Espancamento
homicida ergue símbolo contra o descaso no Dia da Consciência Negra
Se
nos Estados Unidos a morte infame de George Floyd deu início a uma onda
nacional de protestos, aqui João Alberto Silveira Freitas foi o nome do Dia da
Consciência Negra. Na véspera, ele foi brutalmente
espancado por seguranças de um supermercado Carrefour em Porto Alegre —até
morrer.
A
proximidade da data ergueu um símbolo propício a evitar que o enésimo homicídio
de pessoa negra resvale novamente para o descaso induzido, mas nunca
justificável, por estatísticas macabras que só fazem avolumar-se.
Beto,
como era chamado, não é, não pode ser, só mais um nome a pesar na nossa
inconsciência.
Se
as circunstâncias do episódio ainda
precisam ser apuradas com todo o rigor, não há como desconsiderar o
racismo que perpassa a sociedade brasileira, pelo excesso de vidas que destruiu
e destrói.
Os
dados sobre a violência impedem que se ignore o tema. Pretos e pardos, as
classificações do IBGE amalgamadas no conceito de negro, são três quartos das
vítimas de assassinatos, embora perfaçam 56% da população do país.
Desigualdade,
desemprego e moradias precárias, fatores que afetam tanto negros como não
negros, não parecem suficientes para elucidar o fato de que a incidência de
mortes violentas segue trajetórias divergentes nos dois grupos.
Enquanto
caía a taxa geral no país, de 2008 a 2018, a de negros assassinados saltou
11,5%; em paralelo, a de não negros recuou 12,9%.
Segundo
o Atlas da Violência 2020, 67% das vítimas de feminicídio são pretas e pardas.
Repete-se o sinistro padrão desigual: aumento de 12,4% em homicídios de
mulheres negras, queda de 11,7% entre não negras. São pretas e pardas, ademais,
80% das pessoas transexuais mortas com violência.
As
reações à morte de João Alberto, impulsionadas por imagens revoltantes da
agressão covarde, proporcionam algum alento —e a esperança de que os
responsáveis não saiam impunes. A conduta da empresa encarregada da segurança
do supermercado e a do próprio Carrefour também precisam ser devidamente
investigadas.
Sempre
se poderá discutir quais são as políticas públicas mais adequadas para o
enfrentamento da discriminação pela cor, mas decerto entre elas não está o
negacionismo do governo Jair Bolsonaro —expresso pelo vice-presidente, Hamilton
Mourão, segundo o qual não existe
racismo no Brasil.
Existe
e está na pauta do país, provavelmente por muitos anos ainda. Este é um dia de
indignação.
Vícios
de origem – Opinião | Folha de S. Paulo
Covas
liga Boulos ao PT, e psolista une tucano a Doria; fragilidades têm motivo
Uma
das estratégias mais comuns de um candidato em segundo turno é buscar reduzir
sua rejeição no eleitorado e, tanto quanto possível, potencializar a do
adversário. Assim procederam, em entrevistas à Folha, Bruno Covas
(PSDB) e Guilherme
Boulos (PSOL), que travam em São Paulo a disputa mais vistosa
das eleições municipais.
Em
busca da reeleição, o prefeito tucano afirma que a cidade “vai vencer os
radicais”, sem nominá-los. Ao mesmo tempo, associa Boulos, um líder do
movimento dos sem-teto, e o PSOL ao PT: os dois partidos teriam “a mesma matriz
ideológica” e “atuação conjunta”.
Covas
explora, claro, o antipetismo encontrado em amplas proporções entre os
paulistanos. Em outubro, segundo o Datafolha, 54% dos eleitores da cidade
declaravam que não votariam em um nome apoiado pelo ex-presidente Lula.
O
psolista, que moderou o discurso na campanha, procura responder a
questionamentos sobre suas promessas de gastos vultosos e, em especial, sobre a
declaração desastrada em que apontou a contratação de mais servidores como meio
de elevar a arrecadação previdenciária do município.
A
tarefa seria mais fácil se o PSOL —originado de uma ala dissidente do PT que se
recusou a apoiar a reforma da Previdência proposta por Lula em 2003— não
tivesse um histórico de apoio a teses temerárias do ponto de vista fiscal.
