A menos de duas semanas da posse dos deputados e senadores eleitos no ano passado, o governo de Jair Bolsonaro ainda não conseguiu demonstrar que terá a necessária capacidade de articulação política para lidar com esse novo Congresso, cuja fragmentação já seria desafiadora mesmo para gente calejada nas refregas do Legislativo. Jogando neste momento praticamente sozinhos, sem uma oposição que, por enquanto, seja capaz de lhes fazer sombra, o presidente, seus operadores políticos e seu próprio partido, o PSL, parecem não se entender sobre como formar a base com a qual o novo governo espera aprovar as tantas medidas e reformas prometidas por Bolsonaro durante a campanha eleitoral.
Seria um equívoco atribuir o problema unicamente ao principal articulador político do governo, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. É fato notório que a qualificação de Onyx está muito aquém da exigida para desempenhar essa função crucial, mas é preciso lembrar que esse ministro só está no cargo porque se presume que o presidente Bolsonaro tenha acreditado que ele fosse capaz de implementar sua visão sobre as relações entre Executivo e Legislativo.
O problema é que nem Onyx nem ninguém sabe muito bem qual é essa visão – e, no entanto, o que não falta são exegetas das palavras e dos pensamentos de Bolsonaro, numa cacofonia que expõe o grau de desorientação dos governistas.
E tudo isso acontece no momento em que o governo, recém-empossado, supostamente goza da tradicional “lua de mel” com a opinião pública, situação que costuma sensibilizar os parlamentares para a agenda do Executivo. Geralmente é a época propícia para obter apoio a medidas tidas como impopulares – como, por exemplo, a reforma da Previdência. A julgar pelo comportamento errático e confuso do presidente e de seus correligionários, no entanto, o governo não terá trabalho somente com a oposição – que, embora neste momento também esteja desnorteada, promete ser bastante aguerrida.
O novo Congresso, como se sabe, terá três dezenas de partidos, a maioria dos quais sem qualquer identidade política. Não bastasse isso, grande parte dos eleitos – inclusive no partido do presidente – se declara independente das orientações da cúpula partidária, podendo votar como lhe der na telha. Isso significa que o governo pode se ver obrigado a negociar individualmente com muitos parlamentares, e nada garante que um acordo para conseguir apoio em uma votação se sustente na seguinte. Ou seja, é como se, a cada votação, tudo voltasse à estaca zero, demandando grande e permanente capacidade de mobilização política por parte do Executivo.
Bolsonaro elegeu-se prometendo acabar com o famigerado toma lá dá cá no Congresso, base do chamado presidencialismo de coalizão – sistema em que o Executivo é obrigado a lotear a administração entre parlamentares e partidos para obter sustentação no Congresso. Sua disposição ficou clara já na nomeação de seus ministros, que não respeitou as até então costumeiras indicações dos caciques partidários. A aposta, segundo se alardeou, era ter os votos das chamadas frentes parlamentares. No entanto, conforme noticiou recentemente a Coluna do Estadão, o governo voltará a negociar com os líderes partidários quando encaminhar a proposta de reforma da Previdência, pois o fato é que a estratégia de Bolsonaro de tratar apenas com as frentes não parece ser capaz, por si só, de cabalar votos na quantidade necessária. E, se depender da pobreza franciscana de sua articulação política, essa tarefa será ainda mais complicada.
Ainda há tempo para que Bolsonaro enfim coloque ordem na casa, mas o prazo é exíguo, e a margem de erro será cada vez menor. Ademais, há muita gente no Congresso com grande disposição para sabotar as reformas. Num quadro desses, é imperioso que o presidente da República dê o norte de seu governo de maneira clara, afinando discursos e enquadrando expectativas. Tendo três décadas de vida legislativa, Bolsonaro deveria saber que, quando o novo Congresso tomar posse, não haverá mais tempo para treino – o jogo será para valer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário