras de organizações e nem usam faixas pré-confeccionadas; usam palavras de ordem em cima da demanda foco, sem carros de som, e o batuque ou as palmas são utilizados no percurso das marchas. O movimento acontece 'em se fazendo' e não via grandes planos de organizações com coordenações verticalizadas. Cada um leva seu cartaz em cartolinas, uma nova mensagem pode gerar uma decisão tomada no calor da hora. Na estética individual predomina o preto, máscaras de gás ou outras (como a de Guy Fawkes, do Anonymous), e eventuais percings. Eles têm sido alvo de ações violentas por parte da repressão policial. Conectam-se à redes de apoio internacional e a solidariedade entre eles é um valor e um princípio. São laboratórios de experimentações de novas formas de operar a política. Dirigem suas reivindicações a personagens específicos da cena público-política de cada país. Por esta razão, os movimentos brasileiros diferenciam-se dos Indignados da Europa, especialmente, Espanha, Portugal e Grécia, países em profunda crise econômica causada pelas políticas neoliberais de ajustes fiscais, controle e monitoramento pela 'troika' (FMI+ Banco Central Europeu), desemprego, retirada de direitos sociais, corte de salários, dispensa de funcionários públicos etc. Os Indignados brasileiros diferem mais ainda dos movimentos da Primavera Árabe devido à frágil democracia e forte controle social que predominam na maioria daqueles países e as relações entre política e religião via o Islamismo. Finalmente os Indignados nacionais diferem do Occupy Wall Street não só porque adotaram formas diferentes de agir, mas porque eles tiveram, no início, uma pauta específica: contra o aumento da tarifa e lutar pela tarifa zero. Eles não ocuparam um território específico como o Occupy, optando pelas passeatas; e nem realizaram bloqueios - tática que passou a ser utilizada depois, em atos que deram sequência às manifestações de Junho, em movimentos de caminhoneiros, motoboys, e no Dia Nacional de Luta (11/07/2013), organizado por nove centrais sindicais, MST, UNE, movimentos populares de moradia etc. reunindo cerca de 105 mil pessoas no país. Neste dia o MPL/SP optou pelo apoio à manifestação dos metroviários, mas não ao conjunto das manifestações, que considerou ter uma pauta ampla, burocratizada, focada só nos trabalhadores.

Como se diferenciam dos movimentos de 1968 e dos anos 1990 no Brasil?

1968 foi marcado, no Brasil, por movimentos que lutavam, em primeiro lugar, contra o regime militar vigente, em segundo pelo desejo de participar em uma sociedade que se modernizava mais ainda tinha acessos restritos, como à universidade com o problema dos 'excedentes' nos vestibulares. Certamente que havia no Brasil a influência de Maio de 1968 na França, e de outros países onde ocorreram mobilizações de estudantes. Os pontos comuns entre os movimentos de 2013 e 1968 são: o protagonismo de jovens, especialmente estudantes; a falta de espaço e canais para vocalizar demandas; a influência de ideias do socialismo libertário, o uso de meios de comunicação da época para articularem às ações - muros e a TV em 68, redes da mídia e celulares/IPAD etc. em 2013. Como diferença destaca-se a relação com a política. Os jovens de 68 queriam participar da política, eram contrários às políticas conservadoras e porta vozes de políticas libertárias, aderiam a grupos com ideologias políticas; os manifestantes de 2013 querem outra política, diferente dos termos e formas como tem sido praticada. Querem outra política sem enquadramentos partidários e ideológicos, mais libertários. Em 68 propunham-se alianças com operários e camponeses. Em 2013 não se coloca a questão de alianças de classe; questões da ética, da moralidade pública são prioritárias. Em síntese: em 68 os jovens queriam mudar a sociedade via mudanças políticas. Hoje, querem mudanças na política via atuação diferenciada do Estado no atendimento à sociedade. Não negam o Estado, querem um Estado mais eficiente. A década de 1990 também é um referencial comparativo interessante para o caso brasileiro porque o protagonismo da sociedade civil despertou, na época, para a questão da ética e dos direitos, levando ao impeachment do ex-presidente Collor de Melo. Os estudantes 'cara-pintadas' tiveram lugar de destaque na cena dos protestos. A conjuntura política do país passou a mudar e levou a formas institucionalizadas das reivindicações e demandas, com a construção dos conselhos e outros, previstos na Constituição de 1988. Os movimentos populares urbanos se reorganizaram para os novos tempos, de atuação na esfera pública. As ONGs cresceram e passaram a ocupar lugar de destaque na interlocução com o governo, atuando em projetos sociais com apoio de fundos públicos. Novas leis surgiram para regulamentar à relação Estado-sociedade civil. O conflito social no campo acirrou-se e o MST passou a ocupar a cena como o líder das lutas sociais. A virada do século trouxe o protagonismo de atores da sociedade civil organizada em temas dos movimentos identitários, formados a partir da onda de novos movimentos sociais que sacudiu o país ao final dos anos de 1970-1980, atuando em formas institucionalizadas, normatizadas por leis sob controle de máquinas governamentais. Os movimentos alterglobalizantes do final dos anos de 1990 e 2000, presentes nas edições do Fórum Social Mundial, introduziram novas pautas e formas de agir e se organizam de forma transnacional, com temas globais que podem ser acionadas em qualquer lugar do mundo. Nesta forma, as demandas do cotidiano perderam espaço na agenda social global. Criou-se assim condições para a nova onda de protestos, tais como o Movimento dos Indignados nas Praças, Ruas e Avenidas, que desencadearam mobilizações sem precedentes nas manifestações de Junho 2013 no Brasil.

