EDITORIAIS
O poder das saúvas
O Estado de S. Paulo
Enquanto Jair Bolsonaro entretém a plateia com ameaças de golpe, parlamentares manipulam o Orçamento conforme seus objetivos eleitorais
Não é possível imaginar que a aprovação do
escandaloso fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões, embutido no projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), tenha ocorrido sem que o governo no mínimo
soubesse da urdidura.
Na hipótese benevolente, o governo se
omitiu. Nesse caso, as declarações indignadas de Jair Bolsonaro sobre o chamado
“fundão”, supondo-se que sejam autênticas, indicam que o presidente ou não tem
nenhuma autoridade sobre seus articuladores políticos ou escolheu nada saber,
deixando o poder de fato para as saúvas que hoje corroem seu governo.
Em se tratando de Bolsonaro, contudo, é
difícil ser benevolente. Outras hipóteses soam mais plausíveis. Uma delas é a
de que o processo de aprovação do fundão eleitoral no Congresso foi articulado
de modo a diluir as digitais do governo e de seus suseranos do Centrão na manobra,
diante da previsível reação popular negativa.
De quebra, Bolsonaro pode faturar
eleitoralmente com seu poder de vetar o impopular fundão – sem, contudo, fazer
sua base trabalhar para que o veto seja sustentado no Congresso, como já
aconteceu inúmeras vezes. Ou seja, o veto de Bolsonaro é apenas cenográfico.
“O acordo para incluir os R$ 5,7 bilhões
para o fundo no Orçamento foi costurado numa reunião de líderes da base dele
(Bolsonaro), na casa do presidente da Câmara (Arthur Lira), aliado dele, sob coordenação
dos líderes do governo no Congresso e na Câmara. Então, se não fosse o governo
Bolsonaro, não existiria o fundão”, disse ao Estado o vice-presidente
da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que presidiu a sessão em que o fundão foi
aprovado.
Ramos foi atacado por Bolsonaro como se fosse o culpado pela manobra, mas está cada vez mais claro que a responsabilidade, desde sempre, é dos governistas. É o padrão bolsonarista, ditado por um presidente especialista em se livrar de suas responsabilidades, sempre tendo em vista a campanha eleitoral.
Trata-se de método. Bolsonaro deseja
governar de maneira irresponsável, razão pela qual trabalha dia e noite para
enfraquecer as instituições que lhe impõem freios. No entanto, ao menos no caso
do Congresso, a ofensiva dos bolsonaristas fracassou. Eles foram engolidos por
turma mais esperta que eles, a tal ponto que, hoje, o presidente não pode dar
um passo sem pedir a bênção do Centrão.
Nesse arranjo, Bolsonaro vem entregando ao
Congresso partes cada vez maiores do controle sobre o Orçamento. O contrabando
do fundão eleitoral na LDO é um poderoso símbolo dessa renúncia do Executivo,
sob Bolsonaro, à sua função precípua de, antes de mais nada, transformar em
realidade as aspirações nacionais.
Com um Executivo omisso e conivente, o
Orçamento é entregue aos interesses paroquiais dos parlamentares, reduzindo
drasticamente a capacidade de investimento do governo. E essas manobras
orçamentárias ocorrem frequentemente sem qualquer preocupação com higidez moral
e eficiência administrativa.
Como o Estado revelou
recentemente, o governo permitiu que deputados aliados definissem a destinação
de verbas alocadas no Ministério do Desenvolvimento Regional por meio das
emendas do relator-geral do Orçamento. A esse escândalo junta-se outro, também
revelado por este jornal: desde o fim de 2019, primeiro ano do governo
Bolsonaro, os parlamentares dispõem de uma modalidade de repasse de verbas para
prefeituras e governos estaduais que dispensa qualquer justificativa ou
apresentação de projetos. O dinheiro cai direto na conta da administração. Não
à toa, é chamado jocosamente de “Pix orçamentário”.
No ano passado, esse repasse camarada de
emendas individuais sem controle dos órgãos de fiscalização consumiu R$ 621
milhões do Orçamento. Neste ano, o valor saltou para R$ 1,9 bilhão. E os
parlamentares já se movimentam para replicar esse modelo com as emendas
apresentadas por bancadas de partidos, o que elevaria o montante para R$ 12
bilhões neste ano.
