terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Andrea Jubé: As grávidas de JK, de ACM e de Bolsonaro

- Valor Econômico

Presidente atua em ritmo de campanha nas redes sociais

Atribui-se a metáfora pitoresca, provavelmente, à experiência matrimonial do presidente Jair Bolsonaro, que há cinco dias comparou o casamento aos direitos trabalhistas: "Algo está errado, é o excesso de proteção; é igual casamento, é um ciúme exacerbado de um lado e de outro." E vaticinou: "Esse casamento tem tudo para acabar."

Bolsonaro fala de cátedra: está no terceiro enlace conjugal, tendo agora ao seu lado a primeira-dama Michelle, mãe de Laura. Ele ainda recorreu a um termo usual nas tradicionais - e amargas - discussões sobre relacionamento ("DRs"), para sugerir a extinção da Justiça do Trabalho: "Havendo clima, nós poderíamos discutir essa proposta."

A polêmica sobre a precarização dos direitos trabalhistas, na esteira da reforma aprovada há um ano e meio, remonta a episódios ocorridos há 42 anos. Os protagonistas dessa história são dois gigantes da política nacional: Juscelino Kubitschek e Antonio Carlos Magalhães.

Era 1976, e o ex-governador da Bahia havia sido nomeado pelo presidente Ernesto Geisel para a presidência da Eletrobras. ACM - personagem que se manteve influente na política nacional durante quatro décadas - também era o único amigo que restava a Juscelino no governo militar. O ex-presidente era "persona non grata" entre os generais: em 1964, teve os direitos políticos cassados pelo regime e amargou um exílio forçado no exterior.

Naquele ano, havia poucos dias, Juscelino enviara uma carta ao amigo dos tempos da Presidência pedindo-lhe um emprego na estatal para Maria de Lourdes Ribeiro, filha de seu motorista particular, Geraldo Ribeiro, que o servia havia 30 anos.

Ciente da contrariedade que causaria aos militares, ACM ainda buscava uma solução para o impasse, quando se deu o imponderável: em 22 de agosto de 1976, JK morreu tragicamente, vítima de um acidente de carro na rodovia Presidente Dutra. Viajava no banco de trás de seu Opala - que chamava de "Platão" - conduzido por Ribeiro, que também não resistiu aos ferimentos.

Familiares relembram que ACM foi advertido pelos generais a não comparecer ao velório de JK, mas ignorou a ordem para se despedir do amigo. Depois mandou chamar a filha de Ribeiro para contratá-la, em tempos que os concursos públicos ainda não eram regra na administração pública.

Porém, ela estava grávida, e as regras da Eletrobras vedavam a contração de gestantes. Surpreso e indignado, ACM liquidou o impasse com uma canetada, atropelando as normas para fazer a vontade do amigo. Contratada, a filha do motorista de JK, que se tornaria advogada, trabalhou na empresa até se aposentar.

Quase meio século depois, no pacote das exonerações em prol da "despetização" da Casa Civil, despontam as demissões de servidoras grávidas, então lotadas nas subchefias de Ação Governamental (SAG) e de Articulação e Monitoramento (SAM), apesar da proteção constitucional.

A Constituição Federal de 1988 instituiu a estabilidade da empregada a partir da confirmação da gravidez, e até cinco meses após o parto.

Ainda no tocante aos direitos das grávidas, aguarda-se o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal contra o artigo da reforma trabalhista que autorizou o trabalho das gestantes e lactantes em condições insalubres - exceto se um laudo médico as isentar do encargo.

O relator é o ministro Alexandre de Moraes, a quem cabe liberar o processo para a pauta. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, classificou a norma como um "retrocesso social". "Não condiz com a relevância de bens jurídicos como vida, saúde, maternidade, infância e trabalho digno e seguro."

É a realidade de 12,7 milhões de desempregados que aparentemente motiva as declarações de Bolsonaro em defesa de "menos direitos" por "mais empregos", e pela extinção da Justiça especializada. "A mão de obra no Brasil é muito cara, o empregado ganha pouco, mas a mão de obra é cara", argumenta.

A Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) reagiu à proposta presidencial. "Há um claro equívoco na relação entre causa e consequência, em que se busca culpar a janela pela paisagem", diz a nota oficial.

Os magistrados trabalhistas também corrigiram o presidente, que perguntou: "Qual o país do mundo que tem [justiça trabalhista]?". Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França, responderam.

Mas como ressaltou Bolsonaro, na entrevista ao SBT, o que há de concreto sobre essa contenda são "estudos" que se direcionam à possível redução dos direitos e extinção das varas trabalhistas.

Todavia, em meio ao debate, paira a sombra da ameaça de "retrocesso social", para usar as palavras da procuradora Raquel Dodge. No pior cenário, o risco de se regredir 42 anos no tempo para que uma eventual falha de proteção seja reparada pela caneta de um político.

No primeiro fim de semana depois de empossado, Jair Bolsonaro manteve o ritmo nas redes sociais dos tempos de candidato. Foram 16 postagens no Twitter. Em uma delas, trocou impropérios com o adversário derrotado nas urnas, dispensando qualquer protocolo afeito ao cargo. Chamou Fernando Haddad de "fantoche" e "marmita".

Filho do meio, Carlos Bolsonaro não se fez de rogado e, com o mesmo despojamento do pai, usou a conta no Twitter para chamar um desafeto de "corno".

Em resposta, Haddad desafiou Bolsonaro para um "debate frente a frente". O duelo verbal fora das redes ressoa como uma evolução, se regressarmos 130 anos na história. Em fins do século XIX, no alto escalão, os duelos eram armados.

No livro "1889", Laurentino Gomes narra uma desavença entre o presidente Deodoro da Fonseca e o ministro Benjamin Constant, a quem chamou de "traidor". O ministro devolveu com outro insulto: "Eu nunca tive medo de monarcas de carne e osso, quanto mais dos de papelão."

Deodoro chamou às vias de fato: "Para militares como nós, só um duelo! Tragam armas e decidamos tudo neste momento." O embate não ocorreu, mas a esgrima era a opção mais provável naquela época.

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