O que querem estes jovens brasileiros que foram para as ruas protestar? Por que estão insatisfeitos se a educação foi ampliada, se estamos em pleno emprego e os problemas econômicos são recentes?

Eles querem ser escutados, querem falar e denunciar o desrespeito aos diretos dos cidadãos, e ter canais próprios para expressar demandas que não são específicas da categoria jovem, mas de toda sociedade. Vocalizam, por exemplo, que querem educação de qualidade (que inclui mais verbas, salários dignos, infraestrutura física adequada, formação para professores e demais profissionais da rede pública, bibliotecas e salas de informática, metodologias adequadas, transporte gratuito para os estudantes etc.). Para o ensino superior não aceitam ações apenas informadas por índices e provas, políticas de cotas, programas como PROUNI, etc. Na área da saúde idem. Os jovens são otimistas com o futuro e desencantados com o presente, simultaneamente. Do passado, poucos têm trajetórias de militância e experiências associativas anteriores. Participam de coletivos, mas preservam valores individualizantes, que é diferente de ser individualista. A individualização é uma revolução de valores silenciosa que se observa em muitos países europeus na atualidade. Busca-se autonomia aliada à aspirações de ordem qualitativa; o desenvolvimento econômico é uma condição necessária, mas não suficiente. Há outros fatores para dar sentido à autonomia como respeito à cultura religiosa, senso cívico, interesse por causas públicas, participação associativa, confiança no outro e nas instituições, liberdade de escolha etc. Há falta de perspectivas aos jovens sobre o futuro deles na sociedade atual. As políticas públicas de inclusão social propiciaram a ampliação do acesso ao ensino superior, mas o mercado de trabalho continua elitista. A maioria dos empregos é no setor de serviços. Os raros projetos sociais oficiais para a juventude circunscrevem-se a eventos culturais, oficinas (música, informática, hip hop). Além de insuficientes, de oferta irregular, estes projetos são voltados para o jovem das periferias, esquecendo-se dos jovens das camadas médias, não atingem o universo dos sonhos e desejos de perspectivas dos jovens em geral.

Por que a rejeição e hostilidade aos partidos políticos?

Estes movimentos representam todos aqueles que têm, na atualidade, uma profunda falta de confiança em toda forma de política e categoria de políticos. Por isso sua mensagem foi respondida por milhares que uniram-se a eles, indo às ruas. Eles querem outro país onde a ética e política andem juntas. Querem uma revolução na forma de operar a política e não uma reforma ou remendo do que existe. Não confiam na política atual e nem nos políticos. Negam a política atual e isso também é uma forma de propor outra coisa. A exemplo do MPL, que se declara apartidário, mas não antipartidário, eles querem renovar a política e o tipo de partidos e políticos atuais. Por isto o tema de uma reforma política inicialmente não lhes atraiu - a reforma seria feita pelos políticos que estão aí, que eles estão contestando. Não se sentem representados no quadro político institucional existente, eles não têm canais de expressão. Com isso detecta-se também uma crise de representação social destes grupos e uma crise de legitimidade das instituições públicas. A linguagem política dos manifestantes é outra. Seus códigos não se enquadram em planilhas, organogramas, planejamentos, siglas de planos e projetos.

