domingo, 20 de janeiro de 2019

Luiz Sérgio Henriques*: Sobre vieses e viseiras

- O Estado de S.Paulo

Nada parece indicar ares mais amenos nos dias que virão

Há já algum tempo não temos sido poupados de incômodos vieses, viseiras e amarras ideológicas, a pesarem como bolas de chumbo, e nada parece indicar ares mais amenos nos dias que virão. Deixando de lado o intermezzo representado por Michel Temer, generaliza-se a ideia de que na troca de guarda, em si natural, entre os governos da era Lula e o novo governo da ultradireita, afinidades eletivas se substituem umas às outras sem um padrão racional discernível, trocam-se preconceitos tanto na política interna quanto na externa, num jogo de espelhos que pretende repetir-se indefinidamente e, com isso, deformar a percepção das prosaicas questões reais.

De nada fomos poupados – ideologicamente – nos anos de ascensão e auge do petismo. Seria natural, para ficar em política externa e nas afinidades que ela propicia, que um partido de esquerda – e de resto qualquer partido – buscasse contatos e relações com seus pares, especialmente na própria região. Provincianos como muitas vezes somos, esquecemo-nos de que a política tem constitutivamente um nexo nacional-internacional, e a troca de ideias, a busca de convergências e mesmo o apoio mútuo, respeitadas as normas constitucionais, constituem recursos preciosos para agremiações comprometidas com a estabilidade das respectivas democracias e, ao mesmo tempo, com a realização de propósitos mudancistas.

O que não era natural, e mais uma vez nos perderia, foi a associação entre partidos cuja natureza deveria ser essencialmente diversa: uma coisa é o “Ocidente” político, no qual felizmente nos encontramos desde 1988, outra é o “Oriente”, com suas revoluções nacional-populares, seus caudilhos que jamais se despedem, sua retórica “anti-imperialista” e a invariável denúncia dos “inimigos da pátria” e dos “agentes da CIA”. Uma vez afundado em tal terreno movediço, erguer-se daí requer as artes do Barão de Münchhausen, o que parece estar além das capacidades do atual grupo dirigente petista, como o comprova o apoio alucinado à violação maciça dos direitos humanos perpetrada na Venezuela de Chávez e de Maduro.

Uma esquerda tão desprovida, se não existisse, teria de ser inventada pela extrema direita que ora ensaia seus primeiros passos no governo do País. Deve-se constatar, de início, que a linguagem do poder, especialmente de vocação autoritária, nunca é muito original: também no universo da ultradireita temos de nos haver eternamente com inimigos internos e agentes de ideologias exóticas, como se homens e mulheres de esquerda não pudessem ser atores legítimos numa democracia digna do nome ou, ainda, como se fosse possível imaginar um Brasil sem Graciliano, Niemeyer, Portinari ou Gullar.

Celso Lafer*: A laicidade do Estado

- O Estado de S.Paulo

Um Estado laico diferencia-se de um Estado teocrático, no âmbito do qual o poder religioso e o político se fundem

A República em nosso país data de 1889. Assinalou-se por representar uma contraposição às instituições do Brasil império. Neste ano, que marca os 120 anos da existência e vigência das instituições republicanas, retomo, para destacar, uma mudança de maior significado e duradoura importância para o País, que já discuti em mais de uma oportunidade neste espaço – em 20/5/2007 e 15/7/2016. Refiro-me à implantação da laicidade do Estado, que tem como uma de suas características essenciais a separação da Igreja e do Estado, vale dizer, uma nítida distinção entre, de um lado, instituições, motivações e autoridades religiosas e, de outro, instituições estatais e autoridades políticas, de tal forma que não haja predomínio da religião sobre a política.

Um Estado laico diferencia-se de um Estado teocrático, no âmbito do qual o poder religioso e o político se fundem. É o caso da Arábia Saudita e do Irã. Diferencia-se igualmente de um Estado confessional, no âmbito do qual existem vínculos entre o poder político e uma religião. Foi o caso do Brasil império, que afirmou o catolicismo como a religião oficial, mas assegurou a liberdade de opinião e de culto de outras religiões.

A laicidade não se circunscreve ao reconhecimento da liberdade de consciência, religião e culto, que confere à livre e autônoma consciência do indivíduo a adesão, ou não, a uma religião. Significa que o Estado se dessolidariza e se afasta de toda e qualquer religião, em função de um muro de separação entre Estado e Igreja, como institucionalmente consubstanciado pela Primeira Emenda da Constituição norte-americana, na leitura de Thomas Jefferson.

Ruy Barbosa assimilou a visão norte-americana. Nessa linha é de sua autoria, ainda na vigência do governo provisório de Deodoro, o Decreto n.º 119-A, que implantou a separação da Igreja e do Estado em nosso país. Essa separação adquiriu sua institucionalidade própria no artigo 72 da Constituição de 1891, a primeira Constituição republicana do Brasil. Nos termos do artigo 72, passaram a integrar a moldura da laicidade no Brasil: 1) a secularização do registro civil, do casamento, da administração dos cemitérios, desvinculando do âmbito da Igreja o reconhecimento jurídico dos momentos de vida do cidadão – do seu nascimento à sua morte; 2) a obrigação de ser leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos; e 3) a determinação de que “nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o governo da União ou dos Estados”.

