Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Brasília tem pouco ou nada a ver com a renúncia de Jânio Quadros, que abriu o caminho para os 21 anos da mais longa ditadura da nossa tumultuada crônica republicana. Como não tenho a pretensão de fazer História, guio-me pelos passos das pernas curtas e rápidas do meu saudoso amigo Carlos Castello Branco, titular desta coluna no JB , até seu último dia de vida, e que foi assessor de imprensa de Jânio, além de ser o maior repórter político da minha e de todas as gerações.
Nas 132 páginas do seu insubstituível livro A renúncia de Jânio, na edição de 1996 da Editora Revan, o Castelinho disseca a renúncia com a isenção do repórter, a sagacidade do analista e o texto do escritor e acadêmico. Começa depondo desde a manhã do dia 25 de agosto de 1961. Depois da noite insone, um funcionário do Palácio do Planalto sussurrou-lhe que algo ocorria: José Aparecido de Oliveira, secretário particular do presidente, ordenara-lhe retirar documentos importantes e arrumar toda a papelada. Pouco depois, chegou Aparecido e deu a notícia: o presidente renunciou. Já está voando para São Paulo.
Jânio telefonara às cinco da manhã a Quintanilha Ribeiro, chefe da Casa Civil, e anunciou que tomara uma decisão. Pediu que seguisse para o Palácio e convocasse o general Pedro Geraldo, chefe da Casa Militar. Ambos foram comunicados da renúncia.
De volta ao gabinete do Planalto, reuniu os cinco para as sumárias explicações: "Renunciarei agora à Presidência. Não sei assim exercê-la". E finaliza, caprichando na ênfase: "Ela me diz que a melhor fórmula que tenho, agora, para servir ao povo e à pátria, é a renúncia".
Jânio convocou os ministros militares para a comunicação oficial. Pouco depois chegam ao gabinete os ministros da Guerra, general Odílio Denys, da Marinha, almirante Sílvio Heck, e da Aeronáutica, brigadeiro Grum Moss. Jânio repetiu em poucas palavras o relato aos secretários e ao ministro da Justiça.
O brigadeiro Moss tentou o apelo ao bom senso: "Presidente, não faça isso". No que foi secundado pelo almirante Heck: "Este é o maior golpe que sofro na minha vida". O general Denys foi mais longe: não faltava ao presidente o apoio das Forças Armadas, que ali estavam na pessoa dos seus chefes para prestigiá-lo e obedecer a suas ordens. Entendia as dificuldades, mas o presidente devia saber que "esse moço" (clara referência a Carlos Lacerda) é assim mesmo. O marechal Denys pediu que o presidente ordenasse as providências, que elas seriam tomadas: intervenção na Guanabara, fechamento do Congresso. E entrou direto no ponto crucial que desencadearia a crise militar: o governo da República não poderia passar às mãos de João Goulart. Acontece o inacreditável: Jânio intervém e cala os ministros: "Poupem-nos esses constrangimentos, quando nada em homenagem ao meu gesto. Minha decisão é definitiva".
Ora, se os três ministros militares tinham a plena convicção de que a renúncia, sem explicação minimamente verossímil, lançaria o país no torvelinho de uma gravíssima crise, com risco de uma guerra civil, e eles ali estavam com a responsabilidade de preservar a ordem pública e o regime democrático, era transparente a prioridade de, a qualquer preço, evitá-la até as últimas conseqüências para cortar pela raiz a manobra golpista.
Desde o crescente apelo até a virtual detenção do presidente desmiolado. Ou do apelo ao Congresso para não conhecer o documento presidencial antes de um exame de sanidade mental. Se o constrangimento dos ministros é compreensível, a clara percepção da crise militar e política que a fuga de Jânio deixaria como herança exigia e justificava a crescente reação que impedisse a jogada tantas vezes executada como governador de São Paulo. Desde a clara recusa à renúncia, por decisão dos três ministros, ao cerco militar do Palácio para evitar a fuga pela porta dos fundos.
Nunca a passividade, a rendição, o aturdimento da surpresa.
Mais tarde, o bravo senador João Agripino, da UDN paraibana, confessou que procurou encontrar o ministro da Justiça, Pedroso Horta, para tentar pegar o papelucho da renúncia e sumir com ele.
E teria mudado o curso da História.
Mas a nossa conversa não termina aqui.