Do
lado tucano, a fragilidade mais evidente é ninguém menos que o governador João
Doria, de quem Covas foi vice e cujo apoio sua campanha trata de minimizar.
Como
aponta Boulos, Doria suscita ainda mais rejeição do que o líder petista na
capital, no limite da margem de erro da pesquisa Datafolha. Nela, 60%
rechaçavam a hipótese de votar em um candidato endossado pelo governador.
Este
abandonou prematuramente o mandato na prefeitura, que usou como trampolim para
conquistar o governo do estado —e sua ambição notória é, de fato, a
Presidência. Na campanha de 2018, esforçou-se para vincular seu nome ao de Jair
Bolsonaro, hoje seu rival.
“Covas
é o candidato da continuidade, ele é sócio de Doria nesse projeto”, diz Boulos.
Para incômodo do prefeito, nem mesmo se vê projeto claro ou uma marca da gestão
a ser apresentada na campanha. O pacote de privatizações perdeu o protagonismo
de quatro anos atrás, e as esperadas melhoras na zeladoria não se fizeram
notar.
Permanecem
os múltiplos problemas da metrópole, ora agravados pela pandemia, que já
desafiaram direita, esquerda e centro. Na busca pelo volátil voto paulistano, o
recurso não raro é apresentar-se como a alternativa menos ruim.
Uma vereança mais plural – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
bancada feminina na Câmara Municipal paulistana foi ampliada para 13 vereadoras
e corresponderá a 23% das 55 cadeiras. Ainda é pouco, mas é um avanço.
A eleição municipal deste ano promoveu uma bem-vinda ampliação da representatividade de segmentos da sociedade paulistana na Câmara Municipal. O total de mulheres eleitas, por exemplo, foi recorde. No domingo passado, os paulistanos elegeram 13 vereadoras, 2 a mais do que em 2016. A partir do ano que vem, a bancada feminina no Palácio Anchieta corresponderá a 23% do total de 55 cadeiras. Ainda é pouco, considerando que as mulheres compõem 53% da população da cidade de São Paulo, de acordo com o IBGE. Mas é um avanço. Nos últimos oito anos, a presença feminina na Casa aumentou 116%.
Entre
as novas vereadoras, a mais votada foi Erika Hilton (PSOL), a primeira mulher
negra e transexual a ser eleita para o Poder Legislativo municipal. A presença
de vereadores negros também foi levemente ampliada em relação ao último pleito.
Há quatro anos, oito vereadores se autodeclaravam pardos (14% do total) e dois,
pretos (3%). A partir de 2021, pretos e pardos corresponderão a 20% do total de
vereadores da capital paulista (11 vereadores, 1 a mais do que em 2016). Ainda
segundo o IBGE, cerca de 38% da população de São Paulo afirma ser negra, o que
mostra que ainda há um caminho a ser percorrido para que haja uma representação
mais equânime.
O
reflexo da diversidade de uma sociedade no Poder Legislativo é um dos mais
expressivos sinais de vigor democrático. É verdade que não apenas mulheres e
negros, mas também outros estratos da multicultural sociedade de São Paulo,
fortemente marcada pela riqueza da presença de imigrantes de mais de 70 países,
ainda estão sub-representados no Parlamento local. No entanto, a sociedade
paulistana dá mostras inequívocas de que busca cada vez mais se reconhecer nos
representantes que elege.
Uma
pesquisa realizada pelo Ibope para o Estado e a TV Globo revelou que
nada menos do que 82% dos paulistanos se declaram favoráveis ao aumento de
candidaturas de mulheres e negros para cargos políticos na cidade. Por outro
lado, a pesquisa também mostrou que 56% dos paulistanos desconhecem iniciativas
que estimulam o maior engajamento de mulheres e negros em atividades políticas.
De acordo com a legislação eleitoral, por exemplo, os partidos políticos devem
ter pelo menos 30% de candidaturas femininas.
