Lula
x Bolsonaro
Folha
de D. Paulo
Datafolha sobre 2022 mostra liderança do petista no pior momento do mandatário
Embora
a dimensão da liderança de Lula seja algo surpreendente, era previsível que o
ex-presidente assumiria protagonismo nas pesquisas após a anulação de suas
condenações por corrupção e lavagem de dinheiro. O PT, não é demais lembrar,
foi ao segundo turno nas últimas 5 eleições presidenciais, das quais saiu
vitorioso em 4.
A
volta por cima do provável candidato do partido ocorre num momento
especialmente negativo para Bolsonaro —logo depois de recordes trágicos de
infecções e mortes provocadas pelo novo coronavírus, durante uma CPI que expõe
os desmandos de seu governo na gestão da pandemia e com inflação e desemprego
em níveis elevados.
Não por acaso, a aprovação ao presidente, que nunca foi majoritária no eleitorado, caiu ao menor patamar desde o início de seu mandato. Consideram a gestão boa ou ótima apenas 24%, ante 30% em março. Já a reprovação se manteve estável, oscilando de 44% para 45%.
Deve-se
considerar, entretanto, que há tempo para mudanças de cenário. O avanço da
vacinação, por exemplo, pode propiciar uma situação menos desconfortável para a
retomada de atividades econômicas e sociais hoje represadas. Esses resultados
tendem a favorecer o governante —mesmo que ele seja um negacionista
irresponsável.
As
potenciais opções a um embate entre Lula e Bolsonaro em 2022 não apresentam,
até agora, números animadores. O Datafolha registra, em patamar bem inferior,
um embaralhamento de possíveis candidaturas situadas no espectro ideológico que
vai do centro à direita.
O
governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que ganhou destaque com a produção
da Coronavac, reúne apenas 3% das intenções de voto; o ex-ministro Sergio Moro,
de Justiça, marca 7%.
É
obviamente cedo para descartar novidades no quadro. Constata-se, de todo modo,
que nenhum dos antecessores de Bolsonaro aptos a disputar a reeleição se
mostrava tão fraco a esta altura do mandato.
Violência de volta
Folha
de S. Paulo
Cena
política contribui para reavivar os ataques entre israelenses e palestinos
A
violência voltou a eclodir em Jerusalém e Gaza. Um conflito mais intenso ou
prolongado não interessa aos principais atores, mas isso não significa que o
pior cenário esteja descartado no Oriente Médio.
O
atual ciclo de confrontos surgiu de uma justaposição de fatores quase banais.
Neste ano, a Noite do Decreto, o ponto alto do mês sagrado do Ramadã, quando os
muçulmanos jejuam de dia e se reúnem nas ruas no período noturno, coincidiu com
o Dia de Jerusalém, em que os judeus celebram a conquista da cidade na guerra
de 1967.
Houve,
além disso, um rumoroso caso judicial, em que a Suprema Corte poderia restituir
a famílias judaicas propriedades num bairro árabe de Jerusalém Oriental. A
Suprema Corte, por causa da violência, adiou a decisão, mas isso não bastou
para reduzir a tensão.
O
problema aqui é a própria lei, considerada injusta por permitir a famílias
judaicas que provem posse de propriedades anterior a 1948 retomar as terras,
mas sem estender esse direito a famílias palestinas na mesma situação.
Acrescente-se
a isso o advento de redes sociais que estimulam jovens palestinos a lançar
pedras contra forças de segurança israelenses e um chefe de polícia
inexperiente.
Até
aí, nada de tão extraordinário para Jerusalém. O que adicionou combustível à
fagulha foi a situação política. Na feliz expressão de Thomas Friedman, do New
York Times, há um vácuo em que a Autoridade Nacional Palestina se mostra
incapaz de fazer uma eleição, e os israelenses estão tão divididos que não
param de fazer eleições.
Com
efeito, Mahmoud Abbas, o presidente da ANP, foi eleito em 2005 para um mandato
que acabaria em 2009, mas nunca deixou o cargo. Havia prometido novas eleições
agora, mas cancelou o pleito.
