terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

O Brasil tem um novo governo. Fala-se muito que o País, na esteira da onda conservadora no mundo, virou à direita. Será esse o sinal enviado pelo eleitorado, que em sua maioria votou por repúdio ao PT, à falta de segurança pública e à podridão política, sem, entretanto, algum conteúdo ideológico definido? Se o novo governo deslizar para a direita, será menos porque o eleitorado assim decidiu e mais porque os vencedores assim pensam.

Pensam? Depende: na economia o governo é liberal, nos costumes, reacionário e, quanto à visão do mundo, basicamente anacrônico, a julgar pelo que disseram alguns de seus membros. Dos militares pouco ou nada se ouviu a respeito. Subscreverão as teses do futuro chanceler? Ou a norma de que sem objetivos e sem preparação não há guerra a ser ganha?

Para concluir, diante do quadro internacional, quais devem ser os objetivos básicos de um país como o Brasil, grande, populoso, diverso e excêntrico, isto é, distante dos polos do conflito? Acelerar o crescimento da economia, em bases socioambientais sustentáveis, para dar melhores condições de vida ao povo, preservar o acervo de boas relações que o País construiu ao longo do tempo, afirmar (e praticar internamente) valores que nos são caros, a começar pela democracia. Para isso, por que tomar partido diante de um eventual choque de interesses entre a China e os Estados Unidos ou de quem quer que seja? Por que tomar partido nas disputas que dividem os Estados Unidos e a Europa? Melhor será, penso, cuidar de manter nossa influência na América do Sul, região a que pertencemos, e, sem entrar em briga graúda, participar mais amplamente dos fluxos globais de comércio, informação, criatividade e desenvolvimento, para obter a melhor inserção possível no mundo.

É, no mínimo, anacrônico pensar que a disputa por poder e influência no sistema internacional se dê entre gladiadores comunistas e capitalistas, cruzados da fé cristã contra cosmopolitas sem fé e sem pátria. A luta real é por mais ciência e tecnologia, para melhorar a qualidade dos empregos e da vida em sociedades que não devem nem podem mais se encerrar em si mesmas nem se agarrar dogmaticamente a identidades étnicas, religiosas, etc., fechadas e excludentes. A ideologia que se insinua é tão distante dos interesses permanentes de um país como o Brasil quanto o foi a que ela pretende substituir.

Por isso espero que o novo governo encontre rumos melhores do que os que, com estridência, apontam alguns de seus membros. À oposição cabe criticar impulsos ideológicos, alertar para os riscos de alinhamentos automáticos e contribuir para que os interesses reais do Brasil e de sua gente prevaleçam na definição e implementação das políticas, externa e interna.

*Sociólogo, foi presidente da República. ‘Novo ano, novos desafios’, O Estado de S. Paulo, 6/1/2019

Míriam Leitão: O risco da volta do ‘nunca antes’

- O Globo

Caixa, Banco do Brasil e BNDES já vinham passando por grandes mudanças de governança no governo Temer, Bolsonaro seguirá mesmo caminho

O novo governo chega com boas ideias na economia, mas certas mudanças que ele anuncia como sendo novidade absoluta já estavam em curso. Nos bancos federais, por exemplo, os presidentes tiveram liberdade de escolher seus diretores nos últimos três anos. Tudo o que não deveria acontecer é repetir-se no governo Jair Bolsonaro a mesma ideia que estava no discurso de “nunca antes” do ex-presidente Lula. Quando o ministro Paulo Guedes diz que a Caixa foi vítima de assaltos está certo, mas precisa dizer em que tempo. Nos últimos três anos, a Caixa melhorou controles, governança e cobriu um rombo de R$ 20 bilhões.

A cerimônia de posse dos presidentes de bancos públicos foi um bom momento para demonstrar harmonia entre o presidente e seu ministro da Fazenda. Era necessária por causa dos ruídos da última sexta-feira. Bolsonaro voltou a falar do seu “namoro” com Paulo Guedes. Teria sido mais bem-sucedido esse esforço para espantar os temores da última sexta se houvesse algum esclarecimento sobre a Previdência, assunto sobre o qual o presidente Bolsonaro falou em fazer uma reforma mais fraca do que a que tramita no Congresso. Teria sido melhor se fosse dado o recado inteiro. Bolsonaro preferiu falar que vai mudar a distribuição de verbas publicitárias — o que tem todo o direito — ou afirmar que o governo não pode errar, porque do contrário “vocês sabem quem volta”. Na campanha, funcionou apresentar-se como o antiPT. Isso explica o que não fazer. Mas agora, no governo, é preciso dizer o que se pretende fazer.

Merval Pereira: O papel da imprensa

- O Globo

No sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende muito da informação

É interessante notar que a importância da imprensa para a democracia vem sendo destacada nos primeiros dias do novo governo Bolsonaro por ministros e autoridades militares, que demonstram publicamente compreender melhor o papel dos meios de comunicação do que o candidato vencedor durante sua campanha vitoriosa.

O próprio agora presidente Bolsonaro vem reajustando seu discurso, e ontem admitiu que a imprensa livre é fundamental para a democracia. Mas continua misturando verba publicitária com isenção jornalística. Em seu discurso de posse, o novo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi objetivo: “A presença da mídia nos importa e nos conforta. Mais do que reproduzir notícia, ela nos avisa, nos cobra quando é necessário e sempre ajuda a dar transparência a nossas atividades.”

O ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo, também defendeu o papel da imprensa no combate à corrupção: “A maneira mais eficaz de se combater a corrupção, além das medidas de gestão, além do uso da tecnologia no controle dos gastos públicos, é a divulgação, é a publicidade. Tem que divulgar tudo o máximo que puder. Tem que estar aberto para a imprensa, tem que fornecer todos os dados possíveis.”

O ministro disse ainda que o governo está exposto a todo tipo de avaliação e informações que deveriam ser divulgadas. “Nós vamos estar completamente expostos. Eu não tenho medo dessa exposição, todo mundo aqui vai estar exposto a todas as avaliações e informações que devem ser divulgadas”, concluiu.

José Casado: Fracasso na estreia

- O Globo

Na noite de quarta-feira, dia 2, o presidente, o ministro da Justiça, o governador cearense e seu secretário de Segurança foram dormir avisados sobre episódios de violência nos subúrbios de Fortaleza, onde vivem quatro milhões de pessoas. Acordaram coma confirmação de ataques em série, com o caos disseminado.

Jair Bolsonaro (PSL), 63 anos, e o governador Camilo Santana (PT), 50 anos, estavam diante da primeira crise de governo. Hesitaram.

Adversários, permaneciam reféns de palanque. Bolsonaro ainda rumina a acachapante derrota no Nordeste, imposta pela coalizão do PT com PDT, PC doB, PSB e a fração alagoa nado MD B de Renan Calheiros, ex-presidente do Senado. Só conseguiu um de cada três votos válidos dos eleitores nordestinos.

Reeleito com quase 80% da votação no Ceará, Santana e os governadores do Nordeste se recusam a conversar com Bolsonaro, que costuma evocar a lembrança de Lula preso por corrupção: “O presidente deles está em Curitiba.” Eles boicotaram a posse presidencial.

Presidente e governador achavam-se politicamente protegidos pela distância de 2,2 mil quilômetros. A realidade bateu à porta dos palácios, com aviso sobre o risco de naufrágio no caos da insegurança pública.

Bernardo Mello Franco: A cabecinha do governador

- O Globo

Na semana de estreia, Wilson Witzel caprichou nas poses militares e na retórica de guerra. Ele mal começou a governar, mas já faz planos de concorrer ao Planalto

Wilson Witzel começou o governo em ritmo de campanha. Na primeira semana, ele caprichou nas poses militares e na retórica de guerra. Em ao menos seis ocasiões, repetiu a promessa de liberar o abate de traficantes. “A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo!”, resumiu, em entrevista recente.

No domingo, o governador foi ao enterro de um PM baleado na Linha Amarela. O funeral virou palanque para novas declarações de impacto. O ex-juiz anunciou que vai “aniquilar e asfixiar” o crime. Outros políticos já disseram o mesmo, mas nenhum deles conseguiu derrotar as quadrilhas com o gogó.

Ontem Witzel tocou seu realejo na posse do novo chefe da Defensoria Pública. O governador disse que os criminosos serão tratados como terroristas e “abatidos” pela PM. Depois da solenidade, o defensor precisou lembrar que a Constituição proíbe a pena de morte. Os agentes da lei só têm licença para matar em casos de legítima defesa ou para garantir a vida de terceiros. Fora dessas hipóteses, podem responder por homicídio.

*Rubens Barbosa: O mundo e o Brasil em 2019

- O Estado de S. Paulo

Este ano será de transição entre a era pós-guerra fria e uma nova, a ser definida

Os recentes acontecimentos, conflitos, alianças e eleições ao redor do mundo apontam para uma conclusão dramática: 2019 poderá ser considerado, dentro de uma perspectiva histórica, o fim de uma era. O corrente ano pode ser descrito como um período de transição entre a era pós-guerra fria e uma nova, apenas no aguardo de uma definição. Será um ano em que veremos um grande número de eventos nos levando a situações, em muitos casos, sem retorno. Será um ano de ansiedades e expectativas, suspeitas e medo do que o futuro pode trazer, na medida em que os países procurarão adiar o começo de crises que não poderão evitar.

Na economia global, no cenário político internacional e na geopolítica podem ser identificados movimentos que deverão caracterizar a nova etapa que apenas se inicia.

A economia global dá claros sinais de esgotamento. O crescimento das economias desenvolvidas e emergentes reduz-se pelos efeitos da guerra comercial de Donald Trump, dos problemas fiscais nos EUA e países europeu e de tensões geopolíticas. A ameaça de nova recessão aparece sombria no horizonte e sua superação será dificultada pela política interna populista e nacionalista partidária dos principais países desenvolvidos, que procurará se aproveitar da situação. Os EUA, ainda por algum tempo a potência dominante no mundo, veem reduzida a distância em relação a seus rivais, enquanto surgem múltiplos polos de poder político e econômico.

No cenário político internacional, o populismo de direita na Europa e nas Américas, as diferentes formas de nacionalismos e xenofobismos criam problemas novos, enquanto os dramas internos, em muitos países, acentuam os deslocamentos populacionais e novas ondas de refugiados surgem em várias partes do mundo, como na América do Sul. A crise do multilateralismo se acentua. Nas Nações Unidas, o Conselho de Segurança, seu órgão máximo, está cada vez mais marginalizado e com representatividade cadente. A crítica das organizações multilaterais, ganha adeptos, inclusive no Brasil. Até mesmo o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) defende o bilateralismo.

Eliane Cantanhêde: Soberania e autoestima

- O Estado de S. Paulo

Será que Bolsonaro confundiu o centro de Alcântara (MA) com base militar? Tomara!

