Contrato de risco – Editorial | Folha de S. Paulo
Bolsonaro revela desprezo pela autonomia do Ministério Público com indicação
Ao escolher o procurador Augusto Aras para chefiar o Ministério Público Federal, Jair Bolsonaro (PSL) concluiu um processo em que deu seguidas demonstrações de desprezo pela independência de uma instituição que é um dos pilares do regime democrático brasileiro.
Em vez de seguir a tradição e optar por um dos nomes indicados pelos procuradores em sua eleição interna, o chefe do Executivo preferiu submeter os candidatos à vaga a uma humilhante romaria ao seu gabinete nos últimos meses.
É certo que nada obriga o mandatário a acolher a recomendação da categoria, mas seus antecessores respeitaram esse rito por uma boa razão —como sinal de apreço pela autonomia conferida pela Constituição ao Ministério Público.
Todos os procuradores-gerais da República nomeados de 2003 para cá foram escolhidos após a apresentação de uma lista com os três nomes mais votados pelos integrantes da corporação. Aras nem sequer participou da disputa interna, lançando sua candidatura por fora do processo tradicional.
Bolsonaro também deixou clara sua disposição de se intrometer nos assuntos da instituição ao se referir ao procurador-geral da República como parte integrante de seu governo —e sugerir a troca de ocupantes de cargos de segundo escalão na estrutura do órgão como se trabalhassem no seu quintal.
Há 32 anos no Ministério Público, Aras chegou ao topo da carreira após um percurso em que se especializou em assuntos econômicos e eleitorais, sem maior destaque.
Seu pensamento é conhecido especialmente pelas entrevistas que deu durante a campanha para conquistar a simpatia do presidente, quando criticou o corporativismo dos colegas e alinhou-se a alguns dos cânones do bolsonarismo.
Aras se declarou contra decisões do Supremo Tribunal Federal no campo dos direitos humanos, como a que criminalizou a homofobia, e criticou a atuação dos colegas na área ambiental, que alguns empresários veem como entrave ao desenvolvimento de seus negócios.
Como determina a Constituição, caberá ao Senado sabatiná-lo antes de votar sua indicação em plenário. Cumpre aproveitar essa oportunidade de fazer o escrutínio com o devido rigor —será lamentável se os parlamentares limitarem-se a chancelar a escolha de Bolsonaro.
O tempo dirá se o procurador perseguiu o cargo com a intenção de submeter o Ministério Público Federal aos interesses do presidente, ou se saberá reconhecer as prerrogativas garantidas pela Carta aos seus integrantes.
Bolsonaro e Aras podem não gostar do que os procuradores têm feito, mas os limites impostos a essa atuação são definidos pela lei, não pela vontade do governante.
A escolha do procurador-geral – Editorial | O Estado de S. Paulo
São tempos de fato esquisitos. O estrito cumprimento de uma competência privativa do presidente da República – a indicação de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República – foi visto por alguns procuradores como uma afronta à autonomia do Ministério Público da União (MPU). A crítica em razão de a escolha do presidente Jair Bolsonaro não ter recaído sobre um dos três nomes apresentados por uma entidade privada indica a confusão instalada na cabeça de quem, por ofício, tem o dever de zelar pela ordem jurídica.
O Ministério Público deve, antes de tudo, respeito à lei. É o Direito que dá forma às instituições públicas e regula sua autonomia. A Constituição Federal de 1988 é cristalina quanto ao preenchimento do cargo de procurador-geral da República. “Compete privativamente ao Presidente da República nomear, após aprovação pelo Senado Federal, (...) o Procurador-Geral da República”, diz o art. 84, XVI.
A Carta Magna também define quais as condições que o presidente da República deverá seguir nessa indicação. “O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”, estabelece o art. 128, I da Constituição.
Não obstante o caráter cristalino desses preceitos constitucionais, vem de longa data a tentativa de alguns integrantes do Ministério Público Federal de impor ao presidente da República novas condições para a indicação do procurador-geral da República, além das duas previstas na Constituição – ser integrante da carreira e ter mais de 35 anos. Ilegal constrangimento é, por exemplo, a tentativa de limitar a escolha presidencial a um dos três nomes da lista redigida pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Trata-se de um verdadeiro absurdo jurídico que, de tanto ser repetido, parece ter adquirido status de verdade. Não há nenhuma previsão legal para que o presidente da República fique restrito, na indicação do procurador-geral da República, à lista tríplice redigida pela ANPR. No entanto, alguns procuradores alardeiam precisamente o contrário, como se a escolha fora da lista desrespeitasse o Ministério Público. “A autonomia institucional do Ministério Público Federal corre claro risco de enfraquecimento diante da desconsideração da lista tríplice”, disse o subprocurador-geral Mário Bonsaglia ao Estado.