Vera Magalhães: Jair & Filhos

- O Estado de S.Paulo

Clã renova o filhotismo político brasileiro tendo as redes sociais como curral

Na última quinta-feira, conversava com um aliado de Jair Bolsonaro a respeito da forte presença de militares em postos-chave do governo. Ele fez uma observação: “Não me preocupa. Os militares são os adultos na sala deste governo. E terão um papel importante: o de conter a influência dos filhos”. Na saída do encontro, me deparei com o desdobramento do caso Fabrício Queiroz, com a reclamação de Flávio Bolsonaro ao STF para paralisar o inquérito contra o ex-assessor e anular suas provas.

O filhotismo é um dos fenômenos originais da política brasileira. Tão antigo quanto os outros “ismos” que nos (de)formaram: clientelismo, patrimonialismo, coronelismo, populismo, e por aí vai.

O clã Bolsonaro, bem como outros da política atual, renovou o fenômeno. Deu-lhe características de franquia: os produtos são de rápida absorção no mercado, vêm com aquela marca distintiva fácil de “colar” junto ao consumidor, têm uma estratégia de marketing tão simples quanto agressiva e usam as redes sociais como veículo – a versão pós-moderna do curral eleitoral do coronelismo clássico.

A franquia Jair & Filhos foi tão bem-sucedida que mesmo os furos gritantes de narrativa não foram suficientes para conter seu avanço. Como falar em renovação política tendo uma família em que nada menos que quatro integrantes da árvore genealógica direta (sem contar as ex-mulheres) tiram seu sustento da política? Claro, os Bolsofilhos foram eleitos legitimamente. Mas a pergunta é: teriam sido por suas próprias qualidades, trajetórias e ideias, dissociados da “matriz” Jair? Provavelmente não.

Mas o filhotismo não se encerra na perpetuação dos clãs por meio da entrada de sucessores na vida pública. Quando ele chega ao Executivo, há os desdobramentos disso: os herdeiros passam a orbitar em torno do poder. Aconteceu com os filhos de Lula, que preferiram agir nos bastidores, sem ocupar funções eletivas, mas se valeram do apelido do pai, convertido em sobrenome, para fazer negócios para si.

Eliane Cantanhêde: Renan e Deltan

- O Estado de S.Paulo

Já pensou Dallagnol na PGR e Calheiros na presidência do Senado? Vai pegar fogo

Adversários ácidos e públicos, o senador Renan Calheiros e o procurador Deltan Dallagnol podem ter um encontro marcado para setembro deste ano, quando Renan espera estar de volta à presidência do Senado e Deltan estará concorrendo a procurador-geral da República. Inimigos, disputam o apoio, mesmo que velado, do presidente Jair Bolsonaro.

Renan é um dos campeões de investigações entre os que têm foro privilegiado no Supremo e Deltan é uma das estrelas – certamente a mais estridente – da Lava Jato. Logo, os dois são como gato e rato. Enquanto um é senador e o outro é procurador, vá lá. Quando, e se, virarem presidente do Senado e procurador-geral, vai ter barulho.

Renan acaba de chamar Deltan de “ser possuído”, mas ele também reúne uma coleção de adversários e ambos seriam facilmente apontados como “seres possuídos”. Apesar disso, o governo Bolsonaro – a “nova era” – dá sinais de apoio a Deltan na PGR e pode ficar entre Renan e Fernando Collor no Senado. Seis por meia dúzia.

Depois de dizer que não se meteria na disputa pelas presidências do Congresso, Bolsonaro já apoiou, via PSL, a reeleição de Rodrigo Maia na Câmara (anda até trocando bilhetinhos com ele em solenidades públicas) e agora pode jogar a toalha no Senado.

Renan é do MDB, esteve na linha de frente dos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma, fez dobradinha com o PT em Alagoas em 2018 e tem “problemas” na Justiça. Mas, como parlamentar, é competente, praticamente fechou o cerco a seu favor, e o PSL está aprendendo pragmatismo rapidamente.

Do outro lado, Dallagnol é porta-voz da Lava Jato e conquistou notoriedade com o PowerPoint de 2016 em que apontou Lula como “maestro da orquestra criminosa” e relevou as provas como “pedaços da realidade que geram convicção”. Ministros do STF, juristas e, claro, petistas, ficaram de cabelo em pé.

Merval Pereira: O impasse como saída

- O Globo

É preciso que as ações parlamentares obedeçam a uma lógica que não seja a da troca de favores

No momento em que temos exemplos pelo mundo de impasses entre Executivo e Legislativo, como os casos dos Estados Unidos com o muro da discórdia na fronteira do México, ou da Inglaterra com o Brexit, é bom revisitar a palestra de Antonin Scalia, um dos mais conservadores e respeitados juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos, morto há dois anos, sobre a importância da separação dos Poderes.

No Brasil também estamos às voltas com a disputa na definição dos presidentes da Câmara e do Senado, como sempre desejosos de que o Legislativo tenha à frente algum político que apoie as reformas que o Executivo pretende enviar ao Congresso, especialmente a da Previdência. Pois Scalia considerava que a força da democracia americana está justamente na contraposição do Legislativo e do Executivo, a política do “check and balances”, peso e contrapeso.

Scalia achava que quando havia, como agora, um shut down do governo devido a um impasse, os cidadãos deviam vibrar, pois era a democracia agindo. Nessa palestra no Congresso, Scalia contou que quando se reunia com estudantes de Direito, perguntava sempre: Qual a razão da América ser um país tão livre? O que existe em nossa Constituição que nos torna o que somos?

A resposta mais frequente, ele garantiu, será “liberdade de expressão” ou “liberdade de imprensa”. “E eu lhes digo: se vocês acham que a Carta de Direitos é o que nos diferencia, vocês estão malucos. Qualquer República de Bananas tem uma Carta de Direitos. Todo ditador tem”.