Os primeiros quatro dias foram suficientes para apontar a principal fonte de problemas na “nova era”: Jair Messias Bolsonaro, que não só surpreendeu como chocou militares, diplomatas e políticos ao lançar a ideia de uma base militar americana em território brasileiro no futuro. Um prato feito para a oposição.

Bolsonaro podia falar o que quisesse na campanha, mas precisa aprender que não pode mais como presidente. Qualquer palavra e vírgula fora do lugar podem dar confusão. Aliás, já deram, quando ele jogou ao vento não só uma, mas três ideias que ou estão só na sua cachola ou não foram adequadamente discutidas com quem de direito nem estão prontas para virar decisão de governo. Acabou desautorizado em público por auxiliares e criticado intramuros até pelos sempre disciplinados militares.

Dentre as três ideias, a mais explosiva foi a de oferecer de mão beijada para o governo Donald Trump a instalação de uma base militar dos EUA em solo brasileiro. Como assim?

Essa questão, delicadíssima, envolve soberania, defesa, segurança e amor próprio nacional, além de relações internacionais, particularmente regionais. Até por isso, militares ficaram de cabelo em pé, diplomatas demoraram a acreditar no que ouviam e não falta quem lembre que é expor o Brasil e, por extensão, toda a América do Sul, como alvo de confrontos entre os EUA e China ou Rússia, por exemplo.

Na hipótese (remotíssima, claro) de uma guerra entre eles, chineses e russos estariam tentados a jogar uma bomba na base? Ou seja, no Brasil e na América do Sul? Em tese, poderia ser.

Ana Carla Abrão*: Ausência

- O Estado de S.Paulo

Enquanto sobra Estado para apadrinhar, falta Estado para definir as reais prioridades

Esta semana visitei o Jardim Colombo, uma comunidade na zona oeste da cidade de São Paulo, parte do complexo de Paraisópolis. Estima-se que ali vivam 5 mil famílias, habitando barracos que se sobrepõem numa arquitetura guiada pela necessidade. Num labirinto que avança morro acima, a favela divide muros com o tradicional Colégio Santo Américo e com o Cemitério Gethsêmani, expondo os contrastes de um Brasil tão desigual.

Não há como ignorar os sinais de vitalidade numa comunidade que se organiza como pode e se estabelece econômica e socialmente onde dá. O comércio ativo, uma liderança comunitária presente e a busca contínua de soluções e melhorias pelos próprios moradores – amparados pela sociedade civil, como o ArqFuturo, e por empresas privadas – são provas da resiliência daqueles que enfrentam problemas reais. A creche fechada, o córrego tomado pelo esgoto que invade os barracões em dias de chuva, a coleta de lixo precária e as condições insalubres de habitação são a realidade de quem vive ali.

A visita surgiu no contexto de uma discussão com especialistas na área de cidades. O que haverá de ser da nossa população como consequência do processo de disrupção tecnológica que vivemos? O que acontecerá com as nossas cidades quando carros autônomos, inteligência artificial e tantas outras inovações que surgem a cada dia tomarem conta dos centros urbanos e definirem uma nova forma de viver e de conviver? Nossas cidades estão prontas para abraçar o avanço? Seus gestores saberão enfrentar os desafios de uma nova realidade tecnológica e tirar proveito de soluções inovadoras para melhorar a vida das pessoas? Pois essa discussão ganha novas e duras cores quando nos damos conta que a maior parte da população dos nossos centros urbanos vive alijada desse mundo, prisioneira de uma realidade em que falta o básico, falta o urgente.

Luiz Carlos Azedo: A blindagem de Guedes

- Correio Braziliense

“Em meio ao zunzunzum de que Guedes havia ameaçado se demitir do cargo, Bolsonaro e seu ministro acertaram os ponteiros. Aparentemente, a equipe econômica foi finalmente blindada”

Uma das razões do sucesso do Plano Real foi a blindagem da equipe econômica comandada por Pedro Malan, mesmo levando-se em conta que o presidente Itamar Franco tinha suas idiossincrasias e, vez por outra, metia a colher nos assuntos econômicos. A maior delas, sem dúvida, foi a volta do fusquinha (Volkswagen), que havia saído de linha. À época, em contraposição à importação de carros liberada pelo seu antecessor, o presidente Collor de Mello, que renunciou ao mandato para evitar o impeachment, Itamar jogou uma boia para a indústria automobilística, que sofria a concorrência até dos carros russos, e lançou a proposta de criação do carro popular. O fusca foi relançado com pompa e circunstância, mas era um produto obsoleto e antieconômico, que sobreviveu apenas mais alguns anos.

A intervenção de Itamar Franco na economia, porém, esbarrou na blindagem da equipe econômica após Fernando Henrique Cardoso assumir o Ministério da Fazenda. Seus antecessores (Gustavo Krauser, Paulo Haddad e Eliseu Rezende) haviam fracassado nos esforços para acabar com a hiperinflação. FHC montou a mais brilhante e bem-sucedida equipe econômica desde a redemocratização, com um perfil predominantemente social-liberal, sob o comando de Malan, seu futuro ministro da Economia. Acabou eleito presidente da República no primeiro turno.

No primeiro mandato de FHC, com Gustavo Franco à frente do Banco Central, depois de um período de ajuste fiscal e monetário, marcado pela paridade do real com o dólar, a estabilização da economia finalmente encontrou seu eixo no famoso “tripé” da política monetária, que é adotado até hoje: “equilíbrio fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante”. Essa política monetária também garantiu o sucesso do primeiro mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No segundo mandato de Lula, porém, houve a crise do mercado financeiro norte-americano e uma forte retração da economia mundial, o que levou à guinada expansionista e intervencionista na economia, principalmente no governo Dilma, que resultou na maior recessão de nossa história e gerou uma massa de desempregados de 14 milhões de pessoas.