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Brasília tem pouco ou nada a ver com a renúncia de Jânio Quadros, que abriu o caminho para os 21 anos da mais longa ditadura da nossa tumultuada crônica republicana. Como não tenho a pretensão de fazer História, guio-me pelos passos das pernas curtas e rápidas do meu saudoso amigo Carlos Castello Branco, titular desta coluna no JB , até seu último dia de vida, e que foi assessor de imprensa de Jânio, além de ser o maior repórter político da minha e de todas as gerações.
Nas 132 páginas do seu insubstituível livro A renúncia de Jânio, na edição de 1996 da Editora Revan, o Castelinho disseca a renúncia com a isenção do repórter, a sagacidade do analista e o texto do escritor e acadêmico. Começa depondo desde a manhã do dia 25 de agosto de 1961. Depois da noite insone, um funcionário do Palácio do Planalto sussurrou-lhe que algo ocorria: José Aparecido de Oliveira, secretário particular do presidente, ordenara-lhe retirar documentos importantes e arrumar toda a papelada. Pouco depois, chegou Aparecido e deu a notícia: o presidente renunciou. Já está voando para São Paulo.
Jânio telefonara às cinco da manhã a Quintanilha Ribeiro, chefe da Casa Civil, e anunciou que tomara uma decisão. Pediu que seguisse para o Palácio e convocasse o general Pedro Geraldo, chefe da Casa Militar. Ambos foram comunicados da renúncia.
De volta ao gabinete do Planalto, reuniu os cinco para as sumárias explicações: "Renunciarei agora à Presidência. Não sei assim exercê-la". E finaliza, caprichando na ênfase: "Ela me diz que a melhor fórmula que tenho, agora, para servir ao povo e à pátria, é a renúncia".
Jânio convocou os ministros militares para a comunicação oficial. Pouco depois chegam ao gabinete os ministros da Guerra, general Odílio Denys, da Marinha, almirante Sílvio Heck, e da Aeronáutica, brigadeiro Grum Moss. Jânio repetiu em poucas palavras o relato aos secretários e ao ministro da Justiça.
O brigadeiro Moss tentou o apelo ao bom senso: "Presidente, não faça isso". No que foi secundado pelo almirante Heck: "Este é o maior golpe que sofro na minha vida". O general Denys foi mais longe: não faltava ao presidente o apoio das Forças Armadas, que ali estavam na pessoa dos seus chefes para prestigiá-lo e obedecer a suas ordens. Entendia as dificuldades, mas o presidente devia saber que "esse moço" (clara referência a Carlos Lacerda) é assim mesmo. O marechal Denys pediu que o presidente ordenasse as providências, que elas seriam tomadas: intervenção na Guanabara, fechamento do Congresso. E entrou direto no ponto crucial que desencadearia a crise militar: o governo da República não poderia passar às mãos de João Goulart. Acontece o inacreditável: Jânio intervém e cala os ministros: "Poupem-nos esses constrangimentos, quando nada em homenagem ao meu gesto. Minha decisão é definitiva".
Ora, se os três ministros militares tinham a plena convicção de que a renúncia, sem explicação minimamente verossímil, lançaria o país no torvelinho de uma gravíssima crise, com risco de uma guerra civil, e eles ali estavam com a responsabilidade de preservar a ordem pública e o regime democrático, era transparente a prioridade de, a qualquer preço, evitá-la até as últimas conseqüências para cortar pela raiz a manobra golpista.
Desde o crescente apelo até a virtual detenção do presidente desmiolado. Ou do apelo ao Congresso para não conhecer o documento presidencial antes de um exame de sanidade mental. Se o constrangimento dos ministros é compreensível, a clara percepção da crise militar e política que a fuga de Jânio deixaria como herança exigia e justificava a crescente reação que impedisse a jogada tantas vezes executada como governador de São Paulo. Desde a clara recusa à renúncia, por decisão dos três ministros, ao cerco militar do Palácio para evitar a fuga pela porta dos fundos.
Nunca a passividade, a rendição, o aturdimento da surpresa.
Mais tarde, o bravo senador João Agripino, da UDN paraibana, confessou que procurou encontrar o ministro da Justiça, Pedroso Horta, para tentar pegar o papelucho da renúncia e sumir com ele.
E teria mudado o curso da História.
Mas a nossa conversa não termina aqui.
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