Ele citou, com ironia, a Carta de Direitos da antiga União Soviética, “que era até melhor que a nossa. Estava dito lá literalmente que qualquer um que for apanhado tentando restringir as liberdades individuais será processado por isso”. Mas eram apenas palavras no papel, ressaltou Scalia, porque a Constituição da União Soviética não evitava a centralização do poder em uma pessoa ou em um partido. “Eram garantias de papel”.

Bernardo Mello Franco: Tem laranja no liquidificador

- O Globo

Na ausência de um mordomo, Bolsonaro tentou culpar o motorista. Agora o rolo cresceu, com depósitos na conta do filho mais velho

Na segunda-feira, Jair Bolsonaro recebeu três modelos enfeitadas com coroas de princesa e faixas de miss. As moças foram a Brasília divulgar a Festa da Uva, o tradicional evento de Caxias do Sul. O capitão sorriu para fotos e ganhou um caixote de uvas colhidas na cidade gaúcha. Mas foi o cheiro de outra fruta, a laranja, que passou a impregnar o gabinete presidencial.

Com menos de um mês de governo, Bolsonaro está emparedado pelos rolos de Fabrício Queiroz. Na quarta-feira, seu filho mais velho apelou ao foro privilegiado para suspender a investigação e esconder as contas do ex-assessor. Conseguiu a liminar, mas deu bandeira. Ficou claro que o laranjal era bem maior do que se pensava.

Na noite de sexta-feira, o Jornal Nacional deu uma amostra do que parece vir por aí. Em apenas um mês, a conta bancária de Flávio Bolsonaro recebeu R$ 96 mil em dinheiro vivo. A grana foi fracionada em 48 depósitos de R$ 2 mil. O senador eleito virou suco antes de tomar posse.

O relatório do Coaf foi sutil. Apontou uma “suspeita” de “artifício” para impedir o rastreamento dos depósitos. Em outra passagem, citou uma circular do Banco Central para explicar que esse tipo de operação pode “configurar indícios” de lavagem de dinheiro. Não seria o único crime na cena. 

Os depósitos em série reforçam a suspeita de que Flávio embolsava parte dos salários dos assessores. O esquema é comum no baixo clero da política, habitat natural da família do presidente. Se confirmado, caracteriza crime de peculato, o desvio de dinheiro público para uso pessoal. 

Elio Gaspari*: Acima de tudo, Bolsonaro quer matar as provas

- O Globo / Folha de S. Paulo

Quem viu a reação do PT diante das denúncias de corrupção acha que está num pesadelo, pois a música é a mesma

A corrida do senador eleito Flávio Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal teve dois objetivos. O primeiro foi travar a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro em torno dos “rolos” de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Daqui a poucos dias, o ministro Marco Aurélio Mello liquidará essa questão, destravando-a. O segundo, essencial, é a tentativa de anular as provas conseguidas pelos procuradores. Que provas? Isso não se sabe, pois o caso corre em segredo de Justiça e até bem pouco tempo Flávio Bolsonaro repetia que não está sendo investigado.

A nulidade das provas é o sonho de todo réu. Na última catedral da impunidade, a Operação Castelo de Areia virou pó conseguindo-se anular as provas de que o Sol das roubalheiras nascia na caixa das empreiteiras. Depois dela vieram a Lava Jato, Sergio Moro e deu no que deu.

Desde que os “rolos” de Queiroz se tornaram públicos, todos os seus movimentos ofenderam a boa-fé do público. Não atendeu a duas convocações do Ministério Público, passou por uma cirurgia e deixou-se filmar dançando. Já o senador eleito Bolsonaro considerou “plausíveis” as explicações que recebeu do ex-assessor. Que explicações?

Quem acompanhou a reação do comissariado petista diante das denúncias de corrupção nos governos petistas acredita que está num pesadelo. A melodia dos poderosos é a mesma. Onyx Lorenzoni diz que a oposição busca um terceiro turno.

Em 2011, Dilma Rousseff disse a mesma coisa quando surgiu o rolo do patrimônio de Antonio Palocci, chefe de sua Casa Civil. A letra do samba é muito diferente, porque os “rolos” de Queiroz são cascalho quando comparados com as propinas bilionárias que rolaram durante o consulado dos comissários.

O pesadelo estraga o sono de milhões de pessoas que votaram contra a roubalheira, o blá-blá-blá e a resistência dos petistas a uma autocrítica.

Todas as explicações dadas até agora partem da premissa de que a plateia é boba. Por exemplo: Fabrício Queiroz deixou de ser assessor de Flávio Bolsonaro no dia 16 de outubro, logo depois do primeiro turno da eleição, para cuidar do seu processo de aposentadoria.

Por coincidência, sua filha, personal trainer no Rio e assessora de Jair Bolsonaro em Brasília, foi exonerada no mesmo dia. (A essa altura a Polícia Federal já sabia que o Coaf estranhara a movimentação financeira de Queiroz.)

Travas, silêncios, segredo de Justiça, corrida à “porcaria” do foro privilegiado e pedidos de nulidade das provas só servem para alimentar murmúrios maliciosos.

Os promotores não têm pressa, só têm perguntas.