Assim, enquanto Bolsonaro entretém a
plateia com ameaças de golpe, parlamentares silenciosamente manipulam partes
cada vez maiores do Orçamento conforme seus objetivos eleitorais. Como o
presidente não governa, dedicando-se apenas a alvoroçar vivandeiras e a bulir
com granadeiros, os oportunistas estão cada vez mais à vontade.
Mudanças para preservar o STF
O Estado de S. Paulo
Iniciativa de lideranças partidárias do Senado deve ser debatida com seriedade
Ao indicar o advogado André Mendonça, de 48
anos, para ocupar a vaga aberta pelo ministro Marco Aurélio no Supremo Tribunal
Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro adotou o mesmo critério que usou na
indicação do juiz Kássio Nunes, de 49 anos, para a vaga do ministro Celso de
Mello. Além de não serem conhecidos por sua sólida formação jurídica, como prevê
a Constituição, Kássio e Mendonça são alinhados com suas aspirações políticas e
prometeram ser fiéis a ele. E, por serem jovens, poderão ficar por pelo menos
25 anos na Corte.
Temendo que o aparelhamento do STF
comprometa sua independência, as lideranças partidárias no Senado estão
discutindo a possibilidade de aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que
estabeleça idade mínima de 50 anos para os indicados e um mandato de 10 anos
para o exercício do cargo. A ideia é evitar que Bolsonaro não apenas tenha
influência prolongada no STF, mas, também, que seus sucessores não possam
indicar novos ministros, o que impediria a renovação da Corte e a modernização
da jurisprudência.
A imposição de idade mínima e um mandato
por tempo determinado numa corte suprema existe em vários países desenvolvidos,
com democracias maduras, como é o caso da Alemanha, Itália e Espanha. No
Senado, medidas como essas vêm sendo discutidas há tempos. Em 2015, por
exemplo, o senador Raimundo Lira (PMDB-PB) propôs que a idade mínima para o STF
fosse de 55 anos, o que, a seu ver, possibilitaria a renovação da Corte. Ainda
em 2015, os senadores Lasier Martins (Podemos-RS), Machado Reguffe
(Podemos-DF), Plínio Valerio (PSDB-AM) e Marta Suplicy (PT-SP) apresentaram
PECs que previam a fixação de mandato e alteravam o processo de indicação dos
ministros. Após ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma
dessas PECs chegou a ser debatida em primeiro turno no plenário.
Em 2019, os senadores Ângelo Coronel
(PSD-BA) e Plínio Valério apresentaram duas novas PECs. Uma estabelecia em oito
anos o mandato de um ministro do STF e outra retirava do presidente da
República a exclusividade da indicação. Entre o fim de 2019 e o início de 2020,
quando todas essas PECs tramitavam na CCJ, o relator, senador Antonio Anastasia
(PSDB-MG), apresentou um substitutivo, condensando algumas delas. Segundo ele,
o mandato de dez anos seria o período mais adequado, “até porque é até maior do
que o que geralmente têm durado os mandatos dos ministros, hoje vitalícios”. Em
relação ao processo de escolha dos ministros, Anastasia manteve a exigência de
lista tríplice prevista por uma das PECs, mas reduziu para apenas três as
instituições que poderiam indicar candidatos – o Judiciário indicaria um magistrado;
a Procuradoria-Geral da República indicaria um procurador; e a Ordem dos
Advogados do Brasil indicaria um jurista.
Reagindo a essas propostas, entre 2015 e
2020 assessores dos inquilinos do Palácio do Planalto alegaram que, por ser uma
cláusula pétrea da Constituição, a indicação de ministros para o STF é uma
prerrogativa exclusiva do presidente da República que não poderia ser revogada.
Anastasia, que é professor de direito público, refutou esse argumento. Em
primeiro lugar, a lista tríplice é usada para todos os demais tribunais
superiores. E, em segundo lugar, as corporações jurídicas sempre defenderam
pluralismo e equilíbrio na escolha dos membros do STF. O processo de depuração
de nomes para a escolha de um ministro de uma corte suprema “tem de ser feito
às claras” e da “forma mais republicana possível”, concluiu.
É com base nessas PECs e no substitutivo de
Anastasia que as lideranças do Senado pretendem recorrer para tentar evitar o
aparelhamento do STF por Bolsonaro. Pela importância da Corte, que tem de ser
isenta e independente por princípio, a iniciativa dessas lideranças deve ser
debatida com seriedade. Ela pode evitar que um presidente que afronta a
Constituição consiga corroer, por meio de suas indicações, a Corte cuja
principal missão é controlar a constitucionalidade das leis. É isso o que está
em jogo.
A omissão do MEC
O Estado de S. Paulo
O ministro cobra uma reabertura segura das escolas sem ter feito nada para isso
Em todo grupo de trabalho escolar há sempre
aquele aluno relapso, que não só não contribui para o resultado da tarefa
coletiva, como critica o que é feito pelos colegas. Em geral, o oportunista não
se constrange por querer obter crédito indevido e ainda se arvora em bedel do
grupo.
Foi mais ou menos assim, como o aluno
insolente, que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, se apresentou à Nação na
noite de terça-feira passada, quando fez um pronunciamento em cadeia nacional
de rádio e TV “conclamando” os brasileiros ao retorno às aulas presenciais.
Classificando esta volta às escolas como uma “necessidade urgente”, Ribeiro
afirmou que “o Brasil não pode continuar com as escolas fechadas, gerando
impacto negativo nestas e nas futuras gerações”.
De fato. Mas o que o Ministério da Educação
(MEC) fez desde o início da pandemia de covid-19 para mitigar o “impacto
negativo” gerado pelo fechamento das escolas? A pergunta é retórica. O MEC não
fez rigorosamente nada, ausente que esteve de toda e qualquer discussão
relevante sobre os efeitos da peste sobre a vida de milhões de alunos, professores,
funcionários e seus familiares em todo o País.
Enquanto teve à frente o ex-ministro
Abraham Weintraub, de lamentável memória, o MEC esteve mais ocupado em travar
sua “guerra cultural” do que em pensar uma estratégia nacional de enfrentamento
da pandemia à luz de seus impactos na educação. Na famigerada reunião
ministerial de abril de 2020, Weintraub não disse palavra sobre a atuação do
MEC na crise sanitária que já dava sinais de agravamento. Em vez disto, pregou
a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Com Milton Ribeiro, a ação do MEC tem sido
pouco diferente. O atual ministro é apenas mais civilizado do que o anterior,
mas a batalha ideológica, que tem sido o norte da atuação de um dos Ministérios
mais importantes da Esplanada, seguiu inabalada. Sob Ribeiro, o MEC virou a
cidadela do ensino domiciliar, também chamado de homeschooling, entre outros
temas de relevância muitíssimo circunscrita, além de agendas claramente
inconstitucionais, como a tentativa de limitar a autonomia das universidades
federais, tidas pelo presidente Jair Bolsonaro como “antros da esquerda”.
A bem da verdade, o pronunciamento de
Milton Ribeiro em rede nacional serviu apenas para lembrar muitos brasileiros
que, ao menos do ponto de vista formal, há um ministro da Educação. Assim como
fazem outras autoridades do governo federal, Ribeiro usou o espaço para fazer
proselitismo, propaganda para o governo federal e tentar justificar a inação do
MEC distorcendo a decisão do STF que apenas fez valer a Constituição ao
reconhecer a competência concorrente da União, dos Estados e dos municípios na
adoção de medidas de enfrentamento da pandemia de covid-19. “Quero deixar claro
que, no Brasil, a decisão de abertura foi delegada a Estados e municípios, não
tendo o governo federal nem poder nem decisão sobre o tema”, disse o ministro.
Mesmo a esta altura, quando o próprio STF, em diferentes ocasiões, já
esclareceu o teor da decisão, a desfaçatez ainda é capaz de causar espanto.
