- O Globo / Folha de S. Paulo
Centralização do Ministério Público pode preservar excessos, somando-lhe uma capacidade engavetadora
A Lava-Jato de Curitiba tantas fez que está encurralada. Tentaram satanizar a procuradora Lindora Maria Araújo e foram apanhados pelo repórter Leonardo Cavalcanti chamando Rodrigo Maia de “Rodrigo Felinto” e David Alcolumbre de “David Samuel” numa planilha oficial. Esse golpe é velho, usado por delegados e procuradores que tentam confundir juízes. Justificando-se, a equipe do doutor Martinazzo disse que os nomes completos não cabiam no espaço. Contem outra, doutores. Pode-se fazer tudo pela Lava-Jato, menos papel de bobo. O nome Rodrigo Felinto tem 15 batidas, Rodrigo Maia cabe em doze.
A turma da Lava-Jato já divulgou conversa telefônica da presidente Dilma Rousseff captada fora do horário legal. Já tentou criar uma fundação bilionária para azeitar seus objetivos. Isso, deixando-se de lado uma indústria de palestras muito bem remuneradas. Nenhuma dessas extravagâncias pode resultar na perda do cargo para seus autores. A invenção dos tais “Rodrigo Felinto” e “David Samuel”, pode.
O procurador-geral Augusto Aras não bica com as forças-tarefas em geral e com a de Curitiba em particular. Negociações com réus do Paraná e do Rio de Janeiro estão travadas por causa disso e, com a visita da procuradora Lindora Araújo, a turma da Lava-Jato recorreu ao velho expediente de atacar do uso dos meios de comunicação. Isso funcionou ao tempo do juiz Sergio Moro e virou pó quando ele assumiu o cargo de ministro. As forças-tarefas de procuradores dizem que precisam ser autônomas, mas querem ser inimputáveis.
Aras diz que precisa racionalizar o trabalho do Ministério Público. Em abril ele recebeu a minuta de um projeto que cria uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado, a Unac. Em poucas palavras, seria a criação de um investigador-geral da República, escolhido numa lista tríplice da corporação (põe corporação nisso). A Unac decidiria o que investigar, controlando as ações policiais e acompanhando os inquéritos.
O coronel Golbery do Couto e Silva propôs a criação de um Serviço Nacional de Informações na década de 1950. Conseguiu em 1964 e em 1981 confessaria: “Criei um monstro”. A ditadura criou também uma Comissão Geral de Investigações, sempre comandada por um general. Ela não foi geral nem investigou grandes coisas.
A descentralização do Ministério Público permitiu o surgimento da Lava-Jato, com todos os seus excessos. Uma centralização pode preservar todos esses excessos, somando-lhe uma capacidade engavetadora. Coisa assim: combate-se a corrupção e o crime organizado aqui e ali, mas não mexam com o Rio de Janeiro. Se centralização resolvesse, a Polícia Federal, a Abin e o Gabinete de Segurança Institucional teriam impedido que as empreiteiras fizessem o que fizeram pelo Brasil afora e, sobretudo, na Petrobras.
Augusto Aras sabia há meses que os procuradores autônomos operavam sistemas de grampos. Para acabar com coisas desse tipo, ou com a divulgação de telefonemas captados fora do prazo legal e até mesmo para impedir a armação de fundações sob medida, não se precisa de uma unidade de investigação geral. Basta que a Corregedoria do Ministério Público funcione. Ela poderá dizer ao doutor Martinazzo quem criou o “Rodrigo Felinto” da planilha enviada ao juiz Luiz Antonio Bonat.
Em tempo: Martinazzo é o sobrenome do meio do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba.
Covardia da FGV
O jornalista americano Murray Kempton definiu os editorialistas da imprensa como aquelas pessoas que depois de uma batalha vão ao campo do combate e matam os feridos. Foi isso que a Fundação Getulio Vargas fez com o ex-futuro-ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli. O falso currículo já o havia derrubado quando a venerável FGV soltou uma nota informando que ele nunca foi professor da instituição, mas apenas “colaborador”.
Podia ter feito isso em 2019, quando o doutor foi nomeado para a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e seu currículo dizia que ele havia sido “professor de Pós-Graduação em Finanças” na FGV.
A Fundação deveria cuidar melhor de sua marca. Uma coisa é um professor do quadro funcional da FGV. Bem outra é uma pessoa que deu uma aula num curso ou numa de suas atividades paralelas. (Faz tempo, um hierarca justificou seu título de professor visitante da Sorbonne dizendo que, como professor, havia visitado a universidade francesa.) O logotipo da FGV é usado para enfeitar eventos semicorporativos e até mesmo seminários de feriadão com verniz acadêmico e essência turística. Entrando no ramo de consultorias, a Fundação viu-se metida nas roubalheiras do governador Sérgio Cabral. Nas suas palavras, a FGV serviu de “biombo para efetivar ilegalidades.” A fundação assinou 58 contratos com a gestão do então governador do Rio, no valor de R$ 115 milhões.
A caça ao dinheiro tornou pandêmica a malversação das marcas de instituições renomadas. A London School of Economics mamou US$ 488 mil nos cofres do ditador líbio Muamar Kadafi e seu diretor embolsou US$ 50 mil assessorando-o.
No caso de Decotelli a FGV demorou para reclamar e, quando reclamou, exagerou. Ao contrário do que aconteceu com outros títulos do doutor, ele leciona na Fundação, foi bem avaliado pelos alunos e deu uma aula on-line há poucos dias.
Ordem da Gripezinha
Eremildo é um idiota e criou a Ordem da Gripezinha. Ela se destina a homenagear aqueles que contribuíram para o império da treva durante a pandemia.
O primeiro agraciado é o doutor Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil. Ele merece a comenda pela profundidade de sua contribuição.
Novaes entrou em campo com a seguinte reflexão filosófica:
“Muita bobagem é feita e dita, inclusive por economistas, por julgarem que a vida tem valor infinito.”
Em seguida foi para os domínios do conhecimento:
“A ciência médica é tão ou mais imprecisa que a ciência econômica”. (Ele é doutor em economia pela universidade de Chicago.)
Até aí tudo bem, pois pode-se ter uma opinião sobre a valor da vida alheia, assim como cada um pode ter a confiança que bem entende nos médicos e nos economistas.
Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril o doutor disse que “a minha sensação, de quem não é especialista no negócio, mas que observa os números, é que o tal do pico, o tal do famoso pico, que gerava tantas preocupações, a minha sensação é que esse pico já passou, né?”
Uma semana depois, com 474 mortos, o Brasil ultrapassou a marca da China. No dia 22 de maio eles eram 22.666 e ao fim de junho passaram dos 60 mil.
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