Dorrit Harazim: Não estava tudo dominado

- O Globo

Em meio ao indigesto vendaval, o presidente surge um tanto atordoado com a evolução de um novelo que talvez esperasse aquietar-se

Fosse o episódio de menor relevância, seria o caso de perguntar o que andam fumando os advogados de Flávio Bolsonaro — junto ou em separado do cliente. O pedido de suspensão pelo STF da investigação sobre movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, o encrencado ex-assessor do então deputado estadual e hoje senador, mais parece fruto de uma bad trip do que uma estratégia de defesa de causídicos para o filho 01 do presidente da República. Ficou escancarado que tem uma nau à deriva.

Como se sabe, o pedido de suspensão foi acatado pelo plantonista no atual período de recesso da Corte, ministro Luiz Fux, a quem caberá conviver com esse apêndice na biografia. A partir de 1º de fevereiro, o caso passa a ser examinado pelo relator Marco Aurélio Mello, a quem caberá a palavra final sobre o domicílio jurídico da investigação. O time Bolsonaro pleiteia que ela deve migrar para o Supremo sob escudo do foro privilegiado reservado a deputados federais e senadores. Ou então a investigação prossegue sob a lupa do Ministério Público fluminense, onde originou. Como previsto, caudalosos argumentos jurídicos dos dois lados não faltam, da mesma forma que sempre é possível desenterrar estatísticas radicalmente opostas a respeito de qualquer causa.

Mas chama atenção no jabuti entregue a Fux, além do súbito apreço pela figura do foro privilegiado, que ainda em 2017 o hoje presidente Jair Bolsonaro tachava de “privilégio porcaria”, o pedido de “ilegalidade das provas e de todas as diligências de investigação determinadas a partir dela”. Como assim? Zerar tudo? Mas tudo o quê? A perplexidade faz voar alto a imaginação.

Janio de Freitas: Queiroz é o de menos

- Folha de S. Paulo

Esse caso motivou estranheza logo de início, mas por conta própria

O inquérito sobre a arrecadação financeira do assessor e amigo dos Bolsonaros, Fabrício Queiroz, não foge à regra brasileira: se o caso tem evidência e pode ser acompanhado, a constatação de alguma coisa esquisita não tardará. O que pode se dar tanto na ação da polícia como do Ministério Público, quando não de um juiz.

Esse caso motivou estranheza logo de início, mas por conta própria. Despontou já trazendo, na ainda pequena bagagem, um lote de seis cheques de Queiroz para a senhora Bolsonaro, totalizando R$ 24 mil que o marido Jair explicou, com demora de três dias, restituírem um empréstimo de R$ 40 mil não declarado no Imposto de Renda.

Nenhuma referência ao débito restante, admitindo-se o valor inicial indicado, e sem menção à finalidade do empréstimo —que, vá lá, é assunto mais do tomador que do emprestador.

Até a última sexta (18) o caso vinha rolando, semana após semana, sem mais informações úteis do que as iniciais.

O Ministério Público do Rio esperou em vão pelo previsto depoimento de Flávio Bolsonaro, deputado estadual a quem Queiroz serviu como assessor de gabinete e motorista pessoal.

A mulher de Queiroz também não apareceu para depor. As duas filhas dele, muito menos. E o próprio, depois de demorado sumiço, reapareceu em quarto de hospital, como paciente acamado e dançarino em atividade.

As informações elementares indicavam, nos dias de pagamento mensal, o desembolso de quantias destinadas a Queiroz por oito funcionários de gabinete do deputado (hoje senador eleito). Sem incluir, porém, qualquer indicação do motivo de descontos por uma parte e recebimento por outra.

E nada disso clareia com o passar dos dias. As especulações não têm como ser muito variadas, mas são fortes e cada vez menos contestadas.

Em lugar de quem devia fazê-lo, se é que poderia, o general Augusto Heleno diz que “para Bolsonaro, o assunto é de Flávio, não seu”.

A velha sabedoria já dizia: o que não é capaz de livrar, complica mais.

Há uma inovação comprometedora no dito pelo general.

Todos no circuito dos Bolsonaros diziam que o assunto era de Queiroz e por ele seria esclarecido. Passou a ser de Flávio. É em nome do próprio pai, e por meio de um general palaciano, que sua implicação vai a nível mais fundo.

Hélio Schwartsman: Mitos sobre o mito

- Folha de S. Paulo

Eleitor que votou em Bolsonaro esperando uma revolução ética quebrou a cara de verde e amarelo

Descascou ainda antes do esperado o verniz ético do clã Bolsonaro. O pedido do senador eleito Flávio Bolsonaro ao Supremo para suspender a investigação sobre as movimentações financeiras do ex-assessor Fabrício Queiroz e anular as provas já colhidas funciona praticamente como uma admissão de culpa. Já que não pode responder às suspeitas com fatos, o primeiro filho resolveu recorrer ao tapetão.

Politicamente, a manobra é infantil e só agrava as desconfianças. Juridicamente, a menos que o STF decida nos presentear como uma demonstração coletiva de puxa-saquismo escancarado, deve revelar-se inútil, quando não contraproducente.

Quanto ao eleitor que votou em Bolsonaro esperando uma revolução ética, ele quebrou a cara de verde e amarelo. E a culpa, lamento dizê-lo, é dele mesmo. Ele comprou a narrativa mítico-maniqueísta de que a corrupção tem origem em disposições individuais, isto é, de combinações de elementos genéticos com histórias de vida que tornam o sujeito propenso a roubar.

Bruno Boghossian: Se esse caixa eletrônico falasse

- Folha de S. Paulo

Depósitos para Flávio atravessam o coração do governo Bolsonaro

O novelo ainda começava a se desenrolar, em dezembro, quando Jair Bolsonaro decidiu fazer uma aposta alta. “Se algo estiver errado comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta”, disse o presidente eleito. “Dói no coração da gente? Dói, porque nossa maior bandeira é o combate à corrupção.”