É evidente que a decisão final sobre o
funcionamento das escolas durante a pandemia é de governadores e prefeitos. A
razão é elementar: embora todos tenham sofrido as dores da peste, cada ente da
Federação sofreu de uma forma particular. A vacinação da população, por sua
vez, também tem ocorrido em ritmos diferentes nos Estados e municípios. Isto
não significa dizer, em absoluto, que não competia ao Ministério da Saúde
coordenar em âmbito nacional o planejamento da vacinação entre outras medidas
de proteção contra o coronavírus, assim como não se poderia dizer que não
caberia ao MEC coordenar com secretários estaduais e municipais de Educação uma
política de ensino a distância e um planejamento nacional de retorno às aulas
presenciais de forma segura.
Era dever do MEC oferecer apoio aos entes federativos. O ministro, no entanto, furtou-se de cumprir seu dever de coordenador nacional e agora cobra dos gestores locais uma abertura para a qual não moveu uma palha.
Fundo eleitoral deveria ser corrigido pela
inflação
O Globo
O presidente Jair Bolsonaro parece enfim
ter tomado uma decisão a respeito do valor escandaloso que o Congresso decidiu
alocar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para as campanhas eleitorais do
ano que vem. “Em respeito ao povo brasileiro, vetarei o aumento do fundão
eleitoral”, escreveu numa rede social.
Não tem mesmo nenhum cabimento o volume de
recursos destinado na LDO ao fundo eleitoral: R$ 5,7 bilhões. Esse fundo foi
estabelecido em 2017 para suprir a lacuna deixada pelo veto ao financiamento
corporativo das campanhas eleitorais, resultado de uma decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) de 2015. Diante do sem-número de crimes de corrupção e
caixa dois desmascarados pela Operação Lava-Jato e da teia criminosa de
relacionamento entre empresas e partidos políticos, parecia um mal menor
destinar recursos públicos às campanhas, desde que usados com transparência e
devidamente fiscalizados pela Justiça Eleitoral.
Nas eleições de 2018, primeiro ano da
vigência do fundo, as campanhas para presidente, governadores, senadores,
deputados federais e estaduais custaram R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos. Nas
eleições municipais de 2020, o fundo eleitoral consumiu R$ 2 bilhões. Na semana
passada, os parlamentares não tiveram o menor pudor em aprovar nada menos que
R$ 5,7 bilhões para o ano que vem, mais que o triplo do valor gasto no último
pleito comparável.
O montante se torna ainda mais escandaloso
porque as campanhas eleitorais ficaram mais baratas nos últimos anos, sobretudo
em virtude do uso de tecnologias como as redes sociais e das limitações
impostas à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão (que reduziram
o custo de produção). Em 2014, as eleições custaram R$ 5,1 bilhões pelos
números oficiais (fora o caixa dois), quatro anos depois o valor caiu a um
terço disso.
Por mais que os congressistas estejam
tentando modificar a legislação eleitoral para conquistar mais espaço nos meios
de comunicação para as campanhas, é absolutamente irreal acreditar que o custo
delas volte a ser o que foi num passado em que os tesoureiros costumavam usar
empresários amigos como um caixa eletrônico. O melhor a fazer para ter uma
dimensão de custo sensata para a sociedade é seguir a sugestão do próprio
presidente Bolsonaro em entrevista à Rádio Itatiaia: corrigir o valor gasto no
último pleito pela inflação.
Levando em conta a projeção de 20% de
inflação acumulada nos quatro anos entre as duas eleições comparáveis — para
Presidência, Congresso, assembleias e governos estaduais —, o total ficaria
hoje perto de R$ 2,1 bilhões, menos da metade do que os parlamentares
destinaram na LDO. O Congresso terá a prerrogativa de derrubar o veto de
Bolsonaro se quiser manter o absurdo. Se, em vez disso, quiser manter um mínimo
de sensatez, essa é a ordem de grandeza que todos deveriam ter em mente quando
forem negociar.
Bolsonaro conta com apoio de Aras na PGR
para as eleições de 2022
O Globo
O presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de indicar Augusto Aras para
mais um mandato de dois anos à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR),
instituição pensada como um dos freios ao Poder Executivo. Antes da recondução,
Aras precisa passar por sabatina em comissão do Senado, e seu nome terá de ser
aprovado no plenário. Ninguém tem dúvida de que será.
