César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Nos últimos 24 anos, o PMDB comandou o Senado por vinte. Não é um dado desprezível: é um recorde no período republicano. Desde 1946, ano em que o Brasil passou a contar com partidos de caráter nacional, nenhuma sigla, nem mesmo o aglomerado Arena/PDS durante o regime militar, exerceu uma domínio tão longo. Diante de uma cadeira cativa tão longeva, desde o acordo de 2007 que garantiu a presidência da Câmara para Arlindo Chinaglia (PT-SP), a volta da hegemonia pemedebista sobre as duas Casas do Congresso Nacional era uma possibilidade concreta, que não poderia ser desconhecida por nenhum petista e por nenhum tucano.
Há vasta jurisprudência que mostra como os universos do Senado e da Câmara disputam entre si, e não se comunicam. Mas os dois partidos investiram contra a vitória de Sarney por motivos distintos. O PSDB buscou fragilizar o dirigente pemedebista mais avesso a uma aproximação com a oposição. Sem ter tido um resultado brilhante nas urnas em 2008 e sob a circunstância de aceitar a candidatura presidencial imposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT busca espaços de poder no âmbito nacional.
O comando total do PMDB se reinstala em circunstância quase opostas às que marcaram os governos Sarney e Collor, ocasião em que também o partido mandava nas cúpulas do Legislativo. Como lembra o professor Fabiano Santos, do Iuperj, do Rio de Janeiro, a primeira hegemonia terminou por fragmentar a sigla, que perdeu coesão ao mesmo tempo em que canalizava as frustrações de um eleitorado que esperava mais da volta do regime democrático. O partido balcanizou-se de forma gradativa, ganhando seu formato de confederação de caciques regionais. A tal ponto que perdeu a Presidência da Câmara em 1993, em um momento de grande fraqueza do Executivo: Collor havia sofrido impeachment meses antes e Itamar Franco governava sem estar filiado a qualquer partido.
A falta de rumo nacional removeu lentamente a força dos chefes locais, e os caciques cada vez mais fracos fragmentaram ainda mais a sigla. A história do PMDB no governo Fernando Henrique foi a narração de uma marcha para a entropia.
A partir do instante em que a sigla ingressa no governo Lula, instala-se o processo oposto: a força do governo federal fez com que os oligarcas estaduais começassem a recuperar prestígio, e esta recuperação colaborou para que o partido ganhasse mais espaço na articulação de poder. A trajetória de Geddel Vieira Lima é exemplar neste sentido. Sua ida para o ministério de Lula colaborou para que o PMDB voltasse a ser forte no plano baiano, e o poder regional o torna um protagonista no jogo de alianças em 2010, buscado tanto pelo governo quanto pela oposição. "O partido entrou em um círculo virtuoso, ao menos na ótica própria", constata Cristiano Noronha, analista política da empresa de consultoria Arko Advice.
É um círculo virtuoso que só cumpre seu papel realimentador de forças dentro de uma ótica que passa pelo governo federal. Por isso a dupla vitória na Câmara e no Senado fortalece a aposta pemedebista de buscar uma composição com Lula em 2010, e não com a oposição. O PT é credor da vitória de Temer na Câmara. E Sarney, segundo relato de tucanos e de integrantes do DEM, é o mais sólido aliado do governo federal dentro da sigla.
O fim da verticalização é mais uma argamassa para unir o PMDB ao PT em um projeto para 2010. Diminui o peso regional, decisivo nas duas últimas eleições, no processo decisório, ou não decisório, pemedebista. O fato de PT e PMDB serem inimigos regionais diretos no Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal e manterem tensa convivência no Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pará perde impacto. "O PMDB agora dispõe de condições para uma ação conjunta e autônoma no plano nacional, em relação às circunstâncias regionais", comenta Santos. Nada impedirá, por exemplo, que o ex-governador paulista Orestes Quércia componha como candidato ao Senado em São Paulo em uma chapa encabeçada por um tucano, independente do partido apoiar ou não a candidatura do PT à Presidência.