Em que se inspiram estes movimentos? Que ideologias os inspiram?

Inspiram-se em variadas fontes, segundo o grupo de pertencimento de cada um. Como rejeitam lideranças verticalizadas, centralizadoras, não há hegemonia de apenas uma ideologia, utopia ou esperança que os motivam. Alguns retiram da esquerda ensinamentos sobre a luta contra o capital e as formas de controle e dominação do capitalismo contemporâneo, na busca da emancipação. Do anarquismo e socialismo libertário, grupos ressuscitam e renovam leituras sobre a solidariedade, a liberdade dos indivíduos, a autogestão, e a esquecida fraternidade-retomada nas ações de enfrentamento à repressão policial. Há também um novo humanismo na ação de alguns, expresso em visões holísticas e comunitaristas, que critica a sociedade de consumo, o egoísmo, a violência cotidiana - real ou monitorada pelo medo nas manchetes diárias sobre assaltos, roubos, mortes etc., a destruição que o consumo de drogas está causando na juventude e outros. Busca-se reumanizar os indivíduos, a paz, o combate à violência. Muitos não têm formação alguma, estão aprendendo na luta do dia-a-dia, formatando seus valores conforme o calor da hora.

Que reivindicações sintetizam as palavras de ordem das atuais manifestações? Quais são os grandes temas que mobilizam estes jovens?

No início, sabemos, o foco esteve nos transportes públicos, que no Brasil é transporte coletivo porque o caráter público se esvai com as concessões às empresas privadas, na sua operacionalidade. Depois o leque de demandas ampliou-se para outros serviços públicos (saúde e educação).Com a adesão de multidões às manifestações, as demandas ampliaram-se mais ainda e o alvo passou a ser 'contra tudo', seguida da denuncia sobre a violência da polícia. Os slogans dos cartazes, a maioria deles escritos à mão, rudimentares, são emblemáticos para ilustrar esta questão. "Nossos sonhos valem mais que 0,20"; "Democracia Já", "Desculpem o transtorno, mas estamos construindo outro Brasil", ou "Desculpem o transtorno, estamos mudando o país", " A Juventude acordou"," O povo não deve temer o governo, o governo deve temer o povo"," O Gigante acordou"," Ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil" etc. Frases que proferiam também expressam suas ideias: "O povo unido não precisa de partido", "Parem de falar que é pela passagem. É por um Brasil melhor". No caso de São Paulo, um ativista do MPL deixou claro "Nós queremos um novo plano diretor e maior mobilidade na cidade". Portanto, aqueles que afirmam não ter o movimento metas, propostas, projetos, estão sendo cegos e surdos porque suas demandas são à base de outro modelo de desenvolvimento, baseado na escolha de outras prioridades nas políticas públicas, e em outros parâmetros éticos para os políticos que ocupam cargos públicos.

O que é "igualitarismo democrático" no nosso caso específico? Se aplica aos movimentos dos nossos jovens?

Uma das questões profundas que está em causa nas manifestações de Junho no Brasil, e em manifestações em outras partes do mundo, é a discussão da democracia. A democracia representativa está em crise, à democracia direta é um ideal, viável apenas em pequenos grupos ou comunidades; a democracia deliberativa poderia unir as duas anteriores, mas ainda é um modelo frágil, que padece de arranjos clientelistas nos poucos casos onde ocorre. Em suma, a democracia está em crise, mas há certo consenso de que ela é necessária. Resta, portanto, buscar nos atuais movimentos os indícios de novas formas de organização política, nos marcos da democracia. Seriam eles movimentos sociais em transição para movimentos políticos, que construiriam novas formas de representação? Talvez sim, desde que se entenda a política de forma diferente da atualidade. A política como arte da negociação para a construção do bem comum. Aqueles que decretaram a morte das utopias precisam rever suas ideias. A nova geração de jovens que se organizou e foi às ruas em Junho de 2013 não se identifica com as formas organizativas existentes, e estão atentas ao modelo de sociedade que vivem. Muito consumo, mas qualidade de vida sofrível.