Esse raciocínio é perigoso, pois coloca em risco precisamente a autonomia do Ministério Público. Tendo em vista que a lei não prevê a tal lista tríplice da ANPR, restringir a escolha do procurador-geral da República à lista tríplice é sujeitar a instituição – que é órgão de Estado e deve servir a toda a sociedade – ao capricho de alguns de seus membros.
A autonomia do Ministério Público está precisamente em subordinar o seu funcionamento apenas à lei. E a lei leva muito a sério essa autonomia. Basta ver que a Constituição define que o procurador-geral da República só pode ser destituído antes do término do mandato mediante a autorização da maioria absoluta do Senado Federal.
Nos últimos anos, no entanto, tem-se visto a insistente tentativa de capturar o Ministério Público para finalidades corporativas. E a manobra consiste, precisamente, em transformar a autonomia da instituição em sinônimo de irrestrita subordinação aos desejos de seus membros. Assim, em vez de ser uma instituição republicana, o Ministério Público adquire contornos de corporação de ofício, de sindicato. São realidades muito distintas.
O País precisa de um Ministério Público verdadeiramente autônomo, sujeito apenas à lei. Ele não deve estar subordinado a nenhum interesse particular – seja do presidente da República, seja de um grupo de procuradores, seja de uma entidade associativa. Apenas assim, sem nenhum cabresto imposto por manobras corporativas, é que o Ministério Público terá condições de cumprir sua constitucional incumbência de defesa da ordem jurídica. Aqui não cabem transigências.
Fraudes nos Correios mostram urgência de privatização – Editorial | O Globo
Governo, Congresso e Judiciário precisam se unir para impulsionar a venda de empresas estatais
A operação deflagrada ontem pela Polícia Federal, para desarticular uma organização criminosa que causou prejuízos de pelo menos R$ 13 milhões à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), é ilustrativa da necessidade de se avançar com o programa de privatização anunciado pelo governo. Até a tarde de ontem, a ação da PF, que mobilizou mais de cem policiais, havia resultado na prisão de nove pessoas, entre elas o ex-deputado federal Índio da Costa, que já foi candidato a prefeito do Rio, a governador do estado e a vice-presidente da República.
Chamam a atenção as fragilidades das empresas estatais. No caso, segundo as investigações, o grupo contava com a participação ativa de funcionários. Identificava grandes clientes e os convencia a romper o contrato com os Correios para trabalhar com as empresas do bando.
Com 103.559 funcionários, os Correios estão na lista de 17 estatais com privatização anunciada. A EBCT foi uma das nove incluídas no programa aberto pelo governo Michel Temer, que reunia inicialmente oito empresas, como Casa da Moeda, Lotex, Trensurb e Eletrobras.
Atendendo a 5,5 mil municípios, a estatal já foi modelo de eficiência e credibilidade, mas isso ficou no passado. Hoje, paradoxalmente, é exemplo da incúria que debilita muitas dessas empresas. Em 2018, os Correios tiveram receita R$ 18,1 bilhões, mas dois terços desse valor foram sugados para pagar despesas com funcionários, e menos de 3% investidos no próprio negócio.
A promiscuidade sindical e partidária levou a empresa ao protagonismo nos casos de corrupção que sacudiram o país na última década e meia. Como o mensalão, no primeiro governo Lula, em que não faltou flagrante de pagamento de propina numa sala da diretoria. Ou as fraudes no Postalis, que levaram o fundo de pensão da estatal a torrar 25% do patrimônio dos associados.
É caso exemplar de como empresas públicas têm sido usadas em privilégio de grupos privados. Há crescente ineficiência evidenciada na sucessão de prejuízos. Por isso, a privatização se impõe. E no serviço postal há bons exemplos, como o do Japão.
No caso brasileiro, vai ser necessário observar algumas peculiaridades. Os Correios obtêm 92% de sua receita (R$18,1 bilhões) em 324 cidades. Descontada a despesa operacional nessas áreas, apura superávit R$ 6,7 bilhões anuais. Em outros 5.246 municípios, a situação é inversa: gasta R$ 8,1 bilhões por ano para faturar R$ 1,5 bilhão —ou seja, perde R$ 6,6 bilhões na operação.
Com boa regulação, regras estáveis e agências independentes, é possível realizar privatizações para melhorar o padrão dos serviços ao público.
Infelizmente, incertezas regulatórias ainda são obstáculo ao aumento dos investimentos. Mas não há fórmulas mágicas. Governo, Congresso e Judiciário precisam se unir para impulsionar as privatizações.
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