“Politizar a economia”, para usar uma expressão do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), não é uma ideia boa para quem está no governo; entretanto, é uma estratégia muito utilizada pela oposição. Ideologizar a economia também pode dar ruim, como se diz. Todas as crises de governo que resultaram em rupturas políticas (impeachments de Collor e Dilma, por exemplo) ou mesmo institucional (Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964) ocorreram durante crises econômicas profundas.

Pablo Ortellado: Para Bolsonaro, unir o país é derrotar a dissidência

- Folha de S. Paulo

Capitão reformado tem repetido que será o 'presidente de todos' e que 'pacificará o país'

Bolsonaro tem falado bastante sobre o fim das divisões. Ele atribui a gênese da dinâmica divisiva que tomou a sociedade brasileira à ação dos adversários e se coloca como aquele que poderia enfim unificar o país.

Mas ao contrário do que pode parecer, a união que propõe não é a da reconciliação, mas a do seu triunfo sobre a ruína dos derrotados. Nada esclarece melhor essa postura do que seu elogio à figura de Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro.

Caxias ganhou o epíteto de “o pacificador” por reprimir e derrotar uma série de revoltas durante o período do Segundo Reinado, como a Balaiada, no Maranhão e a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul —o nome do seu título, aliás, foi escolha própria, homenageando a violenta retomada da cidade de Caxias, último bastião dos rebeldes maranhenses.

Por isso, não é surpresa que, em sucessivas declarações dizendo que será “o presidente de todos” e que vai “pacificar o Brasil”, ele não esteja com isso adotando uma postura republicana visando cicatrizar as feridas da campanha eleitoral e se colocar como presidente tanto dos que votaram como dos que não votaram nele.

As divisões, para Bolsonaro, são uma fabricação artificial dos petistas e outros esquerdistas que desuniram o Brasil fomentando a luta de classe e criando políticas de cotas raciais e de gênero.

O que ele não parece perceber, porém, é que a grande divisão do país hoje é entre os ativistas conservadores que conduziram a sua campanha e os ativistas de esquerda. É essa divisão explorando identidades políticas que contamina a esfera pública e inviabiliza o debate e o compromisso.

Joel Pinheiro da Fonseca: Ideologia pura

- Folha de S. Paulo

O foco na ideologia é um jeito de manter e expandir o próprio poder

Quanto mais o discurso do governo Bolsonaro combate a “ideologia”, mais fica evidente seu caráter ideológico.

Primeiro, uma ponderação: não existe posicionamento ou ato político que não seja, em alguma medida, ideológico.

Em tudo que fazemos há pressupostos que não são fruto do uso livre e imparcial da razão: há valores, há uma concepção de como o mundo deveria ser, há apego a certas explicações da realidade, há a preferência por certos grupos de pessoas.

Nenhum homem jamais será uma máquina de razão pura; e ainda bem, pois se fosse não sairia do lugar.

Mas há diversos graus de ideologia.

Uma coisa é se guiar por algumas crenças, mas ser capaz de corrigi-las se a evidência contrária se acumular; comunicar suas ideias e propostas com serenidade e objetividade, facilitando a discussão racional; ouvir e aprender com o contraditório; ter consciência de que ninguém está totalmente certo sobre tudo; reconhecer o conhecimento e a capacidade técnica que existem em pessoas com pensamento contrário.

Outra, bem diferente, é apostar no discurso sempre enfático e maniqueísta, estimular as paixões das massas, nomear apenas correligionários independentemente de seu mérito técnico ou profissional e expulsar todos os que não fazem parte da panelinha. Isso é ser ideológico.

O foco na ideologia é um jeito de manter e expandir o próprio poder enquanto se reproduz as mesmas exatas práticas de quem se acusa.

Na leitura ideológica de direita, apenas o PT aparelhava o Estado.

Quando o governo Bolsonaro faz a mesma coisa, está limpando o Estado.

Marcos Augusto Gonçalves: Aberração diplomática

- Folha de S. Paulo

Brasileiros sempre tiveram boas relações com Israel

Subitamente bandeiras de Israel começaram a tremular em manifestações de apoio a Jair Bolsonaro. Em Brasília, na cerimônia de posse, elas também estavam lá.

Os brasileiros sempre tivemos boas relações com Israel, que nasceu em 1947, quando Oswaldo Aranha presidia a Assembleia-Geral das Nações Unidas. O Brasil desde 1951 mantém representação diplomática em Tel Aviv. Apesar de eventuais divergências, o intercâmbio tem sido constante desde então.

Durante o período do general Ernesto Geisel, registrou-se um contratempo. De olho no petróleo árabe, o ditador de turno decidiu apoiar, em 1975, a controvertida resolução da ONU que equiparava o sionismo ao racismo, já revogada.

Geisel, é bom lembrar, praticou uma política externa que hoje seria considerada mais próxima do PT do que de Bolsonaro —a quem, aliás, chamou de “mau militar” em entrevista concedida em 1993. Com seu “pragmatismo responsável”, prezava certa “altivez” em relação ao alinhamento com os EUA e via como vantajosa a aproximação com nações do Terceiro Mundo.

Também em 1975, o general fez com que o Brasil fosse o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, liderada por um movimento apoiado por Cuba e União Soviética.