O
Hamas, que provavelmente venceria, não gostou e, para mostrar que exerce a
liderança de fato, reagiu à violência em Jerusalém disparando mais de 150
foguetes de suas bases em Gaza contra Israel, que respondeu com bombardeios.
O
premiê israelense Binyamin Netanyahu também caminha numa corda bamba. Ele acaba
de fracassar na tentativa de formar um novo governo após o pleito de março, o
quarto inconclusivo nos últimos dois anos. É a vez de seus adversários
centristas tentarem. Se conseguirem, Netanyahu pode perder o cargo após 12 anos
no poder.
Corre
também o risco de parar na cadeia, já que está sendo julgado sob acusação de
corrupção.
O Brasil e a OCDE
O
Estado de S. Paulo
Nunca
o momento foi mais oportuno para o Brasil se tornar uma voz persuasiva na
missão da OCDE: “Melhores políticas para melhores vidas”
Em conferência organizada pela USP, o secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, discorreu sobre “O papel da OCDE no mundo sob e depois da pandemia”. Naturalmente, o encontro ensejou uma discussão sobre o papel do Brasil, e foi especialmente oportuno no momento em que o País se encontra em processo de adesão à organização.
Como
outras instituições multilaterais, a OCDE nasceu no pós-guerra, inicialmente
para organizar a ajuda financeira dos EUA à Europa. A partir dos anos 60,
tornou-se o que é hoje: um fórum de discussão de políticas públicas, incluindo
países como Japão, Nova Zelândia, Israel e nações do Leste Europeu e América
Latina. Hoje tem 37 membros – que representam 80% do comércio e investimento
mundial – e 5 parceiros-chave, incluindo o Brasil.
Comumente
chamada (não raro com um toque de acidez) de “Clube dos ricos”, a OCDE é mais
exatamente um clube de melhores práticas baseadas em evidências. Por meio de
seus estudos econômicos, suas articulações para combater a evasão fiscal e suas
análises educacionais, ela foi crucial para modernizar os padrões de governança
global.
Na
gestão de Gurría dois desafios ganharam proeminência: a transição para
economias de baixo carbono e o desenho de novos quadros de tributação para a
economia digital. Tendo permanecido 15 anos à frente da OCDE, Gurría
transmitirá o comando em junho para o ex-ministro das finanças australiano
Mathias Cormann. Como mexicano, Gurría tem uma particular sensibilidade para os
desafios do Brasil.
Após
décadas de colaboração, o País formalizou sua solicitação de acesso em 2017. É
um passo natural: o Brasil está entre as maiores economias do mundo e é a 2.ª
maior democracia do Ocidente – com efeito, a 2.ª maior do mundo, desde que,
como muitos entendem, a Índia se transformou numa autocracia. Entre os seis
candidatos, “o Brasil tem uma vantagem enorme”, considerou Gurría. “Ele já está
na família, como um primo que passou do 3.º grau para o 2.º e o 1.º – o Brasil
já está na ‘cozinha’.” Dos 245 instrumentos legais da OCDE, o País já aderiu a
93 e está em processo de adesão a 50 – os demais estão em processo de adaptação.
De
pronto, o maior benefício no ingresso é um “selo de qualidade” para o mercado
internacional altamente favorável ao ambiente de negócios. Segundo o Ipea, a
entrada do Brasil pode aumentar em 0,4% o PIB anual. Além disso, o País terá
voz ativa nos debates sobre padrões e implementações de políticas públicas.
Ante
reformas desafiadoras, o Brasil tem muito a se beneficiar dos quadros técnicos
da OCDE em questões relacionadas à racionalização da tributação, o combate à
corrupção, a capacitação do funcionalismo ou a qualificação da educação. Gurría
enfatizou ainda os desafios da digitalização do mercado de trabalho.
Outro
desafio capital é o meio ambiente, “a questão intergeracional mais importante
de nosso tempo”, disse Gurría. “Com 60% da Floresta Amazônica em suas
fronteiras, e abrigando a maior biodiversidade do mundo, o Brasil pode liderar
a reformulação e a reconstrução de nossa economia global de forma mais verde,
resiliente e inclusiva.” A redução imediata do desmatamento é decisiva tanto
para o ingresso do Brasil na organização como para seu protagonismo dentro
dela.