A
bem da verdade, incentivos legais como esse ajudam, sobretudo quando se está
diante de um quadro de sub-representação política que vem de há muito tempo, e
por razões históricas. Mudar esse quadro leva tempo. Mas, sozinhas, essas
políticas não bastam. É necessário que a própria sociedade, por meio de suas
mais variadas formas de associação, crie mecanismos para estimular maior
participação dos cidadãos nas atividades políticas, sobretudo em nível
municipal.
Outra
questão, tão ou mais importante, não pode ser desconsiderada. Maior
representatividade dos diversos segmentos sociais no Legislativo, por si só,
não é garantia de adoção de políticas públicas mais abrangentes. A política,
como se sabe, requer disposição para o diálogo, para a concertação da
multiplicidade de interesses em jogo numa sociedade. De nada adianta a chegada
de representantes de setores da sociedade ao Parlamento se eles se mantiverem
aferrados às agendas ditas identitárias e não abrirem espaço para as
negociações próprias da política que visam ao bem comum. Uma coisa é ter
clareza sobre princípios e projetos políticos. Outra, bem distinta, é a
inflexibilidade que advém de uma incompreensão de que qualquer sociedade abarca
as mais distintas visões político-ideológicas. Não se legisla e tampouco se
governa para bolhas.
A
cidade de São Paulo tem muito a ganhar com uma vereança mais plural. É salutar
que as diferenças que marcam – e enriquecem – uma cidade como São Paulo sejam
debatidas no locus mais apropriado para isso, que é a Câmara
Municipal. Os paulistanos esperam que tanto os novos vereadores como os que se
reelegeram tenham em alta conta a enorme gama de desafios da maior cidade do
País e trabalhem para tornar melhor a vida dos 12,3 milhões de pessoas que aqui
vivem.
Um governo perdido – Opinião | O Estado de S. Paulo
Para
buscar reeleição, é preciso antes exercer de fato o mandato conquistado nas
urnas.
O presidente Jair Bolsonaro tem descuidado de tarefas básicas de um governo, como a articulação política para a aprovação das leis orçamentárias. Além de dificultar a retomada de que tanto o País precisa, essa omissão naquilo que é o cerne de um governo – definir prioridades e atuar em consonância – leva o governo Bolsonaro a perder qualquer resquício de identidade. Na segunda-feira passada, por exemplo, o ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, general Luiz Ramos, foi ao Twitter comemorar, como se fossem próprios, resultados eleitorais de partidos do Centrão. Descumprindo suas tarefas e se esquecendo de suas promessas, o governo agora se assume como o próprio Centrão.
Segundo
o general Luiz Ramos, a esquerda, e não o bolsonarismo, foi a grande derrotada
das eleições de domingo passado. O argumento de sua tese é de que “os partidos
aliados às pautas e ideais do governo Bolsonaro saíram vitoriosos”. O general
referia-se a PSD, PP, DEM e MDB.
É
uma mudança e tanto. Em 2018, os partidos do Centrão eram, nas palavras do
general Heleno, a “materialização da impunidade”. Na ocasião, o atual chefe do
Gabinete de Segurança Institucional chegou a parodiar um famoso samba,
cantando: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. A letra original diz
“ladrão”, em vez de Centrão. Agora, são esses partidos os grandes aliados das
pautas e ideais do governo Bolsonaro.
Sem
rumo, o governo não faz o que lhe cabe. Nesta semana, o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a insistir na urgência de votar a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 186/19, que foi apresentada pelo Executivo no fim
do ano passado. Ao prever mecanismos para reduzir despesas públicas, a PEC
Emergencial é fundamental para diminuir o déficit primário, permitir a
realização de despesas sociais e assegurar o Orçamento de 2021.
No
entanto, o governo federal faz vista grossa ao tema, como se ele não fosse de
sua responsabilidade. Governar exige decisões difíceis e, perante elas, o
presidente Jair Bolsonaro tem manifestado uma paralisia desconcertante. Ao
falar do papel do Executivo na coordenação da pauta de votações, Rodrigo Maia
lembrou que “o governo não pode transferir ao Poder Legislativo decisões que
cabem a quem venceu as eleições”; no caso, as presidenciais de 2018.