Ranier Bragon: Gaiola das loucas

- Folha de S. Paulo

É chocante o amontoado de bobagens postadas para alimentar os fanáticos

Quatro dias depois de desfilar de Rolls-Royce por Brasília, Jair Bolsonaro achou por bem tirar uma folguinha. Ao que consta, passou o sábado e o domingo na aprazível Granja do Torto chupando mangas e plantando abobrinhas na internet.

Chega a ser chocante acompanhar suas manifestações nas redes sociais. Por mais que se queira manter em polvorosa a turba que acredita na existência de globalismo, ideologia de gênero, Olavo de Carvalho, essas coisas, não dá para acreditar que um presidente da República ocupe seu tempo dessa forma.

As mangas, até dá para entender. Mas como conviver com o vídeo que ele divulgou de um homem algemado que quebra o vidro da viatura e se joga para fora do carro? Para o presidente, prova cabal de que os “meliantes se autoagridem” para convencer juízes coitadistas a soltá-los.

Como entender o compartilhamento de sites que se autodeclaram sátiras de órgãos de imprensa e de jornalistas, mas que na verdade são um obscuro conjunto de perfis que disputam o campeonato de quem puxa mais o saco do novo governo?

*Claudio Lamachia: Apaziguar o Brasil e preservar a Constituição

- Folha de S. Paulo

Carta tem orientado o país em momentos difíceis

O cenário político brasileiro tem se transformado muito nos últimos anos. Por um lado, valores como a transparência e a probidade foram fortalecidos por meio de regras inovadoras, como são as leis da Ficha Limpa e de Acesso à Informação e a proibição de doações ocultas e empresariais para partidos e candidatos. Por outro lado, o aumento da tensão entre as forças políticas antagônicas culminou em crimes violentos, episódios de intolerância e de desrespeito a valores da democracia.

É preciso comemorar o fato de a Constituição já ter completado 30 anos. Vivemos o mais longevo período democrático da história nacional.

Reconhecida internacionalmente como referência em proteção dos direitos e garantias individuais, a Carta de 1988 orientou diferentes governos na superação de crises. Neste momento, não é diferente.

A continuidade do progresso brasileiro e a superação da distância que nos separa das nações mais desenvolvidas dependem, essencialmente, do respeito ao texto constitucional.

Podemos dizer que o país alcançou, enfim, a maturidade institucional. Agora, o desafio maior é defender a preservação do Estado de Direito, conquistado por meio do trabalho dedicado de tantos brasileiros e brasileiras. A busca por esse objetivo demanda, de todos os atores envolvidos no debate nacional, serenidade e equilíbrio.

É indiscutível que o Brasil precisa modernizar diversas legislações que, hoje, prejudicam o dia a dia dos trabalhadores, das empresas e até mesmo do poder público, muitas vezes engessado por excessiva burocracia e cultura de litigância judicial.

Pedro Cafardo: A culpa é da janela ou da paisagem?

- Valor Econômico

Balbúrdia provoca desgaste precoce do novo governo

Na campanha eleitoral já se viam sinais dessa balbúrdia comunicativa exposta pelo novo governo em seus primeiros dias.

Durante semanas, por exemplo, o Valor tentou convidar Bolsonaro para participar de debates e entrevistas, mas não havia ninguém disponível no outro lado da linha. Quem era o assessor de comunicação do candidato? Ninguém sabia. A única linha de acesso era o próprio filho do candidato.

Reinou durante a campanha a ideia de que não era preciso gastar com comunicação. Falava-se diretamente com o eleitor pelo Twitter.

Funcionou, não se pode negar. Ele foi eleito presidente. As contradições existentes entre as mensagens eram desfeitas pelo próprio candidato em tempo real, em outro tweet, ou em uma entrevista "quebra-queixo". Depois de levar a facada em Juiz de Fora, hospitalizado, Bolsonaro recorreu ainda mais às redes sociais para mandar seus recados eleitorais.

Os primeiros dias do governo Bolsonaro começam a mostrar que talvez seja um equívoco o uso do mesmo sistema de comunicação da campanha, sem comando, sem organização nenhuma.

É inacreditável que uma fala do presidente, anunciando ter assinado um decreto, seja desmentida por um funcionário do segundo escalão. Só para lembrar: Bolsonaro anunciou na sexta-feira ter assinado um decreto que aumentava o IOF para compensar os subsídios que continuarão sendo dados a empresas no Norte e no Nordeste e, horas depois, foi desmentido pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra. "Ele foi desmentido pelo frentista do Posto Ipiranga ", ironizou Marina Silva. Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, também desmentiu a informação. "Não haverá aumento de impostos", disse de forma categórica.

Cada um fala o que quer sobre o que bem entender e a qualquer hora. É assim que caminha a comunicação do início do governo. Há um Febeapá, o Festival de Besteiras que Assola o País, lembrou Marcos Augusto Gonçalves ao citar o livro de Stanislaw Ponte Preta, escrito durante o regime militar.

Andrea Jubé: As grávidas de JK, de ACM e de Bolsonaro

- Valor Econômico

Presidente atua em ritmo de campanha nas redes sociais

Atribui-se a metáfora pitoresca, provavelmente, à experiência matrimonial do presidente Jair Bolsonaro, que há cinco dias comparou o casamento aos direitos trabalhistas: "Algo está errado, é o excesso de proteção; é igual casamento, é um ciúme exacerbado de um lado e de outro." E vaticinou: "Esse casamento tem tudo para acabar."

Bolsonaro fala de cátedra: está no terceiro enlace conjugal, tendo agora ao seu lado a primeira-dama Michelle, mãe de Laura. Ele ainda recorreu a um termo usual nas tradicionais - e amargas - discussões sobre relacionamento ("DRs"), para sugerir a extinção da Justiça do Trabalho: "Havendo clima, nós poderíamos discutir essa proposta."