O escândalo provocado pela movimentação de dinheiro no gabinete de Flávio Bolsonaro cresceu de uma dor desconfortável no peito para um ataque cardíaco grave.

Os pagamentos feitos na conta do filho do presidente, revelados pelo Jornal Nacional, atravessam o discurso moral da família e arrastam consigo a imagem de todo o governo. Assim como o PT sofreu com o mensalão após ostentar a bandeira da ética por décadas, o bolsonarismo corre um risco considerável.

Em junho de 2017, Flávio recebeu um salário de R$ 18.768 como deputado estadual. Naquele mês, alguém multiplicou esse rendimento por seis ao depositar R$ 96 mil em sua conta, divididos em 48 envelopes.

Vinicius Torres Freire: Negócios de família, o mito

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro começa com um peso morto moral nas costas e deve ser mais tutelado

Nenhum governo brasileiro desce a ladeira até cair no buraco da deposição por causa de escândalos. Cai por causa de uma conjunção de má política com aversão social extensa. Corrupções são pretexto legal de derrubadas. Novidade é pensar como um governo pode subir a ladeira com um cadáver moral nas costas.

O governo de Jair Bolsonaro terá de começar a escalada carregando o corpo estropiado do herói do combate à corrupção, que “mitou” na campanha eleitoral. Não é impossível. Mas, a fim de se equilibrar, o presidente terá de rever os pilares do seu poder. Tende a mudar a relevância de militares, Paulo Guedes, Sergio Moro e do Congresso.

Quem sabe o filho senador explique esses depósitos pingados em sua conta na agência bancária da mui corrupta Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mais importante, talvez se venha a saber que, mesmo inexplicáveis, os dinheiros não tenham contaminado outros Bolsonaro. Enquanto não se souber, o governo vai dar uma fraquejada. Vai ser mais tutelado.

Os militares já demonstravam contrariedade com a intromissão frequente e desordenada dos filhos do capitão em reuniões de ministério, em encontros no Planalto e na diplomacia. Não foi possível apurar o que pensavam do filho senador, amigo do assessor, motorista e “fazedor de rolos” Fabrício Queiroz.

Entre outras tutelas já evidentes, os militares vão pedir ao presidente que sacrifique o convívio familiar público-privado em nome do convívio com o restante do país, ao menos até a poeira baixar.

Quando vai baixar? Além dos problemas de contabilidade privada, Bolsonaro terá de dar logo um destino às contas públicas, fazer reformas etc. Os ventos da economia andando mais rápido talvez possam varrer o odor de falta de santidade.

Mary Zaidan*: A maldição de Davos

- Blog do Noblat | Veja

Histórico de presidentes brasileiros em Davos desaconselha ter muitas esperanças

O presidente Jair Bolsonaro e as duas estrelas de primeira grandeza de seu governo, Paulo Guedes e Sérgio Moro, devem anunciar planos de impacto no 49º Fórum Econômico Mundial que acontece em Davos, Suíça, a partir da terça-feira. Uma pauta liberal, contemplando privatizações e reformas de fundo, como a da Previdência, combate à violência, ao crime organizado e à corrupção. São projetos que o Brasil anseia conhecer, já que deles só se sabem generalidades ditas durante a campanha e nada mais. Mas o histórico de presidentes brasileiros em Davos desaconselha ter muitas esperanças entre o dito por lá e o feito por aqui.

Em janeiro de 2003, o recém-empossado presidente Lula causou furor ao desembarcar em Davos levando debaixo do braço o Programa Fome Zero, que previa mobilizar a sociedade, em especial os mais ricos, no combate à miséria absoluta.

Lula brilhou antes e depois do encontro. Fez tudo conforme o figurino marqueteiro previa. Saiu do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, um encontro anti-Davos, e atravessou o Atlântico em avião de carreira – “por economia”, dizia -, correndo a Europa em jatos da Embraer, para “divulgar a fabricante nacional”. Provocou êxtase como o operário iletrado que chegara à Presidência – algo que o mundo rico adora aplaudir, expurgando culpas -, e reivindicou a autoria de um programa mundial contra a fome.

Luiz Carlos Azedo: A montanha mágica

– Correio Braziliense

Interessante a analogia feita por um dileto amigo, Arlindo Fernandes, entre a viagem do presidente Jair Bolsonaro a Davos, acompanhado do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do chanceler Ernesto Araujo, e o famoso romance do escritor alemão Thomas Mann que empresta o título à coluna, cuja história se passa exatamente naquela cidade dos Alpes, na Suíça. Segundo ele, a luta instalada dentro do governo, assunto sobre o qual conversávamos, se parece muito com a disputa entre dois personagens do romance, o humanista e enciclopedista Lodovico Settembrini e o jesuíta totalitário Leo Naphta, que protagonizam um choque entre ideias liberais e conservadoras junto ao jovem engenheiro naval alemão Hans Castorp.

Mann começou a escrever A montanha mágica em 1912, quando sua mulher Katharina Mann (Katia) foi internada num sanatório de Davos, para se curar de uma tuberculose. Três anos depois, indeciso sobre os rumos do romance, interrompeu a obra. Havia apoiado a Primeira Guerra Mundial, porque seria “a guerra para terminar todas as guerras”, e estava em conflito com o próprio irmão Heinrich, também escritor, em relação ao papel da Alemanha e à própria guerra. Thomas defendia uma Alemanha unificada, poderosa e zelosa de sua cultura; o irmão desprezava o provincianismo autoritário e acrítico dos alemães à época. Após a guerra, Thomas Mann termina de escrever seu romance, já com uma visão mais crítica sobre tudo o que havia ocorrido; mais tarde, se posicionaria contra a II Guerra Mundial e a própria Alemanha. O romance também reflete esse embate de ideias com o irmão.