O governo federal está tentando responder às reivindicações com uma reforma política através de plebiscito. Esse é o caminho? Isso será suficiente para satisfazer os movimentos em curso?

Políticos e autoridades governamentais mostraram-se surpresos com as manifestações em Junho. Após o impacto inicial, o governo federal passou a criar uma nova agenda para dar resposta à onda de mobilizações sociais. Isso já demonstra uma vitória e uma conquista da jornada de lutas de Junho, muito além da redução dos centavos nas tarifas. Os efeitos das manifestações foram sendo produzidos paulatinamente e observados na adesão de milhares de pessoas às manifestações, na repercussão internacional das manifestações, em jornais, TVs, Revistas, atos de apoio aos protestos (em Londres, Lisboa, Madri, Barcelona, Copenhagen, Berlin, York, Sydney, Atenas, Istambul etc.),e na aceleração na aprovação ou rejeição de propostas no Congresso (a exemplo do arquivamento da PEC 37 e do projeto da 'cura gay'). As manifestações levaram também, em Julho, a retomada das ações de mobilizações nas ruas por parte das centrais sindicais e movimentos populares rurais e urbanos, que há muito circunscreviam suas ações a atos em Brasília e na participação em conferências e eventos co-organizados por secretarias governamentais. Não deixa de ter significado também a queda da popularidade do governo federal e da Presidenta da República como indicadores claros de que o movimento não foi apenas duas semanas de agitação nas ruas. Certamente que o plebiscito-instrumento democrático previsto na Constituição foi uma ideia apressada, não bem explicitada, que não resolve no curto prazo as demandas colocadas. Ele serviu para diluir o debate sobre a conjuntura das mobilizações, e rejeitado pelo Congresso. O governo esta tendo dificuldade de encontrar interlocutores após as manifestações de Junho. Ao retomar uma agenda de diálogo com os movimentos sociais, em Julho, os convidados para ir ao palácio presidencial foram os mesmos dos últimos dez anos: movimentos rurais, centrais sindicais, movimentos identidários (mulheres, afrodescendentes, indígenas, movimento LGBTTTS etc.), ambientalistas etc. As novas formas de movimentos, organizadas por ativistas em torno de tópicos específicos, como o MPL e outros coletivos destacados neste texto, não estavam anteriormente na agenda das políticas públicas.

No seu livro não há menção ao Movimento do Passe Livre, que deu início a esta onda de manifestações. Qual a importância deste grupo?

O MPL foi criado em 2005 em Porto Alegre, presente em manifestações importantes de estudantes em Florianópolis, Salvador etc. na questão das tarifas de ônibus . Promoveram ações em 2006 que denominavam de 'escrachos', momentos em que ridicularizaram atos oficiais e pautavam a demanda da Tarifa Zero. Segundo o site do MPL, ele se define como: "um movimento horizontal, autônomo, independente e apartidário, mas não antipartidário. A independência do MPL se faz não somente em relação a partidos, mas também a ONGs, instituições religiosas, financeiras etc. (www.saopaulo.mpl.org.br).
Meu livro, Sociologia dos Movimentos Sociais(Cortez 2013) foi lançado em Abril deste ano,e discute movimentos de jovens entre os anos 2011-2012, (os Indignados europeus, Wall Street, Primavera Árabe, no Brasil) e Maio de 68 na França. Ele retrata o cenário de novíssimos movimentos sociais, do gênero que esteve presente nas manifestações de Junho no Brasil. Não listei nominalmente o MPL mas ele foi incluído no rol das novas reivindicações dos atuais movimentos sociais brasileiros, ao citar a sua principal demanda - "passe livre nos transportes públicos"( pág. 68). O MPL foi abordado em outro livro meu como parte do movimento estudantil (Movimentos Sociais e Redes de Mobilizações Civis, Vozes, 2010). A extensão do bilhete único existente em várias cidades brasileiras foi uma conquista que deve ser atribuída à luta do MPL. Dado o papel que o MPL desempenhou nas manifestações de Junho, certamente ele passará a ter um lugar central em novas manifestações futuras e receberá atenção de analistas e gestores. É bom recordar também que a luta pelos transportes públicos é histórica. Relembro a "Revolta do Vintém" em 1880 no Rio de Janeiro, e a luta por transporte (ônibus) ao final dos anos de 1970, em movimentos sociais populares em bairros da periferia em várias cidades brasileiras apoiados pelas CEBS - Comunidades Eclesiais de Base. A mobilidade urbana é uma questão central para o cidadão, para o exercício da cidadania e une todas as camadas sociais, que sofrem o pesadelo dos deslocamentos diários no trânsito, de ônibus, carro, trem ou metrô lotados.

