As
verbas que Bolsonaro distribui aos parlamentares sinalizam descontrole político
Qualquer
o nome que se dê ao monte de dinheiro que Bolsonaro entrega
a parlamentares amigos, do ponto de vista político equivale à esperteza de
amarrar uma corda ao redor do próprio pescoço. Desde a redemocratização não há
registro de chefe do Executivo brasileiro que tivesse se rendido dessa forma às
amorfas forças políticas conhecidas como Centrão,
especializadas em manter-se próximas dos cofres públicos.
Desde sempre (tomando 1988 como data-base) o sistema de governo brasileiro opõe uma figura forte (o presidente da República, vencedor de uma eleição plebiscitária) a um Legislativo com extraordinárias prerrogativas (e cada vez mais fracionado e sem coesão ideológica). O instrumento “tradicional” nesse regime, desde sempre, foi a troca de cargos políticos (especialmente os que “furam poços”) e verbas orçamentárias por apoio no Congresso.
É o famoso “toma lá, dá cá”. A “genialidade” política de Bolsonaro consistiu em eliminar o “toma lá”. É o primeiro chefe do Executivo que literalmente entregou aos parlamentares a alocação de recursos via Orçamento – uma ferramenta essencial de exercício do poder já que a outra – a capacidade do Executivo de ditar a agenda política – Bolsonaro não foi capaz de exercer por inaptidão, incompetência, falta de ideias ou tudo isso junto.
Diante
do único horizonte que interessa ao presidente, o de 2022, o “dá cá” ficou bem
definido: é permanecer onde está para disputar a reeleição. O que se perdeu
(assumindo que tivesse existido como plano elaborado) é o “para quê?”. Quem
teve a oportunidade de conversar a sós com Bolsonaro sabe que ele nunca foi
capaz de responder de forma coerente a uma pergunta muito simples: para onde
pretende levar o País?
Não
foi difícil às eminências pardas de plantão na política ocupar o espaço que
Bolsonaro deixou aberto. Talvez a figura mais influente de seu governo hoje
seja a de seu filho, o senador Flavio
Bolsonaro, aliado a um conjunto de figuras que exercem a função de
“consigliere” saídos do que se chamaria das sombras do mundo jurídico, nelas
incluídos advogados e magistrados. Seu poder emana das traficâncias nos
bastidores de tribunais superiores, dando aos ares já pesados dos bastidores da
política em Brasília um forte componente de sordidez.
Cria-se
muita ebulição e efervescência no ciclo de 24 horas de manchetes, mas o quadro
geral é de perda de controle. Sua expressão mais acabada está na sigla “RP9”, a
que identifica no Orçamento as agora famosas “emendas do relator”. Elas não são
outra coisa senão a consagração dos acordos informais entre a cúpula do
Congresso e o Executivo para distribuir a grana do Centrão, que acaba sendo
fatiada numa série de sub-acordos regionais, setoriais e pessoais (com ou sem
superfaturamento) sem centralização ou coordenação – traços evidentes de um
governo desarticulado.
A
descrição eloquente e detalhada desse quadro – o de um governo sem rumo e
projeto digno desse nome, em parte à mercê de palpiteiros – foi até aqui o
principal resultado trazido pelos trabalhos da CPI da pandemia. Os depoimentos
sobre a maneira como o Planalto enfrentou a crise de saúde pública confirmam a
existência de uma “estrutura” (embora não seja formalizada nem organizada)
paralela da qual o presidente faz uso para elaborar decisões que ele gostaria
que fossem tomadas pelas estruturas oficiais de governo e Estado (como o
Ministério da Saúde, por exemplo) – ao mesmo tempo em que presidia a criminosa
omissão coletiva no caso da oferta da Pfizer para compra de vacinas.
Isso tudo tem um nome antigo: vazio de poder. É o que mantém a política brasileira neste momento tão perigosamente imprevisível.
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