- O Estado de S.Paulo
Quando ficou claro que a pandemia produziria uma recessão profunda, não faltou quem propusesse a redução da Selic a zero e o uso de uma “operação twist”, com o Banco Central comprando títulos públicos no ramo longo e vendendo no ramo curto da curva de juros, reduzindo sua inclinação. Porém, não somente o BC vem fazendo pouco (ou nada) para reduzir a inclinação da curva de juros, como vem questionando se no Brasil o limite inferior da Selic seria tão baixo quanto nos EUA e na Europa. De onde vem esta divergência?
Ainda que não tivéssemos um termômetro saberíamos qual é a diferença de temperaturas entre o verão carioca e o inverno do Alasca, e ainda que não existissem as cotações do CDS, saberíamos que o salto de 78% para 100% da nossa relação dívida/PIB eleva o risco de insolvência do governo. Atualmente o Brasil tem um “nível de risco” mais elevado do que antes da pandemia, e ele aparece expresso nos preços dos ativos na forma de um “prêmio de risco”, que nada mais é do que o equivalente à medida da temperatura em um termômetro. No mercado de títulos de dívida soberana em Nova York, por exemplo, ele se expressa na cotações do CDS, no mercado de juros ele se manifesta na inclinação da curva de juros, e no mercado de câmbio aparece na volatilidade e na depreciação do real acima da dos demais países emergentes.
Suponhamos que o governo não faça nada para reduzir o “nível de risco”, mas peça ao BC que estimule a atividade econômica inundando a economia de liquidez com a Selic a zero. O primeiro efeito será a elevação dos preços das ações, mas isto não ocorre porque cresceram as expectativas de aumento dos lucros das empresas, que seria impossível diante da recessão, e sim porque caiu a taxa de desconto à qual o valor presente dos lucros esperados (que é o preço da ação) é calculado. Dado que os investidores não são indiferentes ao risco, que permanece elevado, para evitar perdas futuras e para não perder a oportunidade de um ganho, eles buscam um hedge através da compra de um ativo cujo preço tenha uma correlação inversa com os preços das ações, como é o caso do dólar norte americano. Se um erro do governo reduzir os preços das ações ele também tende a depreciar o real. Embora tal depreciação possa ter ocorrido simultaneamente a uma queda da taxa de juros, neste caso ela não decorre de um desestímulo ao ingresso de capitais devido ao diferencial de taxa de juros entre Brasil e EUA. É apenas a consequência de um aumento do risco que permitiu utilizar o real como hedge contra movimentos inesperados de queda dos preços das ações.
Mas o prêmio de risco não se manifesta apenas no câmbio. Taxas de juros mais baixas no contexto de uma política fiscal desajustada aumentam a inclinação positiva da curva de juros, mas não devido a um prêmio de inflação, que está contida devido à recessão, e sim a um prêmio de risco. O desequilíbrio fiscal leva ao aumento do déficit primário, obrigando o Tesouro a aumentar a oferta de títulos públicos cujos prêmios de risco são tanto maiores quanto mais distante for o seu vencimento. Se decidir vender títulos mais longos o Tesouro elevará a taxa de juros média sobre a dívida pública, piorando a dinâmica da dívida, o que o leva a reduzir o prazo médio dos títulos, colocando de preferência as LFTs. Se fosse pedido que o Banco Central operasse um twist na curva de juros isto apenas esconderia o risco, que não desapareceu, e que migrará de um ativo para outro. Provavelmente iria mais para a taxa cambial, pressionando ainda mais o real.
Finalmente, suponhamos que o Banco Central optasse por evitar as depreciações cambiais aumentando as intervenções no mercado à vista, vendendo reservas. Se estivéssemos diante de um “nível de riscos” baixo – isto é, um pequeno desajuste fiscal –, a consequência seria uma venda pequena de reservas que poderia ser perfeitamente suportada por um país com um estoque próximo de US$ 300 bilhões. Mas se estamos falando de um “nível de riscos” alto, a venda seria maior e, o que é pior, estaria reduzindo o custo da saída de capitais incorrido por parte de não residentes que têm no Brasil posições em títulos públicos e em ações, sinalizando dificuldades no balanço de pagamentos.
Meu conselho dirigido a quem prefere rotas simples é que pare de pedir à política monetária resultados que ela não pode entregar.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados
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