César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às sextas-feiras, Maria Cristina Fernandes, está em férias
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Nos últimos 24 anos, o PMDB comandou o Senado por vinte. Não é um dado desprezível: é um recorde no período republicano. Desde 1946, ano em que o Brasil passou a contar com partidos de caráter nacional, nenhuma sigla, nem mesmo o aglomerado Arena/PDS durante o regime militar, exerceu uma domínio tão longo. Diante de uma cadeira cativa tão longeva, desde o acordo de 2007 que garantiu a presidência da Câmara para Arlindo Chinaglia (PT-SP), a volta da hegemonia pemedebista sobre as duas Casas do Congresso Nacional era uma possibilidade concreta, que não poderia ser desconhecida por nenhum petista e por nenhum tucano.
Há vasta jurisprudência que mostra como os universos do Senado e da Câmara disputam entre si, e não se comunicam. Mas os dois partidos investiram contra a vitória de Sarney por motivos distintos. O PSDB buscou fragilizar o dirigente pemedebista mais avesso a uma aproximação com a oposição. Sem ter tido um resultado brilhante nas urnas em 2008 e sob a circunstância de aceitar a candidatura presidencial imposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT busca espaços de poder no âmbito nacional.
O comando total do PMDB se reinstala em circunstância quase opostas às que marcaram os governos Sarney e Collor, ocasião em que também o partido mandava nas cúpulas do Legislativo. Como lembra o professor Fabiano Santos, do Iuperj, do Rio de Janeiro, a primeira hegemonia terminou por fragmentar a sigla, que perdeu coesão ao mesmo tempo em que canalizava as frustrações de um eleitorado que esperava mais da volta do regime democrático. O partido balcanizou-se de forma gradativa, ganhando seu formato de confederação de caciques regionais. A tal ponto que perdeu a Presidência da Câmara em 1993, em um momento de grande fraqueza do Executivo: Collor havia sofrido impeachment meses antes e Itamar Franco governava sem estar filiado a qualquer partido.
A falta de rumo nacional removeu lentamente a força dos chefes locais, e os caciques cada vez mais fracos fragmentaram ainda mais a sigla. A história do PMDB no governo Fernando Henrique foi a narração de uma marcha para a entropia.
A partir do instante em que a sigla ingressa no governo Lula, instala-se o processo oposto: a força do governo federal fez com que os oligarcas estaduais começassem a recuperar prestígio, e esta recuperação colaborou para que o partido ganhasse mais espaço na articulação de poder. A trajetória de Geddel Vieira Lima é exemplar neste sentido. Sua ida para o ministério de Lula colaborou para que o PMDB voltasse a ser forte no plano baiano, e o poder regional o torna um protagonista no jogo de alianças em 2010, buscado tanto pelo governo quanto pela oposição. "O partido entrou em um círculo virtuoso, ao menos na ótica própria", constata Cristiano Noronha, analista política da empresa de consultoria Arko Advice.
É um círculo virtuoso que só cumpre seu papel realimentador de forças dentro de uma ótica que passa pelo governo federal. Por isso a dupla vitória na Câmara e no Senado fortalece a aposta pemedebista de buscar uma composição com Lula em 2010, e não com a oposição. O PT é credor da vitória de Temer na Câmara. E Sarney, segundo relato de tucanos e de integrantes do DEM, é o mais sólido aliado do governo federal dentro da sigla.
O fim da verticalização é mais uma argamassa para unir o PMDB ao PT em um projeto para 2010. Diminui o peso regional, decisivo nas duas últimas eleições, no processo decisório, ou não decisório, pemedebista. O fato de PT e PMDB serem inimigos regionais diretos no Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal e manterem tensa convivência no Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pará perde impacto. "O PMDB agora dispõe de condições para uma ação conjunta e autônoma no plano nacional, em relação às circunstâncias regionais", comenta Santos. Nada impedirá, por exemplo, que o ex-governador paulista Orestes Quércia componha como candidato ao Senado em São Paulo em uma chapa encabeçada por um tucano, independente do partido apoiar ou não a candidatura do PT à Presidência.
César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às sextas-feiras, Maria Cristina Fernandes, está em férias
Nenhum comentário:
Postar um comentário