A polêmica sobre a precarização dos direitos trabalhistas, na esteira da reforma aprovada há um ano e meio, remonta a episódios ocorridos há 42 anos. Os protagonistas dessa história são dois gigantes da política nacional: Juscelino Kubitschek e Antonio Carlos Magalhães.

Era 1976, e o ex-governador da Bahia havia sido nomeado pelo presidente Ernesto Geisel para a presidência da Eletrobras. ACM - personagem que se manteve influente na política nacional durante quatro décadas - também era o único amigo que restava a Juscelino no governo militar. O ex-presidente era "persona non grata" entre os generais: em 1964, teve os direitos políticos cassados pelo regime e amargou um exílio forçado no exterior.

Naquele ano, havia poucos dias, Juscelino enviara uma carta ao amigo dos tempos da Presidência pedindo-lhe um emprego na estatal para Maria de Lourdes Ribeiro, filha de seu motorista particular, Geraldo Ribeiro, que o servia havia 30 anos.

Ciente da contrariedade que causaria aos militares, ACM ainda buscava uma solução para o impasse, quando se deu o imponderável: em 22 de agosto de 1976, JK morreu tragicamente, vítima de um acidente de carro na rodovia Presidente Dutra. Viajava no banco de trás de seu Opala - que chamava de "Platão" - conduzido por Ribeiro, que também não resistiu aos ferimentos.

Familiares relembram que ACM foi advertido pelos generais a não comparecer ao velório de JK, mas ignorou a ordem para se despedir do amigo. Depois mandou chamar a filha de Ribeiro para contratá-la, em tempos que os concursos públicos ainda não eram regra na administração pública.

Porém, ela estava grávida, e as regras da Eletrobras vedavam a contração de gestantes. Surpreso e indignado, ACM liquidou o impasse com uma canetada, atropelando as normas para fazer a vontade do amigo. Contratada, a filha do motorista de JK, que se tornaria advogada, trabalhou na empresa até se aposentar.

Quase meio século depois, no pacote das exonerações em prol da "despetização" da Casa Civil, despontam as demissões de servidoras grávidas, então lotadas nas subchefias de Ação Governamental (SAG) e de Articulação e Monitoramento (SAM), apesar da proteção constitucional.

*Luiz Gonzaga Belluzzo: Semana de desencontros

- Valor Econômico

Fusões e aquisições são o grande negócio da concorrência patrimonialista e anti-competitiva

Na primeira martelada para demolir o que resta da imaginária socialdemocracia brasileira, o presidente Bolsonaro acenou com a redução da alíquota de 27,5% que incide sobre as faixas mais elevadas de rendimentos.

O açodamento do presidente foi dissolvido na entrevista do ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni. O governo Bolsonaro reproduziu as hesitações de Dadá Maravilha às portas do gol perdido: "Fiz que fui, mas não fui. Acabei não fondo".

No torneio "globalista" de alíquotas incidentes sobre as faixas de renda mais elevadas, o Brasil ocupa desonrosa posição, atrás de muitos países submergentes.

Conforme revela estudo recente da Receita Federal, isso se reflete na baixa carga de impostos sobre renda, lucro e ganhos de capital.

A pretensão do presidente Bolsonaro é inspirada na Curva de Laffer. Produzida nas retortas da "economia da oferta", outrora abrigadas nos laboratórios de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, a Curva de Laffer buscava demonstrar que a sobrecarga de impostos sufocava os mais ricos e desestimulava a poupança. Esse desestímulo comprometia a disposição dos enriquecidos ao investimento e, portanto, reduzia a oferta de empregos e os rendimentos dos mais pobres. O encolhimento dos investimentos, do emprego e da renda promoveriam inexoravelmente a queda da receita fiscal.

Frederick Hayek, um dos patronos de Paulo Guedes, investiu sistematicamente contra as políticas que pretendiam corrigir as desigualdades mediante um sistema tributário progressivo. As intervenções do Estado são nefastas, dizia Hayek, pois só o processo de mercado torna possível a inovação nos métodos de produção e de organização, a partir do continuado fluxo de informações que surge da interação entre os indivíduos livres. O importante nessa concepção é a ênfase na capacidade do mercado, livre de empecilhos, de mobilizar e fluidificar os recursos individuais.

Em The Road to Serfdom, Hayek exalta o empreendedor, o indivíduo independente "empenhado em definir e redefinir seu plano de vida, enquanto os trabalhadores cuidam, em grande medida, de se adaptar a uma situação dada. " Hayek considera a concorrência um método superior por ser o único método pelo qual nossas atividades podem gerar o novo e o inédito sem a intervenção coercitiva ou arbitrária da autoridade. A sociedade e a economia evoluem guiadas por um processo de seleção natural darwinista. Só sobrevivem os melhores e os mais aptos. O credo neoliberal pretende, como disse Michel Foucault, "introduzir a concorrência como princípio enformador da sociedade".

Entrevista: Cristovam Buarque

Participação do Estado na economia é um modelo esgotado

- Agência Senado

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) considera que a participação do Estado na economia, por meio de gastos públicos em infraestrutura e na indução da demanda, apesar de ter levado ao desenvolvimento de diversos países, é um modelo esgotado. Isso porque, disse o senador que também é professor de economia da UnB (Universidade de Brasília), a capacidade fiscal do governo chegou ao seu limite, num contexto em que a inflação não é mais tolerável.