Como
se sabe, partidos do Centrão – justamente alguns daqueles que o general Luiz
Ramos chama de grandes aliados do governo – têm obstruído a pauta de votação da
Câmara dos Deputados, bem como impedido a instauração da Comissão Mista de
Orçamento (CMO). Contrariando acordo entre os partidos da base feito em
fevereiro, o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), deseja agora um nome
alinhado ao Centrão na presidência da comissão.
O
impasse tem causado atrasos importantes. O Congresso ainda não votou a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021. O
governo não terá base legal para realizar nenhum gasto discricionário em 2021
se a LDO não for aprovada, bem como o Orçamento. Trata-se, portanto, de ponto
essencial para o governo federal. No entanto, sem aparentar nenhuma preocupação
com esses detalhes – que deveriam ser prioridade do País e do próprio Executivo
federal –, o presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares preferem fustigar
partidos de esquerda valendo-se de resultados eleitorais do Centrão.
Se
o governo Bolsonaro está tão interessado nas eleições de 2022, alimentando
desde já intrigas com seus supostos inimigos, deveria ouvir o alerta do
presidente da Câmara. “Olhando para 2022, eu penso que tem coisas mais
decisivas do que até o próprio resultado eleitoral (de domingo passado). Os
próximos meses no Parlamento para o governo federal terão peso muito maior do
que o resultado das eleições de 2020”, disse Rodrigo Maia. Parece óbvio, mas é
preciso recordar. Para buscar eventual reeleição, antes é preciso exercer de
fato o mandato conquistado nas urnas em 2018. Já se vai a hora de governar.
Bolsonaro, risco para o agro – Opinião | O Estado de S. Paulo
Ação
do presidente ameaça o agronegócio, fator de segurança contra crise cambial.
Com US$ 85,84 bilhões de vendas externas e superávit de US$ 75,46 bilhões, o agronegócio manteve no azul o comércio exterior brasileiro. Suas transações mais que compensaram o déficit de outros setores e garantiram o saldo comercial de US$ 47,66 bilhões no período de janeiro a outubro. Liderada pela China, a Ásia foi o principal destino das exportações brasileiras de origem agropecuária, tendo absorvido mercadorias no valor de US$ 46,28 bilhões. Com importações de US$ 13,86 bilhões, a União Europeia ficou em segundo lugar, posição já ocupada em outros anos. Tudo isso ocorreu apesar da desastrosa diplomacia conduzida pelo presidente Jair Bolsonaro.
Desprezando
ou ignorando os interesses nacionais, o presidente brasileiro continua seguindo
fielmente seu líder americano, Donald Trump. Com essa obediência, pôs em risco
o relacionamento do Brasil com vários países do Oriente Médio, importantes
compradores de produtos brasileiros. Alinhou-se à Casa Branca nas disputas com
o governo chinês, tomando partido de forma absolutamente desnecessária. Não
cabe a Brasília entrar numa disputa entre dois dos maiores parceiros comerciais
do País.
Há
poucos dias esse erro foi repetido, na conferência de cúpula do Brics, quando o
presidente Bolsonaro assumiu, perante os chefes de governo da Rússia, da China,
da Índia e da África do Sul, as críticas de seu mestre Donald Trump à
Organização Mundial da Saúde (OMS), à Organização Mundial do Comércio (OMC) e à
ordem multilateral.
Para
os outros chefes de governo, a reunião de cúpula do Brics pode ter sido apenas
um desperdício, talvez uma desagradável perda de tempo. Para o presidente
brasileiro, foi mais uma ocasião de manifestar fidelidade a seu líder e de confrontar,
de novo, os governos defensores de uma séria agenda ambiental.
O
governo brasileiro, segundo Bolsonaro, poderia apontar os países importadores
de madeira extraída ilegalmente da mata brasileira, como se o atual governo
brasileiro jamais houvesse facilitado a derrubada ilegal de árvores e a
exportação irregular. Os dois pecados, como lembrou imediatamente a imprensa
nacional, foram cometidos na gestão Bolsonaro.
