Folha de S. Paulo
Pobre, isolada, embargada e sem a
influência de outrora, a ilha não passa de um anacronismo
Em 1960, Jean-Paul Sartre visitou o país
com a sua companheira, a escritora Simone de Beauvoir.
Os mais cultivados entre os seus
admiradores brasileiros esperavam que ele falasse do existencialismo, ou de seu
polêmico livro "Crítica da
Razão Dialética" —aqui lido por poucos. Mas, vindo de Havana,
seu assunto foi a Revolução Cubana: a seu ver, a promessa de um socialismo
libertário, a léguas do modelo soviético, e o fato presente de que a vitória
dos guerrilheiros de Sierra
Maestra atingia os interesses americanos no seu quintal,
subvertendo a geopolítica da Guerra Fria. O fim da ditadura de Batista fez mais
do que aquecer os corações da juventude rebelde e de intelectuais progressistas
em muitos países: mudou a história da esquerda.
Só que o grande pensador francês estava
errado. Não passou uma década para que Cuba se amoldasse ao "socialismo
real", confirmando que não há espaço para a democracia e as liberdades
quando as empresas são do estado e o regime é de partido único.
Sua estrela política só se apagou com a
derrota dos movimentos de oposição armada aos governos militares que fizeram da
América Latina dos anos 1970 uma usina de autoritarismo. Inspirados pela
experiência cubana e apoiados pelo governo de Fidel, multiplicaram-se pela
região focos de luta armada —de esquerda, mas também autoritários e incapazes
de vencer as ditaduras de direita.
Elas, finalmente, cederam à força de ampla movimentação democrática, à qual se somavam lideranças e organizações de diferentes colorações políticas. Os partidos e agrupamentos de esquerda que dela participaram nada tinham a ver com Cuba e seu modelo socialista, ainda que contassem com a participação de ex-guerrilheiros convertidos aos valores democráticos. O chileno Partido pela Democracia (PPD), as organizações uruguaias que se reuniram na Frente Ampla e o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, são os exemplos mais destacados dessa esquerda com inequívoco compromisso com a democracia, as garantias individuais e o reformismo social. Compromissos mais do que provados quando governaram seus países com pleno respeito pelas liberdades públicas.
Enquanto isso, pobre, isolada, embargada e
sem a influência de outrora, Cuba não passa de um anacronismo. Mais insondáveis
se tornam, por isso, as razões da tolerância retórica do PT diante das
arbitrariedades cometidas pela ditadura de Havana contra seus cidadãos. Essa
ambiguidade apenas gera ruído que alimenta o discurso obscurantista da extrema
direita. Por isso, é pior que um erro. É um delito político. Há que dar adeus a
Cuba.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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