- Revista Época
É cedo para saber se há indício de que o ciclo do nacionalismo populista pode se esgotar mais rapidamente do que se imaginava
No mais recente episódio do Brexit, o primeiro-ministro Boris Johnson sofreu derrota acachapante após a tentativa de fechar o parlamento britânico por cinco semanas, o que provavelmente resultaria no “no-deal Brexit”, ou a saída da Grã-Bretanha da União Europeia sem qualquer acordo, em outubro.
Em 2016, pouco antes da votação do fatídico referendo, Nigel Farage, o engenheiro do Brexit e membro do partido nacionalista UKIP, afirmou que o Brexit seria a placa de Petri para a vitória de Trump nos Estados Unidos. Amigo de Steve Bannon, o homem que inventou o Movimento — o agrupamento de líderes e partidos populistas-nacionalistas —, Farage foi arroz de festa nas comemorações que seguiram a vitória de Trump.
De lá para cá, Brexit e Trump têm sido vinculados à disseminação de uma ideologia de extrema-direita sustentada pelos pilares do nacionalismo, do conservadorismo retrógrado, de uma interpretação particular do que significa ser cristão no mundo moderno e diverso do século XXI, da supremacia racial, da negação das mudanças climáticas.
Comentei no artigo da semana passada que a linguagem usada por esses “novos” nacionalistas é muito parecida — não importa se estamos tratando do Brasil, da Turquia, dos EUA, da Hungria, da Itália. As lideranças desses países ou dos partidos da extrema-direita nacional-populista dizem mais ou menos as mesmas coisas sobre esses temas, usando às vezes as mesmas palavras. Pode ser que o repeteco seja falta de imaginação.
Mas o mais provável é que as mensagens simples sobre assuntos complexos exerçam um hipnotismo entre camadas da população mais, digamos, vulneráveis. Essas camadas, que incluem as supostas elites em muitos casos — vejam o Brasil que elegeu Bolsonaro —, rejeitam as evidências científicas e aceitam as estultices que lhes são enfiadas goela abaixo pelas redes sociais e tribos às quais pensam pertencer. Para todos os que trabalham com fatos, o que acabo de escrever provoca tanto uma desilusão profunda quanto a intensa vontade de ocupar o vácuo deixado pelo anti-intelectualismo.
“Será que o anti-intelectualismo tem limites?”
Nos últimos dias testemunhamos o cerco a Boris Johnson, a derrota de Matteo Salvini, a queda de popularidade de Jair Bolsonaro. Também vimos a guerra comercial entre os EUA e a China mostrar os primeiros efeitos sobre a indústria americana: pela primeira vez em três anos, o índice ISM, que mede o estado da indústria nos EUA, caiu abaixo dos 50 pontos. Quando isso acontece, normalmente é sinal de que uma recessão desponta no horizonte. Trump prometeu proteger a indústria nacional quando foi eleito em 2016 e trazer de volta empregos que haviam sido “roubados” pelos competidores internacionais. Eis que a notícia de que a indústria pode estar prestes a encolher não é nada boa para sua reeleição.
É demasiado cedo para saber se alguns desses sinais são indício de que o ciclo do nacionalismo populista pode se esgotar mais rapidamente do que se imaginava. Afinal, entre outros temas, vimos novamente a ascensão da extrema-direita alemã nas eleições regionais.
A Índia está perseguindo muçulmanos na Caxemira e ameaçando retirar a cidadania dos que não professam o hinduísmo. A coalizão do 5 Estrelas de Beppe Grillo com os Democratas provavelmente se esfacelará. O Brexit, quem se arrisca? Foram tantas reviravoltas que é impossível saber se ao final teremos ou não ilha flutuante — e, é claro, penso na versão francesa do creme inglês. Por fim,Trump.
Vencendo ou não as eleições, a verdade é que o construtor de muros transformou não apenas o Partido Republicano como também o Democrata. O grupo de candidatos à Presidência no campo dos democratas encolheu nas últimas semanas, o que não é surpresa. Contudo, difícil é encontrar um candidato ou candidata com posições mais próximas do que costumava ser o centro político americano.
Alguns, como Bernie Sanders, não têm qualquer inibição em mostrar seu lado populista com viés nacionalista. Ele é contra o livre-comércio, ele é a favor de políticas que ponham os EUA em primeiro lugar — o America First —, ele defende que os empregos devam retornar para os EUA e que se danem as cadeias de valor. Elizabeth Warren é a versão tímida de Bernie Sanders.
Não fala em America First, mas em planos para a prosperidade. Contudo, seus planos econômicos são muito parecidos com os de Trump. Joe Biden e Kamala Harris são mais “moderados”, mas flertam ou defendem a ideia de transformar o sistema de saúde de modo radical e fiscalmente insustentável. É claro que todos esses candidatos têm uma visão mais humana e esclarecida sobre outras questões fundamentais, como o clima, os imigrantes, o segregacionismo racial e por aí vai. Mas o ponto é que, ao menos na área econômica, Trump implodiu o centro para valer.
Que dure ao menos um pouquinho a trégua. Afinal, o que virá depois do ciclo nacionalista de extrema-direita em nada se parecerá com o mundo que muitos de nós vimos surgir após a queda do Muro de Berlim.
*Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics
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