- O Estado de S.Paulo
Pragmáticos superam Guedes, militares e ideológicos e fazem a cabeça de Bolsonaro
Quando a coisa fica feia, quem você chama para resolver? Se o problema é de natureza política, o risco é um impeachment e ao seu redor só há neófitos no assunto, alguns claramente perturbados por delírios ideológicos, é melhor você chamar os profissionais do ramo.
Foi o que Jair Bolsonaro fez, quando a insensatez com que vinha conduzindo o País desde janeiro ameaçava de fato desaguar numa interdição de seu mandato, por alguma das muitas frentes abertas para conter seu ímpeto autoritário e genocida.
Foi buscar logo os mais experientes. Convencionou-se falar em “Centrão”, mas é bom dar nomes aos bois. Hoje, quem faz a cabeça do presidente em primeiro lugar não são os militares, alquebrados pela forma como as Forças Armadas foram desgastadas pelo delírio golpista do presidente, nem Paulo Guedes, cuja agenda liberal foi solapada pela crise da pandemia e pelo populismo que o chefe vai adotando sem cerimônia, nem os malucos ideológicos, dos quais o “capitão” parece que vai se cansando.
O conselheiro-geral da República se chama Gilberto Kassab, preside o PSD, avalizou dois ministros em um mês, ajudou a calar a matraca presidencial e – milagre dos milagres – ainda escapa incólume da artilharia dos filhos e dos fanáticos da internet.
Surpreendente, mas não para o personagem em questão. Kassab foi vice de José Serra na chapa para a Prefeitura de São Paulo em 2004 e virou prefeito quando o tucano foi disputar o governo, dois anos depois. Contra todas as apostas, foi reeleito em 2008, derrotando a ex-prefeita Marta Suplicy e o ex-governador Geraldo Alckmin, cuja teimosia em disputar o cargo rachou a aliança PSDB-DEM.
Dessa fissura começou a ser gestado o plano de Kassab de ter o próprio partido, ao qual dedicou seu segundo mandato. Se em 2010 ainda manteve a aliança com Serra, passou os quatro anos do primeiro mandato de Dilma Rousseff num processo de aproximação com o PT que lhe rendeu o Ministério das Cidades no segundo mandato da petista.
Dali saiu em 15 de abril de 2016, exatos dois dias antes de o impeachment ser aberto na Câmara. Um mês depois, assumia o Ministério de Ciência e Tecnologia de Michel Temer, a mais rápida metamorfose política até para a exótica política brasileira.
Em 2018, se aliou ao antes arqui-inimigo Alckmin e se aproximou de João Doria, de quem recebeu logo na transição a Casa Civil, pela lealdade. Virou alvo de inquérito na Lava Jato e a nomeação foi “congelada”, em outra peripécia desse personagem sui generis na política nacional: está há 550 dias licenciado sem vencimentos de uma pasta que nunca ocupou! Isso no governo do maior adversário atual do novo “brother”, o presidente Bolsonaro.
Graças a Kassab, Bolsonaro nomeou Fábio Faria para as Comunicações, neutralizando as bobagens que o voluntarioso Fábio Wajngarten vinha fazendo. Faria já começou um trabalho silencioso de aproximação com os veículos de mídia que o presidente se esmerou em ter como inimigos. Também foi do novo ministro o conselho para que o presidente diminuísse suas declarações, que quase sempre produziam uma nova crise para si mesmo em meio à maior pandemia do século.
Percebendo o efeito concreto da aproximação com o Centrão em geral e com Kassab em particular, Bolsonaro acelera no caminho que, a seu ver, pode evitar sua única preocupação como presidente: a de perder o mandato.
A escolha de Renato Feder vai nessa linha, e os olavistas fazem piti para tentar derrubá-lo antes de assumir. Se Bolsonaro ceder ao lobby da ala histérica e começar a rifar o Centrão pragmático, voltará a correr riscos. Esse pessoal, Kassab à frente, não esquenta lugar em governo condenado a cair e sente o gosto de sangue na água.
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