sábado, 1 de novembro de 2008

Um palpite sobre a crise econômica

Fuad Gabriel Yazbeck
Novembro 2008
Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

Em época de guerra mentira é como terra, e em tempo de crise econômica palpite é dinamite: explode rapidamente e vira fumaça. Mas palpite em ciência é privilégio que se concede apenas aos economistas, eternos profetas do passado.

Diante da grande crise econômica global que ora se anuncia, representada pela falência do sistema financeiro mundial, muito se tem falado e muito ainda se vai falar. Tudo, no entanto, leva a crer que teremos que esperar alguns anos antes do surgimento da teoria que vai explicá-la, tal como a Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de John M. Keynes, que só veio à luz em 1936, sete anos após a Grande Depressão de 1929 que lhe deu causa.

A teoria de Keynes, defendendo a intervenção regulatória do Estado na economia, através de medidas de política monetária e fiscal capazes de mitigar os efeitos perversos dos ciclos econômicos — recessão e depressão —, refutava a chamada Lei de Say (Jean Baptiste Say, 1767-1832), que afirmava ser a oferta a geradora de sua própria demanda, isto é, que a produção de bens, por si só, era capaz de incentivar a demanda por todos os outros bens.

Karl Marx (1818-1883) anteriormente também já havia contrariado as idéias de Say, revolucionando o pensamento econômico com sua obra máxima, O capital, ao afirmar que o modo de produção capitalista continha, na sua própria essência, o germe das crises que haveriam de destruí-lo, na medida em que ao produzir bens, acumulando nas mãos dos capitalistas as rendas resultantes dessa produção, retirava da demanda a renda que seria necessária para a aquisição do que foi produzido.

O capitalismo depois de Marx enfrentou muitas crises, sendo a maior delas a de 1929, explicada por Keynes, que propôs como solução a intervenção do Estado para gerar a demanda que garantiria o pleno emprego dos fatores de produção (e sua respectiva geração de renda), compensando assim a escassez de demanda resultante do “entesouramento” das poupanças acumuladas em mãos dos capitalistas.

A teoria keynesiana resolveu muitos dos problemas econômicos dos países desde seu advento, sobretudo nos próprios Estados Unidos, onde a crise se originou, tal como agora. Até o final dos anos 70 do século passado ela norteou a ação da maior parte dos países no mundo, sobretudo nos então ditos subdesenvolvidos, levando estes a alcançar índices de crescimento inalcançáveis sob a égide exclusiva do liberalismo.

Ronald Reagan, no EUA, e Margareth Thatcher, na Inglaterra, no entanto, a partir dos anos de 1980 se encarregaram de impor ao mundo a substituição das doutrinas de Keynes pelas chamadas idéias “neoliberais”, propagadas por Milton Friedman (1912-2006), prêmio Nobel de Economia de 1976, e Friedrich A. Von Hayek (1899-1992), ambos defensores ferrenhos do afastamento completo do Estado das ações econômicas reguladoras, eis que os sistemas econômicos são tanto mais eficientes quanto mais livres. Ou seja, o mercado é soberano e capaz de resolver todo e qualquer problema que venha a ser criado por ele ou fora dele.

De lá para cá o mundo de fato experimentou uma crescente onda de crescimento, pontuada aqui e acolá por crises ocasionais e localizadas, que pouco comprometiam o progresso do capitalismo sob as leis do livre-mercado de Friedman e Von Kayek, embora já prenunciassem que ele continuava sujeito a crises.

Ocorre, no entanto, que o processo de acumulação no sistema capitalista, ainda que já não mais tão concentrado quanto previsto por Marx, nunca deixou de imperar, pois é próprio da sua lógica acumular riquezas aumentando as rendas do capital e da propriedade (lucros, juros e aluguéis) em ritmo sempre maior que o aumento das rendas do trabalho (salários), e estas comporem a grande massa responsável pela demanda da grande parte do que é produzido. A solução, pela criatividade capitalista, era pois incrementar a demanda por uma forma que mantivesse os níveis de crescimento da produção sem o risco de superprodução e sem comprometimento da acumulação: o crédito.

O sistema financeiro foi assim se sobrepondo lentamente ao sistema produtivo, e esta sobreposição levou à geração de um complexo sistema de papéis de crédito que foram alicerçando outros papéis, que por sua vez geravam mais papéis, e todos eles suportados pela certeza de que as dívidas criadas pelos primeiros seriam honradas, dando suporte a todos os demais. Quando uma pequena fagulha queimou alguns importantes primeiros papéis (os chamados subprimes das hipotecas americanas), destruindo-os, todo o sistema papeleiro começou a ruir, pois o castelo de cartas do crédito exacerbado, tal como o de cartas de baralho, só se mantém de pé enquanto todas estão firmes.

Daí a necessidade de os governos agora intervirem no sistema bancário para salvaguardar a saúde do nutriente da economia, que é a moeda, e mesmo assim ainda considerarem a hipótese de recessão, pois a recuperação dos níveis de produção só será possível e sustentável quando a repartição das rendas entre os fatores se der, em todo o mundo, sem a exagerada necessidade do crédito, que antecipa o consumo mas projeta para o futuro a redução da renda que deveria ser aplicada em novo consumo.

Mas isto também é um palpite.


Fuad Gabriel Yazbeck é economista e professor aposentado da UFJF.


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