O Sanatório Internacional de Berghof é um estabelecimento fictício, vizinho à antiga e luxuosa casa de Repouso Schatzalp, que inspirou o escritor alemão e, por isso, costuma receber levas de leitores-turistas fascinados com o livro. Virou hotel em 1954, como o Waldhotel, o antigo Waldsanatorium, onde Katia Mann, mulher de Thomas Mann, se internou em 1912. A visita que o romancista fez à esposa por três meses o inspirou a escrever. Personagem principal do romance, Hans Castorp é um jovem alemão com os seus 20 anos, prestes a ter uma carreira naval em Hamburgo, sua cidade natal, que viaja para visitar seu primo tuberculoso Joachim Ziemssen, num sanatório em Davos.

Durante sua longa permanência, conhece personagens que representam um microcosmo do pensamento do pré-guerra na Europa. Além de Setembrini e Naphta, a hedonista Mynher Peerperkorn e Madame Chauchat, por quem se apaixona. Após sete anos, antes de ir para a guerra para morrer como um soldado anônimo, Castorp descobre a arte, a cultura, a política, a fragilidade humana e o amor; o tempo, a música, o nacionalismo, as questões sociais e as mudanças. Todas as ideias do século XX estão presentes no romance, que é considerado uma “obra de formação”.

Onde está a analogia? O italiano Lodovico Settembrini representa o humanismo e o iluminismo, atribui o progresso humano à ciência, defende a democracia liberal e acredita no livre-arbítrio. Leo Naphta, cristão novo, interrompeu os estudos teológicos na Companhia de Jesus por causa da tuberculose, mas vê a fé como o sentido da vida e das ações. Defende os atos sangrentos cometidos pela Igreja ao longo da história, vê na ciência e nas explicações racionais os horrores das rebeliões liberais, como a Revolução Francesa.

Clóvis Rossi: Venezuela testa saída no dia 23

- Folha de S. Paulo

Só uma explosão à tunisiana pode romper o impasse

Está muito bem que o governo Bolsonaro dê apoio aos líderes oposicionistas venezuelanos. Quem se opõe a uma ditadura merece respeito. Mais ainda quem se opõe a um regime que, além de ditatorial, é um fracasso sem precedentes.

A dimensão da catástrofe aparece com nitidez em texto para Nueva Sociedad, revista da social-democracia alemã, de um economista de esquerda, tão de esquerda que é membro da Associação Latino-Americana de Economia Marxista.

Escreve Manuel Sutherland: “As milhares de bombas e o genocídio perpetrado pelos nazistas na Polônia causaram uma queda de 44% do PIB entre 1939/43. A queda do PIB na Venezuela ronda 50% nos últimos cinco anos, um recorde absoluto para o continente, uma tragédia sem paralelo”.

É correto, portanto, apoiar quem se diz disposto a livrar a Venezuela do martírio. Pena que o apoio tenda a ser inócuo, pela simples e boa razão de que os políticos com os quais se reuniu na quinta-feira
(17) o chanceler brasileiro Ernesto Araújo não têm o respaldo popular necessário para fazer pressão efetiva e eficaz sobre o governo de Nicolás Maduro.

É a opinião de José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch, corroborada de resto pelo estudante Roderick Navarro, do Movimento Rumbo Libertad, em artigo para esta Folha publicado na quarta-feira (16): “Hoje não existe ninguém que seja da verdadeira oposição dentro do país, pois, se houvesse, certamente já estaria nas garras da ditadura”, escreveu ele.

Navarro é da oposição pela direita; pela esquerda, concorda Sutherland, ao escrever que “a oposição abandonou por completo a tarefa de organizar as bases sociais [nas zonas populares], que, desgraçadamente, vão com quem tem os recursos à mão para ‘resolver’ problemas cotidianos”.

Celso Ming: Não dá mais para adiar

- O Estado de S. Paulo

Um dos fatores que ajudam a empurrar os políticos à reforma da Previdência é o aumento da percepção de que ela é inevitável.

Até mesmo dentro do PT, que até agora opôs forte resistência a qualquer avanço nessa área, começam a atuar novas aberturas. Na última sexta-feira, por exemplo, o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda do governo Dilma Rousseff, o economista Nelson Barbosa, escreveu na Folha de S.Paulo sua Carta ao Povo Petista.

Nela reprova o PT pela oposição irresponsável a qualquer projeto de reforma da Previdência e insiste em que preparem seu próprio projeto. Mas isso foi negado até mesmo pelo programa eleitoral do PT, que se limitou a buscar o equilíbrio das contas da Previdência apenas com a criação de empregos, o fim do trabalho informal e o combate à sonegação. Barbosa avança contra o que pregam os petistas: “A reforma do nosso sistema de aposentadorias é necessária por questões de justiça social e de reequilíbrio orçamentário”.

Também na sexta-feira, Dilma acolheu no Twitter o texto de Nelson Barbosa e avisou que “é relevante para quem quer refletir e debater o momento que estamos vivendo no Brasil”.