Pela segunda vez, Bolsonaro ignorou a lista
tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O
presidente não tem a obrigação legal de escolher um deles, mas a prática era,
até Bolsonaro, uma regra não escrita da democracia brasileira, seguida por Luiz
Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. A escolha entre os
preferidos dos próprios procuradores é uma tentativa de garantir independência
à PGR. Como a Constituição permite que o procurador-geral seja indicado para um
segundo mandato ou a uma vaga ao SupremoTribunal Federal (STF), o presidente
poderia, em tese, fazer promessas para garantir a cooperação da PGR. A lista
tríplice foi pensada para evitar a manobra.
O primeiro mandato de Aras deu vários
exemplos para alimentar a preocupação com a falta de autonomia. Em abril de
2020, um ano após o STF iniciar uma investigação sobre fake news, Aras abriu um
inquérito para apurar atos antidemocráticos de apoiadores de Bolsonaro que
defendiam o fechamento do Supremo e do Congresso. Diante das evidências, a
Polícia Federal (PF) pediu em dezembro o aprofundamento das investigações. A
PGR não só demorou meses para dar uma resposta, como, quando deu, surpreendeu
ao pedir o arquivamento do caso.
Em maio, a PF, a pedido do ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo, deflagrou a Operação Akuanduba para investigar
um esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais. Acabou por
atingir o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Logo em seguida, a
PGR apresentou ação para obrigar que as operações deflagradas pela PF contra
quem tivesse foro privilegiado fossem submetidas ao aval prévio da equipe de
Aras.
Em junho, senadores apresentaram
notícia-crime exigindo a investigação das acusações contra Bolsonaro por
prevaricação no caso Covaxin. Em seguida, a PGR pediu para aguardar a conclusão
da CPI da Covid. Em julho, a ministra do STF Rosa Weber respondeu dizendo que
“no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de
espectador das ações dos Poderes da República”.
Caso confirmada, a recondução de Aras será
particularmente preocupante por causa do aumento das manifestações golpistas de
Bolsonaro à medida que se aproximam as eleições de 2022. Diante das insinuações
descabidas de irregularidades nas urnas eletrônicas — sem nenhuma prova —,
integrantes do Ministério Público pediram que Aras abrisse uma investigação
eleitoral por abuso de poder. Até agora não houve resposta. Se o passado servir
de bússola, não será da PGR sob Aras que a defesa da democracia receberá um
reforço.
Lista para a PGR
Folha de S. Paulo
Recondução de Aras premia a subserviência;
processo de escolha precisa mudar
O presidente Jair Bolsonaro propôs a recondução
de Augusto Aras para o posto de procurador-geral da República por
mais um biênio. O anúncio talvez surpreenda pela antecipação, uma vez que o
mandato de Aras só se encerra em setembro, mas não pelo conteúdo.
O procurador, afinal, vem se mostrando um
bolsonarista zeloso, poupando o presidente, seus familiares e aliados de
investigações e processos incômodos. Do ponto de vista do Planalto, seria uma
temeridade não reconduzi-lo.
Já a antecipação da medida pode ter mais
ligação com o Supremo Tribunal Federal do que com a PGR. Bolsonaro indicou há
pouco André Mendonça para substituir Marco Aurélio Mello, que se aposentou.
Ambas as indicações precisam passar por sabatina e votação no Senado antes de
se efetivarem.
Se o nome de Mendonça causa algum
desconforto entre parlamentares (no passado recente ele apoiava a Lava Jato), o
de Aras é quase unanimidade (ele sempre foi contra a operação). Recorde-se que
diversos congressistas estão envolvidos em inquéritos e processos que passam
pelo procurador-geral.
Com as duas indicações correndo
simultaneamente, fica mais difícil para o Senado dar-lhes tratamento distinto.
Seria complicado, por exemplo, procrastinar a sabatina de um e correr com a do
outro. A expectativa, portanto, é que a indicação de Aras facilite a vida de
Mendonça —o que envolve alguma ironia, pois ambos disputaram a vaga no Supremo.
