Já conhecemos os resultados das eleições em 5.276 municípios. Restam 57 disputas que ficaram para serem decididas em segundo turno. Como acontece, de quatro em quatro anos, cientistas políticos, analistas da imprensa, articulistas e lideranças políticas começam imediatamente a tentar interpretar qual é o “recado das urnas”. Como se as eleições municipais fossem uma espécie de antessala ou prefácio das eleições gerais seguintes.
É evidente que os resultados realçam um determinado espírito reinante na opinião pública nacional. Mas “devagar com andor que o santo é de barro”. É preciso perceber o caráter contraditório dos números; decifrar a essência escondida atrás das aparências; entender que as eleições municipais têm predomínio de temas locais; atentar para as diferenças entre pequenas, médias e grandes cidades; observar que a matemática política é diferente da lógica aritmética; e, que a realidade histórica é dinâmica e mutante. Há na maioria das análises um verdadeiro “tour de force” para construir ilações a partir dos resultados eleitorais locais sobre quem são os vitoriosos e os derrotados no plano nacional. Mais uma vez, “prudência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém”.
O
primeiro equívoco central desta armadilha analítica é, além de traços gerais do
sentimento da sociedade no momento, tentar enxergar tendências avançadas sobre
o cenário para 2022. Como se as eleições municipais tivessem alta carga
ideológica, o que só é verdade marginalmente nas grandes cidades, e que
candidaturas presidenciais ou de governadores dependessem de uma sólida base
municipalista previamente consolidada. Nada melhor para testar teses políticas
que confronta-las com a realidade. Não é preciso ir longe: qual era a base
municipal que tinham Collor, Bolsonaro, Witzel ou Zema? Como explicar que o
PSDB tenha tido em 2016 seu melhor resultado em eleições municipais e seu pior
resultado nacional em 2018? Não é preciso dizer mais. Como disse certa vez
Ulysses Guimarães: “Vossa Excelência, o fato”.
Outro
erro fundamental: não perceber que a realidade é dinâmica e muda e raciocinar
com a simples aritmética e não com a análise política-histórica. Cansei de ver
tabelas e análises que tiravam suas conclusões a partir da variação percentual
entre 2016 e 2020. E aí prevalece a análise de elevador: tal sigla ou líder
sobe, outros descem. Ledo engano. Será que é difícil enxergar que entre 2020 e
2016 existiram 2017 e 2018? Ou não houve uma escalada crescente com o
impeachment de Dilma, recessão, desemprego, Lava Jato, JBS, intensa cobertura
da mídia, que desmoralizou o quadro partidário que sustentou a Nova República e
catapultou Bolsonaro de 7% para 22% nas pesquisas de opinião e resultou numa
eleição disruptiva? A variação aritmética de desempenhos partidários não
registra isso.
O
Brasil tem quase 148 milhões de eleitores. Apenas três partidos tiveram mais de
10 milhões de votos (MDB, PSDB e PSD). Ou seja, em torno de 6,7% dos votos
nacionais, o que é pouco e revela uma inequívoca pulverização. Apenas cinco
partidos fizeram mais de 400 prefeitos e mais de quatro mil vereadores (MDB,
PP, PSD, PSDB e DEM). Aí, juntas e misturadas, Serra da Saudade em
Minas Gerais com seus 941 eleitores e São Paulo com mais de 8 milhões de
eleitores. O presidente da República sequer tem partido. Portanto, todo o
cuidado é pouco com análises precipitadas. Voltarei, por sua relevância, ao
assunto na próxima
semana.
*Marcus Pestana, ex-deputado
federal (PSDB-MG)
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