Quando foi criado, em 1880, o primeiro sistema de previdência social não pretendeu garantir nenhum direito. Pretendeu fortalecer o Estado. O objetivo do então chanceler da Alemanha, Otto von Bismarck, foi dar mais condições para que o cidadão comum cumprisse melhor seus deveres para com o Estado.

O direito do indivíduo à aposentadoria é coisa recente e não é universalmente aceito. Na China, por exemplo, não há sistema de previdência social. Lá o sustento dos que se afastam do mercado de trabalho é bancado ou por poupanças pessoais ou pelos filhos.

Coaf: ex-assessor de Flávio Bolsonaro movimentou R$ 7 milhões em 3 anos

Os R$7 milhões do Queiroz

Volume de depósitos em contas de Fabrício Queiroz supera o valor revelado em dezembro

Lauro Jardim| Globo

Foi de R$ 7 milhões, entre 2014 e 2017, a movimentação financeira nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). É o que consta dos arquivos do Coaf, órgão federal de controle das atividades financeiras. Queiroz exerceu funções no gabinete de deputado estadual de Flávio na Alerj até 15 de outubro de 2018. Em dezembro passado, foi revelado que, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, havia circulado R$ 1,2 milhão pela conta corrente de Queiroz.

O Coaf registrou que passaram por sua conta R$ 5,8 milhões nos dois anos anteriores, totalizando R$ 7 milhões em três anos. Até hoje Queiroz não apresentou explicação ao Ministério Público sobre a origem dos recursos. As investigações estão suspensas por decisão do ministro Luiz Fux, do STF.

O Coaf sabe muito mais do que já foi revelado sobre o caso Fabrício Queiroz, o ex-motorista de Flávio Bolsonaro. Nos arquivos do órgão federal de controle de atividades financeiras consta que Queiroz transacionou um volume de dinheiro substancialmente maior do que o que veio a público em dezembro.

Além dos famigerados R$ 1,2 milhão, movimentados atipicamente entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, passaram por sua conta corrente mais R$ 5,8 milhões nos dois exercícios imediatamente anteriores. Ou seja, no total Queiroz movimentou R$ 7 milhões em três anos. Segundo o próprio Jair Bolsonaro disse em entrevista, Queiroz "fazia rolo". Haja rolo.

MP investiga deputados de 16 Estados por desvio de salário de servidor

Assembleias Legislativas de 16 Estados são alvo de investigações

Deputados de mais da metade dos parlamentos estaduais respondem por suspeita de irregularidades relacionadas a salários e benefícios de servidores dos gabinetes

Carla Bridi e Paulo Beraldo | O Estado de S. Paulo

Deputados de pelo menos 16 assembleias legislativas são ou foram alvo de investigações sobre irregularidades cometidas nos últimos 16 anos relacionadas a salários e gratificações de servidores dos gabinetes. A maioria dos procedimentos, segundo levantamento feito pelo Estado, corre sob sigilo e apura suspeitas ou denúncias de repasse de parte dos salários ou benefícios a parlamentares e da contratação de “funcionários fantasmas”.

Todos os Estados identificados (ver mapa) têm ou tiveram investigações relacionadas a atos ilícitos realizados nas últimas quatro legislaturas – são parlamentares que exerceram mandatos desde 2003. Em São Paulo, pelo menos cinco deputados estaduais são alvo de investigação por apropriação de salários.

Casos desse tipo ganharam projeção após relatório do Conselho de Controle Atividades Financeiras (Coaf), revelado pelo Estado, sobre movimentação financeira atípica de funcionários e ex-funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), entre eles Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro(PSL-RJ).

No caso da Alerj, 22 procedimentos criminais foram abertos em 2018 para apurar suspeitas de irregularidades nos gabinetes de 22 deputados. No caso de Queiroz, a investigação foi instaurada após suspeita de lavagem de dinheiro ou “ocultação de bens, direitos e valores” no gabinete de Flávio Bolsonaro.

O deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) Foto: Alex Silva/Estadão
Nacionalmente, conforme as investigações, não falta criatividade para implementar diferentes meios de desvio – casos variam da contratação da empregada doméstica do deputado como “fantasma” à solicitação de reembolso de despesas de viagens nunca realizadas.

Militares já se espalham por 21 áreas do governo federal

Militares já se espalham por 21 áreas do governo Bolsonaro, de banco estatal à Educação. Membros das Forças Armadas obtêm relevância inédita desde a redemocratização e vão administrar orçamentos bilionários

Rubens Valente | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Os militares nomeados ou prestes a serem nomeados já passam de 45 no governo de Jair Bolsonaro (PSL), espalhados por 21 áreas: da assessoria da presidência da Caixa Econômica ao gabinete do Ministério da Educação; da diretoria-geral da hidrelétrica Itaipu à presidência do conselho de administração da Petrobras.

O Exército, do qual vieram o presidente e seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), tem maioria entre os membros do governo: eram 18 generais e 11 coronéis da reserva até esta sexta (18) —o número cresce a cada dia.

Militares agora comandam o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte), a Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), a presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio) e sete ministérios: Secretaria de Governo, Defesa, Minas e Energia, Infraestrutura, GSI (Gabinete de Segurança Institucional), CGU (controle interno e transparência) e Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Generais da reserva ou reformados ocupam cinco cargos no comando da Secretaria-Geral da Presidência da, comandada por um civil, o advogado Gustavo Bebianno.

No Ministério de Justiça do ex-juiz Sergio Moro, os militares se espalharam pela Secretaria Nacional de Segurança Pública de forma inédita desde que o órgão foi criado, em 1997. Vinculados ao secretário nacional, o general da reserva Guilherme Theophilo, estarão três coronéis —a pasta confirmou que as nomeações devem sair nos próximos dias. No gabinete de Moro, um suboficial do Exército atua como assessor técnico.