Outro ponto a destacar é que a recondução
de Aras na prática o amarra ao atual cargo. Se ele ainda nutria a esperança de
surgir como indicação alternativa ao STF, caso as resistências a Mendonça se
mostrassem irredutíveis, tal hipótese se tornou ainda mais remota.
Sua melhor chance de chegar ao Supremo é
manter-se caninamente fiel a Bolsonaro, torcer por sua reeleição e aguardar uma
das duas vagas que se abrem em 2023.
Do ponto de vista das instituições, porém,
é péssimo que magistrados e procuradores mostrem qualquer tipo de lealdade para
quem os indicou. O preço da autonomia —que precisa ser maximizada nos tribunais
e nos ministérios públicos— é a ingratidão.
No caso do STF e das outras cortes superiores,
há um debate inconcluso sobre as melhores formas de selecionar juízes. No caso
da PGR, existe uma solução simples e já testada por aqui: a lista tríplice.
Todos os biênios, a Associação Nacional dos
Procuradores da República organiza eleições entre seus membros para apontar
três nomes de candidatos ao comando da entidade. De 2003 até 2017, os
presidentes da República acolheram essas indicações; Bolsonaro é que rompeu a
tradição, e os resultados estão à vista de todos.
Por tais motivos, esta Folha defende
que o uso da lista se converta em procedimento obrigatório.
Apesar do MEC
Folha de S. Paulo
Ministro pede volta de aula presencial, que
ocorre graças a estados e municípios
Após mais de um ano de escolas fechadas
pela pandemia, as redes estaduais vêm, felizmente, pondo em marcha um retorno
paulatino das atividades presenciais.
Alguns estados já recebem alunos de forma
escalonada há alguns meses, casos de São Paulo e Rio de Janeiro. Na grande
maioria dos demais, a retomada foi anunciada para este ou o próximo mês.
Trata-se de um movimento que, embora ocorra
com atraso, merece ser saudado. O Brasil, afinal, acabou se tornando um dos
países que mais tempo permanece com as escolas cerradas —muito em razão,
sublinhe-se, da desídia governamental no combate à infecção.
Levantamento feito em fevereiro pela Unesco
mostrou que 80% das nações haviam retomado, de alguma forma, as aulas
presenciais.
Não surpreende. Um período tão longo longe
dos bancos escolares acarreta, como estudos vêm quantificando, prejuízos gravíssimos
para os alunos, mormente os mais pobres. Ampla pesquisa com discentes paulistas
revelou que, em 2020, os estudantes da rede pública aprenderam em média um
quarto do conteúdo esperado.
Outra pesquisa, esta em âmbito nacional,
encomendada por Fundação Lemann, Itaú Social e Banco Interamericano de
Desenvolvimento, mostrou que, da perspectiva dos pais, 40% dos estudantes não
estavam motivados nem evoluindo na aprendizagem e, por isso, admitiam abandonar
os estudos.
Muitos desses efeitos teriam sido mitigados,
e mesmo a reabertura das escolas poderia ter ocorrido antes, se o Ministério da
Educação tivesse cumprido seu papel.
Situa-se, pois, entre o oportunismo e o
escárnio o pronunciamento
do titular da pasta, Milton Ribeiro, conclamando a volta às aulas.
Omissa ao longo de toda a pandemia, o MEC
abdicou da tarefa de coordenar a política nacional de educação, que lhe compete
por lei.
Na prática, estados e municípios tiveram de
enfrentar sozinhos os desafios de adaptar suas atividades para o ensino a
distância, bem como de implementar protocolos de segurança e outras medidas
necessárias para que as escolas fossem reabertas com segurança.
Caberia agora ao MEC liderar o crucial
passo seguinte —a recuperação geral do aprendizado. É sintomático que, sobre
isso, o ministro não tenha dito palavra.
Dúvidas sobre a recuperação global afeta os
mercados
Valor Econômico
Onda positiva no Brasil se deve ao quadro
internacional favorável, que pode mudar de uma hora para a outra
As fortes oscilações das bolsas no exterior
e a corrida para os títulos do Tesouro americano dos últimos dias são a
expressão das dúvidas, entre os investidores internacionais, de que a economia
mundial poderá retomar rapidamente a normalidade depois da pandemia. Para o
Brasil, o clima de aversão a risco expõe as nossas vulnerabilidades, sobretudo
o ajuste fiscal ainda incompleto.
