Se
governo não agir, espaço fiscal será menor, diz Claudio Considera
Indicadores
econômicos menos piores do que se previa em março levaram, nas últimas semanas,
a um processo de alta nas projeções de crescimento do país neste ano. A
estimativa média do mercado passou de 3,04% de expansão do Produto Interno
Bruto (PIB) em 2021 para em torno de 3,2%, no espaço de um mês. Casas como XP
Investimentos e Itaú ficaram mais otimistas e já anunciaram novos números,
vendo expansão da ordem de 4%.
No
governo, os dados mais recentes colocaram tendência de alta na estimativa
atual, de 3,2%. Não está garantida, porém, uma revisão já no próximo relatório
bimestral, a ser divulgado neste mês. A mudança pode ficar para depois, quando
houver mais números disponíveis, como o PIB do primeiro trimestre.
De qualquer forma, esses primeiros meses do ano foram melhores do que se esperava para a atividade. Um número positivo para o período já não é mais uma hipótese distante, na avaliação do governo. A tese do abismo fiscal (“fiscal cliff”) de grande parte dos economistas, que era rebatida enfaticamente pela equipe econômica, não se confirmou. Ao contrário.
Em
março, porém, o país caiu no abismo da segunda onda da covid. Com os governos,
em especial o federal, mostrando-se ineptos na gestão da pandemia, as mortes
chegaram a superar a assombrosa marca de 4 mil por dia. Isso forçou medidas
mais duras de restrição de atividades em grande parte do país.
Mesmo
assim, a queda na economia não se mostrou tão grande quanto a ocorrida no
início da pandemia. O governo também começou nova rodada de medidas de combate
aos seus efeitos econômicos, em volume bem menor do que em 2020.
A
visão na área econômica, é que, se não houver ruídos mais relevantes e a
vacinação tiver bom ritmo, a tendência é o câmbio se valorizar, a inflação cair
e o PIB “decolar” neste ano.
Apesar
do cenário um pouco melhor para o PIB em 2021, ainda é bastante necessário ter
cautela para se analisar a economia nacional. Em especial quando se olha um
pouco mais à frente. Há incertezas relevantes. O Banco Central tem subido
juros, as fragilidades fiscais permanecem e, em breve, o calendário eleitoral
vai pesar.
Olhando
tanto a projeção do Focus, como a dos mais otimistas para este ano, bem como a
do próprio governo, permanece a visão geral de que o crescimento não será
grande coisa em 2022. Algo entre 2% e 2,5%. É muito pouco para um país que
passou por duas graves recessões e tem alta ociosidade produtiva. Dados do
governo apontam um “hiato do produto” em torno de 4%.
Esse
número se torna ainda mais preocupante à luz de dados como os de inatividade
dos trabalhadores. Reportagem da jornalista Edna Simão, do Valor, com base
em estudo do Ipea, mostra que não só o desemprego e o desalento estão bem mais
altos, mas que esse drama é pior para mulheres e pessoas não brancas.
Desanimador.
O
economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, levanta dúvidas sobre qual será
o ritmo da economia tanto no curto, como no longo prazo. Para este ano, aponta,
uma grande questão é sobre o ritmo de vacinação e se haverá ou não uma terceira
onda da pandemia no país. “É uma doença ainda muito presente e trazendo riscos.
Se não houver terceira onda que atrapalhe a recuperação do segundo semestre, a
gente consegue crescer em torno de 3% ou um pouco mais”, disse ao Valor.
Para
o horizonte mais longo, o economista lembra que o país tem vulnerabilidades,
como a questão fiscal (endividamento alto e déficit primário), bem como taxas
de poupança e investimentos muito baixas. E a incerteza política, com eleições
à vista e dúvidas sobre qual será o rumo da gestão econômica a partir de 2023,
embaralham ainda mais o cenário. “A questão fiscal mal resolvida significa
taxas de juros de longo prazo longa e acaba atrapalhando também o
investimento”, disse.
Ele
ressalta que o componente doméstico do crescimento está ruim, tanto que muitas
empresas estão deixando o país, embora no lado externo, por causa da alta das
commodities, há uma ajuda importante. “Precisamos de solução mais integrada
entre o lado doméstico e o externo.” Vale projeta para 2022 expansão de apenas
1,8% para o PIB, devido à alta de juros e incerteza eleitoral.
O
pesquisador-associado do Ibre FGV e ex-secretário de Acompanhamento Econômico
do Ministério da Fazenda no governo FHC, Claudio Considera, e a economista
Juliana Trece mostram bem o quadro dramático em que se encontra a economia
nacional. Em texto publicado no Blog do Ibre, eles evidenciam que o país hoje
está pior do que em 2011.
“Ao
longo da última década, o PIB retraiu R$ 92 bilhões, ou seja -1,2%, e, como a
população cresceu no mesmo período (10,1%), o valor do PIB per capita
reduziu-se em R$ 4.024 (...). Na década, o consumo das famílias aumentou apenas
R$ 126 bilhões e o consumo per capita reduziu-se em R$ 1.563”, dizem.
Eles
questionam sobre até quando o país ficará “inerte crendo que as reformas e o
ajuste fiscal serão suficientes para retomar o crescimento e o emprego”. De
fato, apesar de uma série de reformas, o país não cresceu a contento. “Já é
tempo de perceber que não haverá crescimento econômico espontâneo e que o
Estado tem que agir engendrando políticas econômicas que induzam o crescimento
e o emprego num movimento virtuoso”, salientam.
Ao Valor Considera
foi mais direto e ressaltou que o Estado precisa induzir o crescimento, por
meio de gasto público direto em setores como construção civil. “A construção
tem efeitos muito fortes. Isso provoca mais emprego, mais renda e gera ciclo
virtuoso”, disse, citando áreas como saneamento. “O governo precisa gastar
dinheiro nessas coisas”, completou.
Ele
citou o plano Biden de investimentos públicos nos Estados Unidos como
referência e rebateu a ideia de que a restrição fiscal impediria o Brasil de
agir nessa direção. “Se não fizer algo desse tipo, o espaço fiscal vai diminuir
ainda mais”, disse, explicando que, se o crescimento não for retomado em bases
mais fortes por mais tempo, a arrecadação não terá um bom desempenho e o quadro
fiscal vai se agravar.
São visões diferentes para um mesmo desafio: crescer mais e por muito tempo. E isso depende primeiro de o governo parar de brincar com as vidas brasileiras, acelerar a vacinação e se tornar fonte de tranquilidade em diversas frentes - política, sanitária, econômica, ambiental -, e não de constante ruído e inquietação.
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