Como
outras organizações nascidas após a destruição da guerra, a OCDE tem um novo
desafio na reconstrução pós-pandemia. Diferentemente das suas “irmãs”, ela não
tem um poder real – não empresta dinheiro, como o FMI, nem arbitra disputas,
como a OMC. Mas isso lhe garante uma peculiar flexibilidade ante as
transformações globais e liberdade ante as pressões geopolíticas, conferindo
credibilidade ao seu verdadeiro poder: o aconselhamento e a persuasão. Após a
degradação política e econômica promovida pela gestão petista, ora agravada
pelo governo Bolsonaro, nunca o momento foi mais oportuno para o Brasil atentar
a esses conselhos e se tornar, ele mesmo, uma voz persuasiva na missão da OCDE:
“Melhores políticas para melhores vidas”.
Pá de cal
O
Estado de S. Paulo
China
avança mais um degrau na escalada de ataques à liberdade em Hong Kong
A ditadura chinesa jogou uma pá de cal no que ainda havia de liberdade e democracia em Hong Kong. O presidente Xi Jinping sancionou uma alteração na Lei Básica, espécie de Constituição honconguesa, mudando dramaticamente o sistema eleitoral vigente na ex-colônia britânica. O objetivo é impedir que candidatos de oposição ao poder central em Pequim sejam eleitos, seja lá quando eleições voltarem a ocorrer na ilha. A mudança foi aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional do Povo.
Pequim
passará a ter poder de veto sobre toda e qualquer candidatura em Hong Kong por
meio de análise prévia de um “comitê revisor”, cuja atribuição será avaliar
quão “patriota” é determinado candidato. O verdadeiro “patriota”, é claro, será
todo aquele que, obsequiosamente, não representar um obstáculo aos interesses
do Partido Comunista Chinês.
A
líder de Hong Kong, Carrie Lam, afirmou que “apoia fortemente” a mudança na
legislação eleitoral imposta por Pequim. Dissesse outra coisa, é certo que não
estaria no cargo. “Pessoas que têm visões políticas diferentes, que têm maiores
inclinações democráticas ou são mais conservadoras, que pertençam à esquerda ou
à direita, poderão concorrer, desde que cumpram este requisito fundamental e
básico (ser ‘patriota’)”,
disse Lam, com a desfaçatez que bem cabe a uma títere do regime chinês.
Já
na chamada comunidade internacional, a mudança foi duramente criticada. O
secretário de Estado americano, Antony Blinken, acusou a China de “violar
direitos humanos e aniquilar a democracia em Hong Kong”. Para a União Europeia,
a medida tem “consequências negativas de longo alcance para a democracia”. O
ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab, acusou o governo
chinês de “violar claramente a Declaração Conjunta Sino-Britânica”, de 1984,
pacto para devolução da ex-colônia britânica à China, efetivada em 1997.
A
drástica mudança no sistema eleitoral de Hong Kong, que, na prática, elimina a
oposição na política local, insere-se num contexto de estrangulamento das
liberdades que vem se acentuando desde 2019, quando honcongueses irromperam às
ruas contra as reiteradas violações ao pacto “um país, dois sistemas” por parte
do governo chinês, cada vez mais agressivo.
Os
protestos foram reprimidos a ferro e fogo na região autônoma sob a égide de uma
draconiana Lei de Segurança Nacional que foi aprovada a toque de caixa
justamente com o propósito de conter atos de “terrorismo”, “subversão” e
“conluio com forças externas”, como quaisquer protestos por democracia e
liberdade em Hong Kong passaram a ser classificados pelo governo de Pequim.
De
acordo com a legislação eleitoral recém-sancionada por Xi, o Comitê Eleitoral,
que hoje já escolhe o líder de Hong Kong e é composto por membros pró-Pequim,
também passará a selecionar quem pode e quem não pode concorrer a cargos no
Poder Legislativo. A medida fere de morte o modelo “um país, dois sistemas”,
que, a rigor, deveria vigorar até 2047, de acordo com o pacto firmado entre o
Reino Unido e a China há quase 40 anos.