Na segunda-feira, os mercados acionários na
Europa e nos Estados Unidos registraram forte queda, com recuperação parcial no
dia seguinte. Ontem, houve nova alta, mas com muita volatilidade ao longo dos
pregões. Tem sido assim há algumas semanas, à medida que são divulgadas
estatísticas que levantam dúvidas sobre a força da recuperação das principais
economias do globo.
O setor de serviços nos Estados Unidos
ficou abaixo do esperado em junho e, na China, o banco central cortou depósitos
compulsórios dos bancos para sustentar sua economia. Mais recentemente, a
disseminação da variante Delta do novo coronavírus torna mais incerto a
progressiva reabertura das economias, em especial em países ainda com baixa
cobertura da vacinação, sobretudo na Ásia.
É um contraste com o otimismo que surgiu a
partir de fins de 2020, quando ficou comprovada a eficácia dos novos
imunizantes. Na virada do ano, aumentou a esperança, depois que o então
presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, assegurou maioria parlamentar
para aprovar pacotes fiscais de estímulo econômico.
Nesse período, ganhou força a tese de que a
economia mundial viveria um período de reflação. Ou seja, finalmente os bancos
centrais dos países desenvolvidos conseguiriam levar a inflação, que foi muito
baixa dos últimos anos, para os níveis desejados. lguns economistas influentes,
como o ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos Larry Summers, passaram a
alertar inclusive para o risco de exagero nos estímulos fiscais, provocando uma
escalada muito forte e disseminada dos preços.
Nos mercados financeiros, esse novo quadro
levou ao chamado “trade da reflação”. Os investidores reduziram as aplicações
em empresas que mais lucraram com a pandemia, como as de tecnologia, e passaram
a apostar em empresas ligadas à economia real. Prevendo a aceleração da
inflação acima dos níveis desejados, eles assumiram posições vendidas em
títulos do Tesouro americano. As cotações das commodities ganharam novo
impulso. Os emergentes, como o Brasil, voltaram a registrar fluxos de capitais
de curto prazo, com o aumento do apetite por risco.
Esse movimento reflacionista perdeu um
pouco do vigor, porém, a partir de maio, quando o Federal Reserve (Fed) deu as
primeiras indicações de que poderá retirar estímulos monetários antes do
esperado, embora suas indicações sejam de que quer ver progressos concretos e
duradouros na aceleração da inflação aos níveis desejados e na busca do pleno
emprego. A atitude mais alerta do Fed estimulou o recuo das taxas de juros de
prazo mais longo nos Estados Unidos e a elevação no curto prazo.
Neste mês, os mercados passaram a reagir
mais fortemente a notícias sobre atividade econômica. Em parte, o exagero dos
movimentos reflete o posicionamento dos investidores, que estava muito
concentrado na tese da reflação. As férias no Hemisfério Norte, com a redução
da liquidez, também contribuem para exacerbar a volatilidade. Mas, no fundo, o
que mexe com o mercado é o receio de que o pico da atividade econômica
pós-covid já tenha ficado para trás, no segundo trimestre.
Naturalmente, essas previsões são instáveis
e sujeitas a revisões. Uma sequência de eventuais dados mais positivos seria
suficiente para reanimar os mercados. A tese de superaquecimento da economia,
que levaria a inflação acima dos niveis desejados, não desapareceu completamente.
Alguns alertam para o risco de essa safra de dados negativos levar o Federal
Reserve a adiar as necessárias ações para retirar os estímulos - e, agindo com
atraso, são maiores os riscos de solavancos nos mercados globais.
Essas incertezas vem afetando os mercados
no Brasil, que vivia um período de trégua, com queda do dólar e valorização da
Bolsa. Muitos acreditavam que essa onda positiva se devia a melhoras no quadro
fiscal, com a queda da dívida bruta. Na verdade, deve-se muito ao quadro
internacional favorável, que pode mudar de uma hora para a outra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário