Depois
da invasão do Congresso americano, as plataformas de mídia social endureceram a
implementação de suas políticas de moderação de conteúdo —e não apenas nos
Estados Unidos.
No
Brasil, o presidente Bolsonaro e o Ministério da Saúde tiveram tuítes sobre
tratamento precoce filtrados (conteúdo borrado, acompanhado de alerta de
publicação enganosa), e o YouTube removeu um vídeo sobre ivermectina de Eduardo
Bolsonaro.
Apesar
disso, ainda há milhares de publicações nas plataformas promovendo o uso de
cloroquina, criticando o uso de máscaras e difundindo desinformação sobre as
vacinas. Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal do Espírito
Santo apontou que 98% dos vídeos recomendados no YouTube sobre
tratamento precoce eram desinformativos.
Em tese, nenhum conteúdo desse tipo deveria estar on-line. O Twitter diz que removerá conteúdos que apresentem “um risco direto para a saúde ou o bem-estar das pessoas”; o YouTube diz que “não é permitido o envio de conteúdo que dissemine informações médicas incorretas que contrariem as orientações da OMS”, e o Facebook diz que vai proteger “contra conteúdo prejudicial relacionado à Covid-19”.
O
problema é que as regras de aplicação dessas diretrizes genéricas não são
transparentes —elas existem e orientam a ação dos algoritmos e dos moderadores
humanos, mas não são públicas. É permitida a publicação de conteúdo promovendo
a ivermectina e a cloroquina? É permitido fazer publicações desestimulando o
uso de máscaras?
Também
não há transparência na escala de sanções de Facebook e Twitter para quem viola
as políticas. Que gravidade de violação é punida com um rótulo, com a
diminuição da distribuição, com a remoção da publicação ou a suspensão da
conta?
Como
a aplicação da política não é transparente, ela pode se dar de forma
arbitrária, e não uniforme. Tudo leva a crer que essa opacidade está sendo
utilizada como margem de manobra, que permite às empresas operar
discricionariamente num ambiente em que as políticas de saúde foram
politizadas.
Embora
haja consenso científico contrário ao uso da cloroquina e da ivermectina no
tratamento contra a Covid-19, levantamento da Associação Médica Brasileira
mostrou que 35% dos médicos brasileiros consideram eficaz a cloroquina, e 41%
consideram eficaz a ivermectina. Esses índices, não por acaso, são parecidos
com os índices de aprovação do presidente, que defende o uso dessas drogas.
Assim,
as empresas precisam impor políticas de moderação a um meio que as rejeita. Não
se trata apenas dos usuários comuns, mas também das autoridades políticas e de
parte dos médicos.
Não
é possível saber em que medida a falta de rigor na aplicação das políticas de
moderação de conteúdo ligado à Covid se deve à incapacidade das empresas de
moderar uma grande quantidade de conteúdo, ao medo de perderem usuários
polarizados ou ao medo de receberem retaliações do governo.
Seja como for, a difusão desse tipo de conteúdo está contribuindo para ampliar a contaminação —sem exagero, está tirando vidas.
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