O
recrudescimento das ações de Pequim para cercear as liberdades em Hong Kong por
certo pautará as relações entre China e Estados Unidos. Em sua primeira reunião
do G-7 como presidente dos Estados Unidos, em fevereiro, Joe Biden
posicionou-se como o porta-voz dos valores democráticos em contraposição ao que
chamou de “embate entre democracias e autocracias”, aludindo às tensões
políticas e militares com países como a China e a Rússia.
Longe
do isolacionismo que marcou a política externa dos Estados Unidos sob Donald
Trump, Biden restabeleceu a importância da cooperação internacional para lidar
com “os grandes desafios do século 21”, entre os quais a inarredável defesa dos
valores democráticos, contestados em várias partes do mundo.
De
fato, se algo pode deter os impulsos liberticidas como os de Pequim, é a
pressão da comunidade internacional.
Mais um recorde de desmatamento ilegal
O
Estado de S. Paulo
Governo
Bolsonaro é colecionador de recordes negativos de devastação da Amazônia
No fim de abril, envolto por uma névoa de desconfiança da comunidade internacional, o presidente Jair Bolsonaro participou da Cúpula sobre o Clima, liderada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Não era para menos. Uma das marcas de sua caótica administração é o absoluto descaso pelas políticas de proteção do meio ambiente, o que custou ao Brasil o soft power conquistado nesta seara após décadas de trabalho árduo, tanto no combate aos desmatamentos ilegais como na construção de um arcabouço legal tido como referência mundial.
Em
que pese o inoportuno pedido de dinheiro às nações estrangeiras para executar
uma tarefa soberana do País – combater crimes ambientais tipificados pela
legislação brasileira cometidos em território nacional –, o discurso de Bolsonaro
na Cúpula sobre o Clima foi considerado positivo pelos compromissos que o
presidente brasileiro assumiu diante de suas contrapartes. Mas a retórica do
presidente, por si só, não tem o condão de recuperar a confiança no Brasil,
abalada por suas mesmas palavras e atitudes. Passa da hora, portanto, de seu
governo mostrar resultados. Mas a realidade depõe contra as supostas intenções
de Bolsonaro.
Após
o governo prometer dobrar as ações de fiscalização de desmatamentos ilegais na
Região Amazônica e fortalecer os órgãos de controle, como o Ibama e o ICMBio, o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou relatório revelando
novo recorde de área desmatada na região. De acordo com os dados capturados
pelo satélite Deter B, uma área de 581 km² – equivalente a 58 mil campos de
futebol – foi desmatada ilegalmente no mês passado, um recorde de destruição
para o mês de abril desde o início da série histórica, em 2015.
Este
nefasto resultado corresponde a um aumento de 42% do desmatamento ilegal em relação
a abril de 2020 (407 km²). Mas, na prática, o desmatamento ilegal pode ter
provocado um dano ambiental ainda mais severo. A organização Observatório do
Clima alertou para o fato de que 26% da Amazônia estava encoberta por nuvens no
período de aferição, o que significa que desmatamentos ocorridos nesta área
invisível para o Deter B não foram registrados. O que já é muito ruim pode ter
sido, na verdade, pior.
O
governo Bolsonaro é um colecionador de recordes negativos de devastação da
Floresta Amazônica. Não foram poucas as ações divulgadas pelo governo com o
objetivo de reverter o avanço dos crimes ambientais, até mesmo a criação de um
conselho presidido pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Não
obstante, o que se vê pelas imagens de satélite é o crescimento do número de
crimes ambientais, o que põe em xeque a seriedade do governo para cumprir as
promessas que faz. Tão grave é a situação que o ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, foi alvo de uma queixa-crime apresentada pela Polícia Federal
(PF) ao Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar seu suposto envolvimento com
madeireiros que promovem desmatamento ilegal.
Ao
contrário do que foi prometido, o Ibama e o ICMBio foram privados de recursos
financeiros e humanos para executar ações de fiscalização contra crimes
ambientais; servidores que manifestam posições que desagradam ao governo são
alvo de retaliações, como a instauração de processos administrativos.
