O
assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, casado, pai de quatro
filhos e negro
Subiu
o preço das ações do Carrefour no fechamento da Bolsa de Valores de São Paulo.
O motivo, segundo analistas do mercado financeiro: os maiores fornecedores de
produtos da rede de supermercados não reagiram ao assassinato de João Alberto
Silveira Freitas, 40 anos, negro, espancado até morrer por dois seguranças do
Carrefour na Zona Norte de Porto Alegre.
Em
pronunciamento de cinco minutos, Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande
do Sul, só chamou o morto pelo nome uma vez. Falou em “excesso de violência”
como causa da morte, o que permite concluir que se não tivesse havido excesso
seria um episódio menor. Disse que “os excessos serão apurados”. E por duas
vezes referiu-se ao ato como “crime” e “fato lamentável”.
No
início da tarde, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República,
lamentou a morte de João, mas negou que exista racismo no Brasil:
“Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem
importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não
tem racismo”. O presidente Jair Bolsonaro escreveu no Twitter perto da meia-noite:
“O
Brasil tem uma cultura única entre as nações. Somos um povo miscigenado.
Brancos, negros, pardos e índios compõem o corpo e o espírito de um povo
maravilhoso. […] Aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e
promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra nossa
própria história. Quem prega isso está no lugar errado. Seu lugar é no lixo!”
Qual
será o lugar de quem tratou a pandemia como gripezinha, prescreveu remédio que
não curava a doença, e nega tudo o que o contraria? Em aparições públicas
passadas, Mourão referiu-se a negros como “pessoas de cor”, associou indígenas
a “certa herança de indolência” e revelou ter um neto bonito devido ao
“branqueamento da raça”. Presidente e vice se merecem.
Fazem
parte do currículo de Bolsonaro as seguintes declarações:
–
Ele [o deputado Hélio Lopes, negro] demorou pra nascer e deu uma queimadinha.
–
Eu não aceitaria ser operado por um médico cotista.
–
Não sou racista. Tenho até um cunhado negro.
–
O afrodescendente mais leve pesava sete arrobas [sobre os quilombolas].
Informa
o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: a quantidade de mortes entre pessoas
de pele preta ou parda cresceu 33% entre 2007 e 2017. Entre não negros, subiu
apenas 3,3%. Ou seja: dez vezes menos. Em 2019, a cada 100 pessoas assassinadas
no Brasil, 75 eram negras. A chance de um jovem negro ser assassinado é 2,7
vezes maior do que a de um jovem branco.
Nos
Estados Unidos, os negros representam 13% da população, mas são 25% dos mortos
pela polícia. No Brasil, a soma de pretos e pardos representam 55%, mas são 75%
dos mortos pela polícia. Ainda que a população norte-americana seja maior que a
brasileira, a polícia de lá matou no ano passado 1.099 pessoas. A de cá, em
igual período, 5.804, quase seis vezes mais.
No
país que foi o último das Américas a abolir a escravidão, a soma dos deputados
federais eleitos há dois anos que se autodeclaram pretos (21) e pardos (104)
cresceu 5%. Os brancos são 75% da Câmara. Há uma indígena. Somente daqui um
quarto de século o quadro de juízes no país será composto por, pelo menos,
22,2% de pessoas negras e pardas, segundo o Conselho Nacional de Justiça.
A
primeira transmissão da televisão no Brasil ocorreu há 70 anos. Desde então, e
por curto período de tempo, o país teve um negro como dono de uma concessão de
TV, de acordo com uma pesquisa da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. O jornalista Roberto Marinho foi até hoje o mais poderoso empresário da
área de comunicação. Sabem como a ele se referiam seus desafetos?
Africano
(alcunha criada por Assis Chateaubriand, fundador do Grupo Diários Associados);
Neguinho (Leonel Brizola, uma vez governador do Rio Grande do Sul, duas do
Rio); Crioulo (Manoel Francisco do Nascimento Brito, dono do Jornal do
Brasil); e Marinho Quase Negro (Carlos Lacerda, o político que derrubou dois
presidentes da República, Getúlio Vargas e Jânio Quadros).
Em
2018, pretos e pardos eram apenas 13,5% dos jornalistas em postos formais no
estado de São Paulo, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos. Ganhavam, em média, salários 30,4% menores do que os
pagos aos colegas brancos. Em 2019, homens negros não passavam de 2% dos
colunistas da Folha, O Estado de São Paulo e O Globo.
“Não
há como concorrer de igual para igual quando não se tem oportunidades de vida
iguais”, observou a primeira colocada no vestibular para medicina da
Universidade de São Paulo em 2017. E acrescentou: “A casa-grande surta quando a
senzala vira médica”. Se a senzala não se rebela, a casa-grande jamais
reconhecerá seus direitos – entre eles, o da igualdade.
A segregação, no Brasil, é social, racial e, como tudo aqui, dissimulada.
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