Cristovam concedeu a entrevista à Agência Senado como parte da série de reportagens “A Cepal e o Brasil”, que aborda os 70 anos da Comissão Econômica para a América Latina, órgão criado pela ONU para auxiliar no desenvolvimento sócio-econômico da região. Em junho, o senador propôs a realização de uma sessão especial em homenagem à data, mas que acabou não se concretizando devido a choques de agenda com alguns dos convidados.

Na entrevista abaixo, o senador do PPS do Distrito Federal fala ainda sobre a sua amizade de décadas com Celso Furtado e a função da educação na superação do atraso.

• Agencia Senado – A Cepal é tradicionalmente ligada ao papel do Estado na indução do desenvolvimento econômico. Como você avalia a importância deste legado e a relevância deste enfoque hoje?

Cristovam Buarque – Este enfoque inicia-se na Alemanha com Friedrich List por volta de 1850. Ele foi o grande idealizador da intervenção do Estado para dinamizar a economia no sistema capitalista. Foi a partir daí que se consolidou esta linha de pensamento. E (John Maynard) Keynes, nos anos 1930 e 1940, levou este enfoque além, muito além. Considerando que o Estado era o indutor da infra-estrutura e, a partir da grande contribuição de Keynes, também o indutor na demanda.

O que ele chamava então de demanda agregada, seria construída graças a gastos públicos. E isto de fato deu grandes resultados do ponto de vista da recuperação dos países ricos depois da crise de 1929. E no desenvolvimento dos países que se chamavam de Terceiro Mundo, ou subdesenvolvidos. Funcionou bem, ninguém pode negar que estes países cresceram na economia. Mas penso que este modelo hoje está esgotado.

Eu creio que se esgotou primeiro porque o Estado esgotou a capacidade de financiamento. Antes o Estado, gastando recursos, gerava uma inflação entre 3% a 5%. O que ocorreu a partir dos anos 70 e 80, foi a inflação descontrolada, a hiperinflação. Houve um esgotamento fiscal. E além disso ocorreu o esgotamento gerencial. O Estado não tem mais capacidade de gerir dezenas de empresas estatais, como no caso do Brasil. Elas começam a ficar ineficientes e corruptas.

Por outro lado, também ficou claro que o keynesianismo gerava uma dinâmica econômica, mas não em benefício dos pobres. Terminava concentrando a renda, graças inclusive ao uso da inflação. Ela permite aos ricos protegerem-se da desvalorização da moeda, não possibilitando aos pobres mecanismos semelhantes.

• Vamos falar agora de um cepalino histórico, com quem o senhor teve uma amizade pessoal durante décadas: Celso Furtado. O senhor chegou a lançar em 2007 um livro póstumo em homenagem a Furtado [que faleceu em 2004] registando entrevistas suas com ele (Foto de uma conversa, ed. Paz e Terra). Qual a importância da obra de Furtado na sua trajetória como economista e homem público?

CB – Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Josué de Castro e Ignacy Sachs são os economistas e cientistas sociais que mais exerceram influência na minha formação. Furtado é extremamente relevante, porque quando você lê Formação Econômica do Brasil [livro clássico de autoria de Furtado, lançado em 1959], você começa a explicar, e não apenas a decorar a história do nosso país. Nos meados da década de 80, tornei-me reitor da UnB, e ele era ministro da Cultura. Foi quando desenvolvemos uma amizade pessoal, e eu passei a admirá-lo ainda mais.

Inclusive estive no apartamento dele no Rio de Janeiro dez dias antes da sua morte [por parada cardíaca, no dia 20 de novembro de 2004]. Me lembro bem que nesse dia discordei da visão dele sobre a inflação. Ele defendia a tese de que uma inflação, por exemplo, acima de 5% era uma condição necessária para o financiamento do desenvolvimento. Mas eu discordei dele, porque em nações como o Brasil, marcadas ainda por uma forte cultura inflacionária, este tipo de condução econômica pode sair do controle.

Tecnicamente, ele tinha razão, porque o governo emite, gera dinheiro para investir em estradas, escolas e criação de demanda através da geração de empregos. Mas, no Brasil e na América Latina, eu entendo que o controle inflacionário mais rígido tem que ser sempre uma prioridade. Aqui, a autoridade monetária pode até achar que vai conseguir controlar se adotar uma política mais leniente, mas no final acaba quebrando a cara.

Boas intenções, ideias escassas: Editorial | O Estado de S. Paulo

Belas intenções, com promessas de limpeza e transparência, marcaram os discursos de posse dos novos presidentes do Banco do Brasil (BB), da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Escoteiros dificilmente poderiam ser mais enfáticos ao falar da honestidade e de outros bons princípios. Mas escoteiros poderiam também discorrer sobre a função social de seus grupos e seus objetivos. Quase nada se falou sobre esses temas. Houve menções ao financiamento habitacional da Caixa e ao microcrédito. Houve referência a “grandes serviços” prestados pelo BNDES e a um possível ciclo de investimentos em uma nova economia. Para quem esperava propostas, foram falas quase tão frustrantes quanto a do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Pode-se fazer uma boa feijoada ou um bom baião de dois com a mistura de vários ingredientes, mas o ministro foi menos feliz em seu discurso. Segundo ele, o dirigismo econômico travou o crescimento brasileiro e corrompeu a política. Ele mencionou também o crédito estatizado, o mau uso de recursos públicos e a associação dos bancos estatais “com piratas privados, políticos corruptos e algumas criaturas do pântano”.