Em
vez de assumir, afinal, a defesa da Amazônia e de outros biomas sujeitos à
devastação de grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, o presidente
insiste em manter uma posição rejeitada por brasileiros conscientes e
responsáveis e amplamente condenada fora do Brasil.
Ao
manter essa posição, o presidente Bolsonaro compromete a imagem da
agropecuária, vinculando-a à devastação ambiental. A grande produção rural
brasileira, eficiente e competitiva, é realizada majoritariamente em outras
áreas e de forma ambientalmente responsável. Mas muitos milhões de estrangeiros
ignoram esse e outros dados da geografia e da economia brasileiras e podem ser
convencidos, muito facilmente, do caráter devastador do agronegócio brasileiro.
Ao
insistir em sua política ambiental, o presidente Bolsonaro, ajudado pelos
ministros de Relações Exteriores e do Meio Ambiente, favorece concorrentes do
agronegócio nacional e seus interesses protecionistas. Esse protecionismo é
politicamente forte na Europa. Os governos locais, mesmo os mais favoráveis ao
comércio aberto, dificilmente poderiam opor-se aos protecionistas, nesse caso,
quando o presidente brasileiro contesta os valores ecológicos internacionais,
nega informações conhecidas de todos e trata a devastação como se fosse questão
de soberania.
Bastaria
um mínimo de percepção dos interesses nacionais para qualquer pessoa rejeitar a
política do presidente, mas ele age como se fosse incapaz de atingir esse
mínimo. Mais que uma fonte de dólares e de ocupações, o agronegócio é um fator
de segurança econômica para o Brasil. Tem sido uma proteção contra crises
cambiais, já experimentadas de modo muito doloroso em outros tempos. Mas o
presidente talvez nem saiba o sentido dessas palavras ou tenha um mínimo
conhecimento das vicissitudes já vividas pelo Brasil. Nesse sentido, pelo
menos, é um inocente.
A relevância dos debates cresce no segundo turno – Opinião | O Globo
Frente
a frente, os candidatos devem aproveitar o tempo maior para expor ideias, não
para fazer ataques
Numa
campanha curta como a deste ano, apenas duas semanas para a escolha no segundo
turno de prefeitos de 57 cidades, o debate ao vivo pela televisão se torna
ainda mais importante. Pode servir, em alguma medida, para mitigar o tempo
perdido em virtude da pandemia.
A
primeira condição para o bom debate é óbvia: os candidatos têm de atender às
boas normas da educação e pôr o foco na discussão de propostas — o que
interessa ao eleitor. Não foi o que se viu na noite de quinta-feira, no Rio, no
primeiro embate, transmitido pela Band, entre o prefeito Marcelo Crivella
(Republicanos) e o candidato Eduardo Paes (DEM), que tenta voltar a governar a
capital fluminense pela terceira vez.
Acusações
de corrupção de lado a lado, xingamentos de “mentiroso”, ataques pessoais
ocuparam um tempo que deveria ter sido usado na explanação das propostas.
Algumas chegaram até a ser apresentadas, mas de forma esparsa, desconexa, entre
ironias ácidas (e inúteis) de parte a parte.
É
verdade que a empreitada de Crivella é difícil — nas primeiras pesquisas Ibope
e Datafolha, ele aparece 30 pontos percentuais ou mais atrás de Paes. No
desespero, ele não tem conseguido resistir às apelações. Mas a agenda de
problemas que angustiam os cariocas é ampla. Mereceria uma abordagem objetiva.
Algumas das mazelas são encontradas em todo o país, como a saúde pública diante
da possibilidade de nova onda da Covid-19, a educação, a segurança (que exige
interação entre prefeitos e governadores) e assim por diante.
Outros
problemas são específicos de quem já foi capital federal e recebeu o impacto da
transferência do poder a Brasília, agravada pela degradação da política local e
da contaminação pelo populismo, ainda por cima com o fortalecimento do crime
organizado. Não faltariam, enfim, questões a debater de modo civilizado.
