O Estado de S. Paulo
Na questão do fundão eleitoral, a sinuca de bico foi criada pela própria sociedade brasileira
Descrito como dilema de Bolsonaro, o veto
do fundão eleitoral é, na verdade, um dilema da sociedade brasileira. Que
Bolsonaro não tem condições de resolver, mesmo que tivesse qualquer pretensão
nesse sentido – basicamente por não ser um líder e por se comportar como chefe
de facção.
O dilema já existia antes da Operação Lava
Jato, mas acabou sendo um de seus legados mais destacados. É o de como
financiar campanhas eleitorais, e é gritantemente óbvio. Ninguém gosta da ideia
de fundos públicos – o dinheiro de impostos – sendo destinado a campanhas de
políticos dos quais, em geral, também ninguém gosta.
Ocorre que a contribuição privada via CNPJ
passou a ser vista nos últimos dez anos como corrupção da democracia em sentido
amplo e, com a Lava Jato, em sentido estrito. Já quase caiu no esquecimento do
público a maneira como os expoentes da campanha anticorrupção consideravam
lavagem de dinheiro a doação – legal e declarada – de empresas para candidatos
e partidos, pois desconfiava-se que o dinheiro legal e declarado tinha como
origem contratos sob suspeita com órgãos públicos.
Então vamos financiar como? Até aqui não há uma resposta de consenso, a não ser que doação de CNPJ é uma coisa abjeta e utilizar fundos públicos para campanha também. Essa farra com dinheiro do contribuinte tem como causa principal o fato de campanhas serem muito caras, começando pelas campanhas para deputado federal. E elas são importantíssimas para os partidos, hoje empenhados em primeira linha na formação de bancadas numerosas – qualquer que seja o próximo presidente, ele terá de se curvar ao Legislativo, que agora manda também no Orçamento.
Uma forma de baratear esse custo seria
adotar um outro sistema eleitoral – nesse sentido, o do barateamento, o voto
distrital misto é tido como promissor (embora não seja a solução pronta para
diminuir o profundo abismo de representatividade dos políticos). A reforma que
está sendo tocada no Congresso vai na contramão disso e, na prática, contribui
para manter o elevadíssimo fracionamento dos Legislativos e a debilidade dos
partidos (mas não dos seus caciques, aqueles que distribuem as verbas e emendas).
O empenho de Bolsonaro em relação às
eleições passa longe de tentar encaminhar qualquer solução para os problemas do
financiamento de campanhas e a gravíssima questão do fracionamento do sistema
político partidário. A única “questão de fundo” que o preocupa é o chamado voto
auditável, uma quimera bolsonarista segundo a qual ministros petistas do STF
tiraram Lula da cadeia e insistem num sistema fraudado nas duas últimas
eleições presidenciais para devolver o poder à esquerda. Não importa que seja uma
grosseira bobagem: o fato é que essa narrativa encontra ressonância também
entre oficiais de segundo escalão nas Forças Armadas, talvez o que mais
interesse a Bolsonaro.
O presidente não está dando grande bola
para as cobranças que vêm de suas próprias redes sociais, que ainda estão à
espera das promessas de “mudar a política” com as quais ele se elegeu.
Bolsonaro é hoje o presidente do Centrão, cujas necessidades de todo tipo cabe
a ele atender e não o contrário – a reforma ministerial que ele anuncia para
semana que vem que o diga. Há um toque de ironia na maneira pela qual os chefes
dessas agremiações políticas justificam o golpe no bolso do contribuinte via
fundão eleitoral: pelo menos é financiamento às claras, sem corrupção.
Bolsonaro é apenas passageiro nesse trem da alegria, com direito de vez em quando de puxar o cordão do apito fazendo de conta que é o condutor. Se o bolsonarismo raiz não gosta, paciência. Se ele puxar qualquer coisa parecida a um freio de emergência, vai ser convidado a desembarcar.
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