Não
é de agora que servidores do Ibama têm denunciado o enfraquecimento do sistema
de autuação por crimes ambientais. As regras contidas numa Instrução Normativa
Conjunta, publicada no dia 14 de abril e assinada por Salles e pelos
presidentes do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e do ICMBio, Fernando Lorencini,
paralisaram as autuações por crimes ambientais em todo o País. Servidores de
ambos os órgãos têm pedido exoneração diante da deliberada política de
enfraquecimento institucional patrocinada pelo ministro do Meio Ambiente.
Se
Bolsonaro pretende ser levado a sério não só pela comunidade das nações, mas,
principalmente, pela sociedade brasileira, é bom mudar radicalmente sua
política para a proteção ambiental, a começar pela troca de ministro. A ver se
terá disposição para uma coisa ou outra.
Wajngarten expõe negligência do governo no combate ao vírus
O
Globo
Por mais que tenha tentado blindar o presidente Jair Bolsonaro e seu ex-ministro Eduardo Pazuello das acusações de omissão no combate à pandemia, o ex-secretário de Comunicação do Planalto Fabio Wajngarten, em seu depoimento tenso à CPI da Covid ontem, acabou por expor ainda mais a negligência do governo. Embora tenha feito malabarismos, Wajngarten não conseguiu explicar por que exatamente um secretário de Comunicação assumiu negociações para a compra de vacinas da farmacêutica Pfizer, que deveriam estar a cargo do Ministério da Saúde, mantido à margem da questão.
Evasivo,
Wajngarten foi contraditório em relação à entrevista à revista “Veja”, em que
atribuía à incompetência do Ministério da Saúde o atraso na compra de vacinas da
Pfizer. Na CPI, elogiou o ex-ministro Pazuello, dizendo que ele foi “corajoso”
ao assumir a pasta. O depoimento irritou os senadores. O presidente da CPI,
Omar Aziz, perdeu a paciência: “Por favor, não menospreze a nossa inteligência,
porque ninguém aqui é imbecil”. O relator, Renan Calheiros, chegou a pedir a
prisão do depoente: “O espetáculo de mentiras aqui hoje não abrirá precedente”.
O pedido não foi aceito, mas a CPI remeterá o depoimento ao MPF para apurar se
Wajngarten mentiu. A sessão foi suspensa depois de um bate-boca em que o
senador Flávio Bolsonaro chamou Renan de “vagabundo”.
Na
parte substantiva, Wajngarten confirmou que a Pfizer enviara em 12 de setembro
carta ao presidente Jair Bolsonaro, ao vice Hamilton Mourão e aos ministros
Pazuello, Paulo Guedes (Economia) e Braga Netto (Casa Civil, na época).
Oferecia opção de compra da vacina, solenemente ignorada pelo governo — que só
assinou contrato com a Pfizer seis meses depois.
Embora
a farmacêutica demandasse celeridade, em vista da alta demanda, Wajngarten
afirmou ter respondido quase dois meses depois, por iniciativa própria. Em 17
de novembro, reuniu-se com o CEO da farmacêutica, Carlos Murillo, sem
participação do Ministério da Saúde. Nada foi falado, disse Wajngarten, sobre
quantidade ou cronograma. Ele participou de mais dois encontros. Negou que em
qualquer momento tenham sido oferecidas 70 milhões de doses. Disse que a
quantidade era “vexatória”, perto de 500 mil.
O
depoimento de Wajngarten contrastou com o do presidente da Anvisa, Antonio
Barra Torres, na véspera. Barra Torres causou constrangimento ao Planalto por
criticar atos de Bolsonaro que não seguem protocolos sanitários. Apesar da
proximidade, não fez concessões, mostrando afastamento em relação às ações
estapafúrdias do presidente. Entre outros pontos, condenou o uso da cloroquina
contra a Covid-19 e defendeu máscaras e distanciamento social.
