sábado, 6 de fevereiro de 2021

Claudio Ferraz - Combatendo desigualdade

- O Globo

Em outubro de 2019, alguns meses antes de o mundo virar de cabeça para baixo com a pandemia da Covid-19, um grupo de economistas acadêmicos se reuniu numa conferência em Washington D.C. para discutir políticas de combate à desigualdade em economias avançadas.

O objetivo da conferência era fazer um balanço sobre as políticas públicas que podem ser utilizadas para a redução da desigualdade. Foram tratados os temas mais diversos, desde educação e qualificação da mão de obra, passando por comércio internacional, inovação e mudanças tecnológicas, até o fortalecimento de redes de proteção social e a introdução de taxação mais progressiva. 

O que tornou esta conferência única não foi o tema, mas seus participantes e o fato de que praticamente todos concordaram que a desigualdade é um problema de primeira ordem, algo difícil de imaginar há 10 ou 15 anos atrás.

Os participantes não eram somente economistas considerados de esquerda e especialistas em desigualdade como Emmanuel Saez e Gabriel Zucman. A elite da academia americana estava presente em peso com nomes como Daron Acemoglu, David Autor, Greg Mankiw, Hilary Hoynes, Larry Katz, Marianne Bertrand, e Philippe Aghion. 

Os trabalhos encomendados para a conferência estão no novo livro “Combating Inequality: Rethinking Government’s Role”, editado pelos economistas Olivier Blanchard e Dani Rodrik, organizadores do encontro. Apesar do foco em países desenvolvidos, muitos dos questionamentos e discussões de políticas públicas presentes no livro servem para o Brasil.

Blanchard e Rodrik resumem na introdução do livro alguns dos achados surpreendentes da conferência. Primeiro, a ausência de uma discussão comum entre economistas de que existe um trade-off entre equidade e eficiência. A desigualdade é hoje considerada pela maioria dos economistas como um fator que gera má alocação de talentos e restringe o crescimento econômico.

Segundo, houve uma ausência da promoção de desregulamentação de mercados ou redução de programas sociais como formas de aumentar emprego e reduzir a desigualdade. Finalmente a percepção foi generalizada de que programas sociais são importantes e que devem ser pagos com um aumento na progressividade dos impostos.

Mas que políticas públicas podem ser usadas para combater a desigualdade? O livro faz uma categorização interessante ao separar as políticas públicas entre aquelas que atingem diferentes estágios da economia (pré-produção, produção ou pós-produção) e o tipo de desigualdade que queremos reduzir (baixa renda, renda média ou no topo da distribuição).

A comparação se dá entre políticas educacionais ou de renda mínima, que afetam a igualdade de oportunidades antes do processo produtivo, e políticas de fomento à inovação, que afetam as decisões das empresas. Uma das principais conclusões do livro é que as políticas públicas terão que ir além da educação, qualificação e redistribuição.

O foco na criação de “bons empregos”, como já argumentou diversas vezes Daron Acemoglu, é fundamental. Políticas para combater a desigualdade devem fomentar a inovação tecnológica, mas de forma que os benefícios possam ser apropriados por trabalhadores e não somente pelos donos das empresas.

 Elas devem também ajudar os trabalhadores a se organizarem face às novas tecnologias como a internet e mídias sociais. E finalmente, políticas redistributivas devem ser pagas com uma maior progressividade dos impostos.

As causas da desigualdade brasileira podem ser diferentes da americana, inclusive pela presença de um grande setor informal. Mas a necessidade de reduzirmos a má alocação de talentos e gerar oportunidades mais amplas é a mesma.

Investimentos em educação são fundamentais, assim como programas de transferência de renda, mas não resolvem o problema. É hora de o Brasil pensar não só na criação de empregos, mas em políticas que busquem criar “bons empregos”. Para isso será necessário inovar, experimentar com novas ideias e avaliar seus efeitos. E nesse processo uma coisa é certa, o papel do governo será cada vez mais importante.

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