O levantamento da Folha sobre os militares no governo não incluiu membros de forças policiais estaduais, como Polícia Militar e Bombeiros, e considerou apenas dois nomeados no Gabinete de Segurança Institucional, um órgão normalmente ocupado por militares, o ministro Augusto Heleno e o general Eduardo Villas Bôas, que até o dia 11 comandava o Exército.
A força econômica dos setores com presença militar ultrapassa as centenas de bilhões de reais. Apenas a Petrobras, maior empresa do país, teve uma receita estimada em R$ 283 bilhões em 2017.

Historiadores ouvidos pela Folha concordam que não houve, desde a redemocratização, em 1985, uma avalanche de militares no Executivo como a atual.

Cidade cresce no vazio da falta de Estado: Editorial | O Globo

Leniência de políticos e agentes públicos permite que o crime atue em áreas de expansão imobiliária

O Rio tem uma longa história de ocupação desordenada do espaço urbano. Não que seja uma exclusividade carioca, pois favelização é um mal brasileiro. Mas, no Rio, a convivência, lado a lado, de “comunidades” e residências de luxo é algo pouco visto e se tornou marca local.

Esta diversidade deixou traços positivos na cultura carioca, mas entrou em metástase: na saúde pública, na segurança, nas moradias em áreas de alto risco, e assim por diante. Governos perderam oportunidades para a realocação eficiente de famílias de baixa renda. Por falta de planejamento na ampliação a seu tempo da infraestrutura de transportes de massa, para permitir que as pessoas pudessem morar de forma confortável longe de seus lugares de trabalho. Vieram, ainda, ciclos populistas nos governos locais que reforçaram a falta de cuidado com a expansão da cidade.

Até chegarmos ao ponto em que estamos, no qual a ausência do Estado na gestão dos espaços — para tratarmos apenas da questão urbanística — faz com que não haja mais poder público, no sentido real do termo, à frente do crescimento da cidade, sendo este espaço ocupado pela criminalidade. Já há algum tempo, caso da Zona Oeste — Barra, Jacarepaguá, Santa Cruz, para citar apenas alguns bairros onde isso é mais claro —, milícias, um braço do crime organizado, crescem nos negócios imobiliários ilegais. Nas Vargens, outra região típica, imóveis de alvenaria também são construídos e comercializados pelo crime. Ninguém os impede, porque o Estado já está muito débil. Ou infiltrado.

E quando o Congresso se reunir?: Editorial | O Estado de S. Paulo

A menos de duas semanas da posse dos deputados e senadores eleitos no ano passado, o governo de Jair Bolsonaro ainda não conseguiu demonstrar que terá a necessária capacidade de articulação política para lidar com esse novo Congresso, cuja fragmentação já seria desafiadora mesmo para gente calejada nas refregas do Legislativo. Jogando neste momento praticamente sozinhos, sem uma oposição que, por enquanto, seja capaz de lhes fazer sombra, o presidente, seus operadores políticos e seu próprio partido, o PSL, parecem não se entender sobre como formar a base com a qual o novo governo espera aprovar as tantas medidas e reformas prometidas por Bolsonaro durante a campanha eleitoral.

Seria um equívoco atribuir o problema unicamente ao principal articulador político do governo, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. É fato notório que a qualificação de Onyx está muito aquém da exigida para desempenhar essa função crucial, mas é preciso lembrar que esse ministro só está no cargo porque se presume que o presidente Bolsonaro tenha acreditado que ele fosse capaz de implementar sua visão sobre as relações entre Executivo e Legislativo.

O problema é que nem Onyx nem ninguém sabe muito bem qual é essa visão – e, no entanto, o que não falta são exegetas das palavras e dos pensamentos de Bolsonaro, numa cacofonia que expõe o grau de desorientação dos governistas.

Presença exagerada: Editorial | Folha de S. Paulo

Ao pôr-se a corrigir a subparticipação histórica de militares, governo incorre em risco

Profissionais egressos das Forças Armadas têm tido preferência no preenchimento de postos de primeiro e segundo escalão do governo Jair Bolsonaro (PSL). Esse padrão, também caudatário do déficit de quadros qualificados no movimento que venceu a eleição em outubro, deve ser visto com reservas.

Os militares brasileiros, em especial os oficiais que alcançaram o topo da carreira após longa e variada trajetória de serviços públicos, qualificam-se para atuar em alguns setores da administração civil.

Conheceram bem o território nacional e seus entraves logísticos, acumularam experiência na segurança urbana e desenvolveram habilidades para lidar institucionalmente com outros Poderes e corpos burocráticos. Com essas credenciais, é de lamentar que tenham atuado pouco nos ramos civis afins em gestões anteriores.

Ao pôr-se a corrigir a subparticipação histórica de militares, o governo Bolsonaro incorre no risco oposto, o de exagerar na dosagem.

Contam-se 21 áreas da administração com indicados oriundos do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica. Há militares em setores de pouca relação com a formação precípua dos profissionais da defesa nacional, como a educação, o Banco Central, a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e Itaipu.

A concentração de nomeações numa corporação reduz a diversidade de conhecimentos e experiências necessária para tocar com eficiência a máquina federal. Não apenas os valores positivos, mas também as idiossincrasias da caserna influenciarão decisões civis.

Coral Edgard Moraes - Despedida

Fernando Pessoa: Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.