Apesar
de não ter sido o que os senadores esperavam, o depoimento de Wajngarten
fornece fatos importantes à CPI. Mostra, no mínimo, que o governo desprezou
oferta preciosa para adquirir a primeira vacina a demonstrar eficácia contra
Covid-19 ainda no ano passado. Nem se interessou em responder a carta. E os
impeditivos alegados à época são ridículos. Porque, quando interessou, por
absoluta falta de doses para os brasileiros, o governo fechou acordo. Mas era
tarde demais. A negligência custou milhares de vidas que poderiam ter sido
salvas. Como resultado, a posição do governo na CPI fica a cada dia mais
enfraquecida.
É inadmissível que universidades públicas corram risco de fechar
O Globo
Em artigo publicado semana passada no GLOBO, a reitora e o vice-reitor da UFRJ, Denise Pires de Carvalho e Carlos Frederico Leão Rocha, afirmaram que a universidade terá de paralisar as atividades em julho, em virtude da falta de verbas. Situação semelhante vivem as universidades federais em São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Juiz de Fora e Brasília.
O
orçamento liberado até agora para gastos discricionários das federais é de R$
2,6 bilhões, equivalente ao total de 2004, quando elas eram 51 instituições e
tinham menos da metade do 1,3 milhão de alunos que se distribuem hoje por 69.
Mesmo se liberada a verba retida, o total chegaria a R$ 4,3 bilhões, patamar de
2006, quando havia 54 universidades. Nos últimos 11 anos, houve corte de 37%
nas despesas discricionárias, que incluem pagamento das contas de água, luz,
segurança, além de bolsas de estudo e programas de auxílio estudantil.
Exemplo
do aperto é a Unifesp, Universidade Federal de São Paulo. Seu orçamento foi
cortado em 20%, e, na redistribuição das verbas, restaram apenas R$ 21,1
milhões para o custeio básico: contas de luz, água, limpeza, manutenção e
segurança, suficientes, como na URFJ, apenas até julho.
É
uma lástima que tenham sido sucateados os centros produtores de ideias e
conhecimentos, essenciais não só para o futuro do país, mas no próprio presente.
Evidente que é preciso socorrer com urgência as universidades federais, para
que não se interrompam cursos nem pesquisas e atividades fundamentais neste
momento de pandemia.
Deve-se
entender, contudo, que a situação atual resulta da opção por um modelo de
gestão errado, em que os gastos com ensino e pesquisa produtivos acabam
pressionados pelo crescimento vegetativo da folha de pagamento de funcionários
da ativa e aposentados. Até hoje as universidades públicas resistem a práticas
comuns em instituições privadas ou no exterior, como remuneração atrelada a
produtividade e desempenho, garantia de estabilidade apenas às categorias em
que ela é essencial para manutenção da independência acadêmica e outras medidas
que permitiriam liberar recursos para usar onde são necessários.
O
resultado, segundo o último relatório de educação da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com dados de 2017, é que o
gasto público com ensino superior aumentou 85% no Brasil entre 2005 e 2017. O
Estado brasileiro investe 1,1% do PIB em educação universitária, 10% acima da
média da OCDE. Dos gastos totais do governo, 3,6% são destinados ao ensino
superior, ante média de 2,1% na OCDE e 1,8% — metade — na União Europeia.
Desse
total, 71% representam despesa com pessoal, ante média de 67% na OCDE. Claro
que é essencial garantir recursos para a sobrevivência imediata das
universidades federais. Mas é urgente, também, que elas próprias entendam que
não há como um estado em crise fiscal aguda manter o nível de financiamento nos
padrões a que se habituaram. Será preciso rever esse modelo — e é bom começar
logo.
O buraco negro das emendas do relator do orçamento
Valor
Econômico
O
subterfúgio das emendas do relator abre vasta avenida para a corrupção
A
tragicomédia da montagem do orçamento de 2021, aprovado no fim de março,
ratificou uma anomalia exótica: as emendas do relator geral que, pelo segundo
ano consecutivo, foram superiores à soma das emendas das bancadas estaduais,
dos deputados e senadores e das comissões. A novidade consolidou o avanço do
Legislativo sobre a definição de recursos orçamentários e a entrega a um
parlamentar de poder para determinar a seu bel prazer ou a de seus aliados o
destino de cerca de um terço de todo o dinheiro que sobra após os gastos
obrigatórios do Estado. Para que tanto poder e tanto dinheiro? Isso ficou claro
com o uso de um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões, obviamente para comprar
influências e aliados para o governo, além de equipamentos superfaturados, como
revelou o jornal O Estado de S. Paulo.
A
instituição das emendas do relator e seus extravagantes recursos foi feita em
2019, com a inclusão de R$ 30 bilhões para tal finalidade. O governo esperneou,
vetou a trama e o Congresso não derrubou o veto porque conseguiu bom quinhão do
que propusera, R$ 20 bilhões. A posteriori, essa concessão ajuda a iluminar os
motivos pelos quais o Centrão, capitaneado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL),
ofereceu seus bons préstimos a um governo politicamente desorientado, e, por
decisão própria, sem elos no Congresso. A tática de Bolsonaro de não criar
vínculos partidários no Legislativo foi um desastre, que revelou que os riscos
dessa atitude eram graves - cresceram as ameaças de impeachment.
Pelas
informações publicadas por O Estado de S. Paulo, pode-se deduzir que não havia
apenas promessas de ganhos futuros na parceria com o Centrão, mas pagamentos
antecipados e de bom vulto. Cada deputado tem direito de indicar emendas de R$
10 milhões, mas as do relator em 2020, Domingos Neto (PSD-CE), brindaram com R$
175 milhões o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), com
R$ 151,7 milhões o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no
Congresso, R$ 98,5 milhões para o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre
(DEM-AP), sempre evasivo diante de confrontos entre o Congresso e o presidente,
e R$ 50 milhões a Arthur Lira.
As
emendas individuais têm destinação e montante determinados, as de bancadas
estaduais e comissões não tem teto e as do relator, só teto e nenhuma
transparência. Deputados e senadores enviaram ofícios, principalmente ao
Ministério do Desenvolvimento, solicitando envio de verbas para obras
determinadas. Boa parte desses recursos foram enviados à Codevasf, comandada
pelo Centrão. Houve razoável concentração na compra de máquinas agrícolas por
preços superiores aos de mercado.
A
Codevasf já tinha sido objeto de acerto político do Centrão com o governo.
Ganhou suspeita envergadura em setembro, quando o presidente Jair Bolsonaro
sancionou projeto que estendia as atribuições da empresa das bacia do São
Francisco e Parnaíba para as do Amapá, Amazonas e Pará. Obviamente, aumentou a
necessidade de superintendências e cargos, a serem preenchidos pelos aliados de
Bolsonaro. Elmar Nascimento (DEM-BA), que indicou o presidente da companhia, e
relator da MP que cria condições para a privatização da Eletrobras, mudou o
texto original que previa dinheiro só para a revitalização do São Francisco e
reservatórios de Furnas e incluiu Maranhão e Piauí. O controle dos recursos,
que seria feito por comitê gestor criado pelo Executivo, foi transferido para a
Codevasf.
Um
Orçamento impositivo votado pelo Congresso é um fato nas democracias avançadas.
No Brasil, porém, o processo das emendas impositivas iniciou-se pelas mãos do
deputado Eduardo Cunha, possivelmente com as intenções que o levaram à cadeia
depois de comandar o impeachment de Dilma Rousseff. Em geral o Executivo exerce
seu poder para ter influência sobre os recursos em troca de apoio no
parlamento. Bolsonaro parece ter deixado o assunto a cargo do Centrão, que tem
mostrado, sob Lira, grande voracidade.
O subterfúgio das emendas do relator reduz o número de interlocutores e intermediários, favorece o segredo, centraliza verbas e, sem qualquer transparência, abre vastas avenidas para a corrupção. Em campanha, Bolsonaro mostrou que sabia o que o Centrão havia feito no passado e repudiou-o. Agora lava as mãos ou dá seu aval a expedientes que podem comprometê-lo no futuro, associá-lo a eventuais escândalos e aniquilar suas chances eleitorais, barrando a reeleição de quem prometeu acabar com a corrupção no país.
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