Uma das evidências dos que acompanham as manifestações é de que o movimento reivindicatório sem violência está espremido entre grupos que agem com violência e a repressão policial. Como a senhora analisa este embate?

As manifestações iniciadas em São Paulo foram caracterizadas inicialmente, na mídia e por muitos políticos, como atos de "vândalos". Uma manifestante revoltada com este tratamento saiu no dia 13 de Junho com um cartaz "Não sou vândalo mídia". Neste dia, a 4ª manifestação do movimento em São Paulo, a policia tratou a todos como inimigos, houve centenas de feridos, muitas prisões e muita indignação. Este dia marcou a virada do olhar da sociedade, que passou a apoiar o movimento e ir às ruas para se manifestar também. A partir de então se pode observar melhor o que foi denominado como as 'tribos' que compunham o núcleo permanente dos manifestantes. Em São Paulo, participaram das manifestações, junto com o MPL, integrantes de partidos de esquerda PSOL, PSTU, PCO e alguns militantes do PT. Todas as bandeiras partidárias foram rejeitadas nas manifestações, gerando inclusive tumultos entre os que insistiram em desfraldá-las. Grupos anarquistas (Black Block, Anonymous, Kaos) estiveram presentes, com máscaras ou não. Teve-se também a presença de alguns punks. Os novíssimos movimentos sociais dos indignados das praças, ruas e avenidas, em várias partes do mundo, contam com a presença de grupos anarquistas e alguns reagem com violência à violência policial, em dadas circunstâncias. Eles são parte das novas formas de movimentos. Representam a 'resistência' - expressão usada nos países da Primavera Árabe para indicar os que não desistem, os que enfrentam e afrontam o poder constituído. Muitos são presos, feridos ou mortos, pois são alvos prediletos das ações de repressão da polícia. Quando ocorrem ações violentas, os confrontos são desiguais porque a maioria dos manifestantes portam apenas equipamento de autoproteção -máscaras, água, vinagre, bolinhas de gude para atrapalhar a cavalaria etc. O fato dos movimentos serem constituídos por coletivos diversificados e diferenciados causa problemas internos quando um dos grupos aciona ações próprias, ou quer se destacar - mostrando suas bandeiras partidárias, por exemplo, ou usando a violência depredando bens públicos e privados. Acrescentem-se às dificuldades nas ações dos coletivos fatos como os ocorridos em algumas das manifestações, quando grupos de populares aproveitaram a confusão e saquearam lojas e edifícios públicos. Como estas diferenças poderão ser resolvidas, em um sistema de autogestão, sem líderes chaves (motivo de dificuldade também no diálogo ou negociação com os poderes constituídos), é uma incógnita. Um enigma a decifrar, pois é impossível manter mobilizações de massa por muito tempo. Vários analistas têm alertado para a fragilidade organizatória do movimento, a não definição de rumos, e o perigo de ser apropriado por forças conservadoras da direita, como já ocorreu em outros momentos históricos de tensão social. Entretanto, não se pode esquecer a capacidade de aprendizagem dos ativistas, seu poder de reflexão e elaboração de sínteses a partir da prática. Muitos deles estão na fase de batismo na política, mas aprendendo muito. Outros, sabem o que não querem, e buscam definir o que querem nos parâmetros dos valores que acreditam. Por tudo isto é cedo para grandes balanços sobre as 'mobilizações de Junho'. O processo está em curso, um novo ciclo apenas iniciou-se, ele deve continuar, indo e vindo, como as ondas do mar.

Fonte: O Estado de S. Paulo