Foi
o que fizeram, em São Paulo, Bruno Covas (PSDB), prefeito candidato à
reeleição, e Guilherme Boulos (PSOL) em seu primeiro embate, transmitido
segunda-feira pela CNN Brasil. Sem deixar de haver confrontos, o debate foi
civilizado e objetivo, com a exposição clara de ideias. Questões concretas
foram abordadas de forma direta e clara: o manejo do lixo da cidade, habitação
popular, criação de empregos, saúde, transporte público, drogas e a
cracolândia. Sem prejuízo de estocadas políticas naturais em campanhas, os dois
deram um exemplo de como é possível, mesmo em tempos de polarização tóxica,
manter um debate civilizado, sem golpes abaixo da linha da cintura.
Os
debates que ainda ocorrerão no Rio, em São Paulo e noutras capitais, em
particular o debate final que será transmitido pela TV Globo, oferecem uma
oportunidade especial para abordar agendas locais, pelos mais diversos ângulos,
considerando o momento difícil do país. A insegurança da população é grande. Os
candidatos ao segundo turno e os debatedores devem levar em conta essa
circunstância. Debates existem para informar o eleitor, não para dar um show
particular e ganhar curtidas nas redes sociais.
É lastimável o desempenho brasileiro na testagem em massa para Covid-19 – Opinião | O Globo
Ninguém
conseguiu usar aqui a principal arma para combater o vírus e evitar a paralisia
econômica
Uma
nova onda da pandemia se aproxima — sem que a anterior tenha passado —, e o
Brasil continua a apresentar desempenho lastimável na principal arma para
conter o vírus e, ao mesmo tempo, evitar a paralisia econômica: a testagem em
massa. Como revelou reportagem do GLOBO, o país alcançou apenas um quinto da
meta do Ministério da Saúde: aplicar 24,6 milhões de testes neste ano. Os
testes diários caíram de 34,4 mil em agosto para 28,6 mil em outubro, bem aquém
do objetivo de 70 mil.
Já
era um objetivo tímido demais. Levaria os testes de 135 a cada milhão de
habitantes para ao redor de 330 — patamares ridículos perto de países como
Estados Unidos (51.700), França (3.900), Reino Unido (4.600), Alemanha (2.400)
ou mesmo Colômbia (572). Outro indicador importantíssimo em que o Brasil passa
vergonha é a taxa de testes positivos. Quanto mais alta, mais se testa apenas
para diagnosticar e menos para prevenir o contágio. Aqui, 31% dos testes dão
positivo, ante 12% nos Estados Unidos e 8% no Reino Unido — taxas já altas se
comparadas a menos de 2% na Coreia do Sul ou 0,1% no Vietnã. Testar só quem
apresenta sintomas, como fazemos, é uma temeridade quando se trata de controlar
uma epidemia que se espalha por meio de assintomáticos.
Um
estudo publicado esta semana no “New England Journal of Medicine” traz um
exemplo de como os testes ajudam a controlar a doença. Todos os que trabalham
no porto chinês de Qingdao, possível porta de entrada para o vírus, são
testados a cada duas semanas. Recentemente foram descobertos dois casos
positivos, imediatamente isolados num hospital especializado. Dias depois, o
vírus foi descoberto em pacientes de outro hospital (todos os internados lá são
testados). Descobriu-se a conexão com um taxista, casado com uma enfermeira do
primeiro hospital. Como havia o risco de ele ter contaminado passageiros, as
autoridades decidiram testar toda a população da cidade. Foram quase 11 milhões
de testes em menos de quatro dias, mais que o dobro do que o Brasil aplicou
desde o início da pandemia.
É
por isso que o porto continua a funcionar, não há lockdown, e a economia
chinesa voltou a crescer. Países como China, Coreia do Sul, Japão ou Alemanha
já entenderam faz tempo a relevância da testagem em massa, acompanhada do
rastreamento dos contatos e isolamento dos casos suspeitos.
Já são nove meses de pandemia, e nada semelhante passou pelo radar de nenhum governante brasileiro (com exceções pontuais, como São Caetano, no ABC paulista). Não é à toa que o país do negacionista Jair Bolsonaro segue impávido como um dos piores exemplos globais no combate à Covid-19: quase 170 mil mortos — e contando
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