- Folha de S. Paulo
Mercado supõe que gasto e política econômica voltem ao que eram no pré-pandemia
O país estará mais pobre e o governo estará mais endividado, mas depois da calamidade do vírus o plano de política econômica não deve mudar: não se admite nem é provável que mude. É o que parece implícito nas projeções de economistas do setor privado, do “mercado”, e explícito na conversa do governo. Não deixa de ser uma espécie de otimismo, um “vida que segue”, apesar do desastre.
Na média, as estimativas econômicas parecem pressupor que o gasto extra do governo federal neste ano (“Orçamento de guerra”) será quase eliminado no ano que vem: auxílios emergenciais e de salário, adiamentos de impostos, ajuda a estados e municípios, despesas com saúde. É um talho da ordem de R$ 450 bilhões. É algo equivalente à despesa anual com salários de servidores, benefícios para idosos e deficientes (BPC), Bolsa Família e investimento.
Está previsto que a economia crescerá uns 3,5% e implícito ainda que o teto de gastos será mantido e que a receita do governo federal praticamente volta ao nível de 2019. É o que se depreende das estimativas da praça para o déficit federal, dando-se de barato que “o mercado” não prevê aumento de impostos, bidu.
Para que se respeite o teto, não será possível nenhum programa de renda básica que eleve despesas. Se sair um “Renda Brasil”, esse novo pacote teria de ser pago com cortes de gastos em outras áreas, o que demanda alterações em leis ainda neste ano.
Manter o teto reduziria ainda mais o investimento público “em obras”; deixaria os gastos com saúde e educação no piso. A fim de compensar o aumento inevitável de certas despesas obrigatórias, seria preciso limitar outro gasto, provavelmente salário de servidores.
Parece pressuposto que o fim do auxílio emergencial e complementos de salário será compensado por aumento da soma dos rendimentos do trabalho (“massa”) a partir do terceiro trimestre. Imagina-se que estados e municípios conseguirão pagar salários e fornecedores em 2021.
Plausível? Um corte de quase meio trilhão de reais no gasto público seria compensado por aumento de despesa privada? Isto é, pelo gasto derivado do aumento do total de salários e do crédito, além daquele que sobreviria por causa do consumo represado, pois a poupança de parte das famílias aumentou (não perderam renda e gastaram menos).
A dívida pública teria crescido para um nível horrível, mas ficaria estável pelos próximos anos, dadas as previsões de crescimento, manutenção do teto e taxa básica de juros baixa —ficaria baixa porque o programa fiscal seria o mesmo e haveria “reformas”.
Na saída da recessão de 2014-16, o nível de emprego (pessoas ocupadas) levou três anos para ir do fundo do poço ao pico anterior. O emprego formal jamais se recuperou, assim como a receita do governo (como proporção do PIB, descontado o maná do leilão de petróleo de 2019). Setores que mais ajudaram na recuperação do emprego depois da recessão são ainda os mais afetados pela epidemia (serviços).
É muito incerto se auxílio emergencial ainda fará efeito na economia depois de acabar, em setembro (quando houve o caraminguá do FGTS, ajudou, mas passou rápido).
A baixa do investimento público vai arruinar ainda mais nossa infraestrutura (deve limitar algum investimento privado também). A longa e mortífera epidemia deve limitar a confiança de trabalhar e consumir.
Enfim, parece pressuposto que Jair Bolsonaro continuará quieto, que haverá acordão político-judicial para deixá-lo no cargo e que o povo aceitará mais pobreza em paz.
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