Indicadores
censitários são fundamentais para decidir e formular políticas públicas
O
Orçamento público aprovado no final de abril, com atraso e inconsistências
técnicas, compromete o desempenho das políticas públicas no País e cancela, na
prática, os recursos para a realização do Censo 2021. Nos Estados Unidos, o
presidente Joe Biden defende seu ambicioso plano de Estado para os próximos dez
anos; já no Brasil, os formuladores de políticas governamentais promovem
desorganização das contas públicas e desmantelamento de programas de governo
indispensáveis ao desenvolvimento do País.
Soma-se
a esse inadmissível desacerto na condução da política econômica a inepta tese
de que o Orçamento público deve ser decidido pelos parlamentares. Como se o
papel do Executivo fosse somente largar na porta do Congresso Nacional o
principal instrumento de planejamento e gestão do País. Não é admissível que um
governo se exima de governar.
Nossa Constituição federal confere ao Poder Executivo competência privativa para elaborar o Orçamento, em função de metas e prioridades estabelecidas pelo presidente da República. Quando o governo abre mão dessa prerrogativa durante o processo de elaboração do Orçamento, o Parlamento ocupa esse espaço e, por inércia, tende a avançar na alocação unilateral dos recursos públicos, por meio de emendas orçamentárias.
Nota-se
que o governo federal se descompromete das próprias metas e prioridades ao
evitar interações com o Poder Legislativo na fase de discussão do Orçamento.
Por sua vez, os parlamentares têm interesses próprios relacionados às suas
bases eleitorais e locais. Num sistema político-partidário fragmentado, como se
verifica no Brasil, a estratégia do governo, em última análise, compromete a
qualidade do gasto e alimenta o viés deficitário do Orçamento.
Nesse
contexto, o Congresso praticamente excluiu do Orçamento de 2021 a previsão de
recursos para a realização do censo. O relator-geral do Orçamento adotou uma
estratégia conhecida na Esplanada como “inversão de prioridades”: corta-se uma
despesa essencial para financiar outros gastos de prioridade duvidosa, sabendo
que, no fim das contas, haverá forte pressão para recompor a verba cortada.
Sabe-se
que o censo, no Brasil, deve ser realizado a cada dez anos, nos termos do
primeiro artigo da Lei 8.184, de 1991. Nesse sentido, o Supremo Tribunal
Federal, ao ser provocado, decidiu corretamente ao determinar que o governo
tome as providências para realizá-lo neste ano. A Corte julga agora um recurso
da Advocacia-Geral da União contra essa determinação, mas, ao que tudo indica,
os ministros devem manter a decisão anterior.
O
Censo 2021 deve ter prioridade e medidas devem ser tomadas para superar
questões sanitárias. Na ponta do lápis, o custo é irrisório comparado aos
benefícios: gasta-se pouco para lançar mão de dados que ajudam os gestores
públicos a fazer uma alocação melhor e mais eficiente dos recursos públicos.
Trata-se de uma ampla pesquisa que cobre os domicílios brasileiros, com um
retrato detalhado da população – desde quantidade e características das
famílias até o tipo de moradia em que vivem, levando em conta acesso a coleta
de lixo, energia elétrica e transporte público, por exemplo.
Cabe
também observar que o Brasil vem sofrendo transformações substanciais na última
década. São mudanças nos fluxos migratórios e na pirâmide etária do País, por
exemplo, que só podem ser medidas com maior precisão com o censo. E são
indicadores fundamentais para tomada de decisões e formulação de políticas
públicas.
Em
países avançados, o censo é considerado uma ferramenta essencial para o
desenvolvimento. Recentemente tive a oportunidade de acompanhar a manifestação
de um ministro canadense explicando a importância das pesquisas censitárias,
especialmente para o planejamento dos negócios no setor privado e das políticas
públicas mais importantes para as comunidades. Devemos seguir esse caminho,
pondo o censo como instrumento prioritário da administração pública.
Quando
ministro do Planejamento, tive a oportunidade de coordenar a elaboração do
primeiro plano plurianual do governo Fernando Henrique Cardoso. A maioria das
reuniões era realizada no ministério, mas não foram poucas as vezes em que fui
pessoalmente ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), braço direito
na elaboração do plano.
Eram
presença marcante e constante dessas reuniões técnicos da Secretaria de
Orçamento Federal (SOF) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Este, hoje tão desrespeitado e desprestigiado, foi o responsável por
fornecer as estatísticas sobre o acesso da população brasileira aos serviços
básicos, níveis educacionais e outros indicadores que nortearam a definição das
políticas públicas a serem implementadas no Brasil à época.
É
uma pena observar manobras no Orçamento federal que comprometem a realização do
Censo 2021. O governo precisa recuperar seu protagonismo no processo de
elaboração do Orçamento, sinalizando para o Congresso o compromisso com o
planejamento das políticas públicas. Caso contrário, o Orçamento continuará sem
bom censo.
*Senador (PSDB-SP)
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