O palavrório pode até impressionar o ouvinte mais entusiasmado, mas o mais atento gostaria de entender o sentido da palavra “dirigismo”. O termo é inegavelmente obscuro. Dirigismo é o crédito agrícola do BB? É o financiamento do BNDES para máquinas e equipamentos? É o investimento da Embrapa em tecnologia agropecuária? É o apoio federal a projetos de saneamento básico? É a concessão de favores a amigos da corte? É a bandalheira nas licitações públicas? É o protecionismo das políticas de conteúdo nacional, recortadas para benefício de setores e grupos selecionados?

Fantasmas do ensino: Editorial | Folha de S. Paulo

Ministro escolhe auxiliares sem experiência de gestão e dá ênfase ao revanchismo ideológico

Como o chanceler Ernesto Araújo, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, dá grande peso ao embate ideológico em suas manifestações. Em boa parte, os discursos de ambos coincidem —o que, infelizmente, ainda diz muito pouco sobre os planos do governo para o ensino público.

Tome-se como exemplo o pronunciamento de Vélez ao assumir o cargo, em que se destacou o compromisso de combater, “com denodo”, o “marxismo cultural hoje presente em instituições de educação básica e superior”.

Tampouco faltaram menções ao que se considera uma “onda globalista”, da qual faria parte a “ideologia de gênero” e cujos objetivos incluiriam solapar “a família, a igreja, a escola, o Estado e a pátria”.

Não se pode admitir, pontificou o ministro, que agências internacionais inoculem no país “pautas nocivas aos nossos costumes”.

Trata-se, como se vê, de uma extrapolação paranoica do ideário do movimento batizado de Escola sem Partido. De preocupações legítimas de pais com pregações doutrinárias, especialmente esquerdistas, em sala de aula, descamba-se para teorias conspiratórias sem amparo em nenhum tipo de pesquisa rigorosa.

Se tomar ao pé da letra a missão que se impôs, Vélez tende a criar novos riscos para o ensino nacional, tais como a censura e o denuncismo. Mais provável, porém, é que perca um tempo valioso no combate a fantasmas.

Nos momentos mais relevantes de seu discurso, o ministro afirmou que vai priorizar temas de fato centrais, como a educação básica, em especial a alfabetização, e a valorização do professor. Não apresentou, contudo, um plano de ação.

Privatização ambiciosa terá que superar entraves: Editorial | Valor Econômico

Na primeira semana do novo governo, anúncios feitos pelo presidente Jair Bolsonaro a respeito de mudanças de impostos e até da reforma da Previdência acabaram sendo desmentidos por membros da equipe econômica. As idas e vindas nas propostas para as reformas econômicas chegaram a causar apreensão no mercado financeiro. Se há, porém, uma área em que há maior unanimidade de posições, cujos projetos podem deslanchar com maior celeridade, é a privatização da infraestrutura.

Um dos motivos é o fato de várias pessoas designadas para a área já terem trabalhado nela em governos anteriores, a começar pelo novo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que foi diretor-executivo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), desde meados de 2011, designado pela então presidente Dilma Rousseff. Além disso, o novo governo herdou da gestão Temer diversos projetos praticamente prontos para serem oferecidos ao mercado.

Balanço feito em novembro pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) relacionou 87 projetos prontos ou em estudo para conclusão neste ano que, se levados adiante, resultarão em R$ 150 bilhões em investimentos (O Globo 3/11). Os maiores investimentos estão previstos para rodovias (R$ 64 bilhões), seguidos por ferrovias, (R$ 31 bilhões) e energia elétrica (R$ 21,5 bilhões). As concessões de aeroportos resultarão em aportes de R$ 3,5 bilhões; e a dos portos, mais R$ 3,1 bilhões. Levantamento feito pelo Itaú BBA aponta potencial de investimento de R$ 291,6 bilhões em cinco anos (Folha 7/1).

Desde que foi criado, no início do governo Temer, o PPI leiloou 105 projetos, a maior parte deles em petróleo e energia elétrica, totalizando R$ 228 bilhões em investimentos previstos. Os leilões proporcionaram R$ 46,4 bilhões de arrecadação para a União, amenizando o déficit fiscal. Esse é um dos principais objetivos do governo Bolsonaro, além da preferência liberal pela privatização.

Batendo no muro: Editorial | Folha de S. Paulo

Por enquanto, prognósticos de um 2019 espinhoso para Donald Trump se mostram acertados

Desde a perda da maioria republicana na Câmara, após as eleições legislativas de novembro último, prenunciava-se um 2019 espinhoso para Donald Trump. A considerar os primeiros dias do ano, os prognósticos se mostram acertados.

Muito em razão do estilo mercurial de seu presidente, o governo dos Estados Unidos adentra a terceira semana de “shutdown”, isto é, a suspensão parcial de serviços federais. Tal cenário se dá quando um impasse político leva o Congresso a não aprovar leis orçamentárias específicas para financiar determinados órgãos públicos.

Trata-se da terceira paralisação do tipo ao longo deste mandato, mas as duas anteriores foram breves e quase não trouxeram prejuízos à administração.

Tamanho imbróglio deve-se à obstinação do presidente em conseguir do Legislativo a liberação de US$ 5,7 bilhões (R$ 21 bilhões) para aconstrução do muro na fronteira com o México, uma de suas mais ruidosas promessas de campanha.

Os democratas, que voltaram a controlar a Câmara, ofereceram US$ 1,3 bilhão (R$ 4,8 bilhões) à segurança fronteiriça, sem prever uma dotação para a barreira.

Samba da Império da Tijuca 2019

Vinícius de Moraes: Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…