O Globo
O enredo do governo do presidente Bolsonaro
parece ter sido escrito por um roteirista bêbado que, farto de ganhar a vida
com trabalhos medíocres, resolveu, no meio do caminho, ter um ataque de
sincericídio e reescrever a história como ela é, e não como a encomendaram.
Quando colocou com destaque aquele que seria um dos principais ministros do
governo, o general Augusto Heleno, cantando “se gritar pega Centrão, não fica
um, meu irmão”, sabia que era mentira, mas engoliu. Do meio para o fim, contou
a verdade, e o senador Ciro Nogueira acabou nomeado ministro-chefe da Casa
Civil, o ponto nevrálgico de um governo.
O general desapareceu do mapa, talvez envergonhado pelo papel que desempenhou
na campanha presidencial. A Casa Civil, aliás, já era ocupada por um general da
reserva, Luiz Eduardo Ramos, que também assumiu o governo para acabar com as
negociatas políticas e terminou sendo responsável por elas.
Não devia ser tão flexível quanto a relação com o Centrão exige, pois não seria
desembarcado do governo sem a menor complacência por Bolsonaro. Soube pelos
jornais que sairia da Casa Civil e sentiu-se “atropelado por um trem”. Mas,
como “um manda, e o outro obedece”, deve se satisfazer com uma sobra qualquer
no governo.
O ministro Onyx Lorenzoni, depois do vexame que passou na televisão afirmando, dramaticamente, apelando até a Deus, que o documento apresentado pelo deputado Luis Miranda era falso, também não se envergonha de pular de ministério em ministério, desde que mantenha uma aparência de poder. Mesmo que essa aparência já não resista aos fatos.
Já foi ministro da Casa Civil, ministro da Cidadania e ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. Agora, recriarão o Ministério do Emprego e Previdência só para ele, uma vingança bolada pelo roteirista bêbado, que havia anunciado no início do governo que seriam apenas 15 ministérios.
Os superministros também se foram. O ex-juiz Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, foi defenestrado justamente por causa do combate à corrupção que alegadamente o levou ao ministério. O czar da economia, o liberal Paulo Guedes, engole sapos imensos para permanecer no governo. Compreensivo, topa até gastar mais em ano eleitoral, para reeleger seu chefe.
O roteirista está tentando dar o troco, colocando Moro de volta à cena política como possível presidenciável, o nome da terceira via. Mas não sei se conseguirá dar ares de credibilidade a uma mudança tão drástica, que já fez com que Moro fosse considerado “suspeito” por um Supremo Tribunal Federal que muda de posição da noite para o dia e festeja a chegada de um futuro ministro, André Mendonça, que abre processos antidemocráticos contra os adversários do presidente.
A prisão em segunda instância já foi bandeira de Bolsonaro, mas agora ser contra ela virou ponto positivo para o indicado. Essas mudanças já provocaram consequências graves, como a absolvição, soltura ou anulação de vários processos envolvendo políticos apanhados na Lava-Jato, e não sei se o roteirista conseguirá revertê-las a tempo.
Um deles, Ciro Nogueira, já chegou ao topo do governo que iria prendê-lo, e o roteirista imaginou um advogado exibicionista, suposto defensor das liberdades públicas, mas que se especializou em soltar ladrões, dizendo que os vários processos a que Nogueira responde não o impedem de assumir um dos cargos mais importantes da República. Mas aí já seria imaginação demais.
Nem tanto, pois mandar um vice-presidente da República, ainda por cima general, ir a Angola para, como missão oficial, defender a Igreja Universal das acusações de corrupção naquele país é além de qualquer criatividade. Acho que o roteirista quis se vingar e agora está perdido em seu roteiro bêbado.
Até colocar o ex-presidente Lula e o atual presidente Bolsonaro criticando ao mesmo tempo, como se tivessem combinado, a possibilidade de haver uma terceira via para o eleitorado brasileiro, ele colocou. Fica tão óbvio que os dois querem a mesma coisa, um contra o outro no segundo turno, que acho que o roteirista exagerou na dose.
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