EDITORIAIS
Como fica o mundo depois da agressão russa
à Ucrânia
O Globo
Em seu pronunciamento ao Congresso na
última semana, o americano Joe Biden afirmou que o russo Vladimir Putin “está
agora mais isolado do mundo do que nunca”. É sem precedentes o isolamento a que
o Ocidente submeteu a Rússia como resultado da agressão à Ucrânia. As sanções
foram muito além do esperado.
O bloqueio às transações do banco central
russo e a suspensão de outros bancos do sistema de comunicação Swift
garrotearam a economia russa. O rublo derreteu a ponto de o Sberbank, maior
banco do país, ter de encerrar operações na Europa, pois suas ações viraram pó.
A Apple parou de vender iPhones na Rússia. YouTube e Facebook restringiram
canais oficiais russos em suas plataformas. Empresas como Ford, BMW,
Volkswagen, Boeing, Dell, Ericsson, Nike, Exxon, Shell, BP, Disney e Warner
Brothers decidiram suspender ou reduzir negócios na Rússia.
A reação se estendeu para além da economia. O maestro Valery Gergiev, conhecido pela proximidade de Putin, foi demitido da Filarmônica de Munique. A soprano Anna Netrebko e balés russos tiveram de suspender apresentações programadas na Europa. A delegação russa foi banida do festival de cinema de Cannes. A seleção nacional e os times russos foram suspensos da Copa do Mundo e da Eurocopa. O lançamento de satélites ocidentais por foguetes da Rússia foi cancelado, e surgiu dúvida até sobre o futuro envolvimento russo na Estação Espacial Internacional.
O desejo de deter Putin — medido pelas
votações avassaladoras contra a Rússia nas Nações Unidas — levou os países
europeus a um consenso inédito. Mesmo a neutra Suíça aderiu às sanções. E até a
Suécia, que nem integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan),
decidiu enviar armas à Ucrânia.
O terremoto geopolítico transcende Rússia e
Europa. Aprofunda-se uma divisão entre Ocidente e Oriente que se considerava
enterrada com o fim da Guerra Fria. Essa ruptura trará consequências profundas
e duradouras. A globalização — motor que permitiu integração comercial, geração
de riqueza e redução da miséria em níveis jamais vistos — tende a recuar, à
medida que a noção de um mundo unipolar, cujas regras incentivam a
produtividade e o crescimento, cede lugar à realidade multipolar, em que
segurança vale mais que eficiência.
A eclosão da guerra na Ucrânia expôs o
principal limite da globalização: a integração comercial não foi acompanhada de
um arcabouço institucional com força para disciplinar países que tentem usar
seu domínio de mercados específicos para estender seu poderio geopolítico.
Gargalos comerciais acabam por concentrar poder desproporcional em atores
militarmente equipados, mas economicamente menos expressivos. É o caso da
Rússia, uma potência nuclear que usou o fornecimento de energia e de grãos como
alavancas para avançar sobre o território ucraniano.
A invasão da Ucrânia serviu de alerta. Os
europeus puseram no topo da agenda a transição dos combustíveis fósseis às
fontes alternativas de energia, na tentativa de reduzir a dependência do gás
russo. No âmbito militar, a Alemanha passou a considerar a Otan insuficiente
para sua defesa. Destinou € 100 bilhões ao setor bélico e decidiu ampliar esse
investimento a 2% do PIB no futuro. Ante a ameaça russa, a política de defesa
comum da União Europeia deixou de ser tabu — um despertar comparado ao 11 de
Setembro para a Europa.
Do outro lado do Atlântico, a reação dos
Estados Unidos à agressão russa mascara a preocupação de fundo com a ascensão
da China. O recado da Rússia a europeus e americanos é semelhante: é preciso
reduzir a dependência de parceiros pouco confiáveis. É incerto se seria viável
separar economias imbricadas como a americana e a chinesa, mesmo assim é
evidente a tentativa, apelidada de “desacoplamento”. Começou pela guerra
comercial de Donald Trump e deverá, nos próximos meses, assumir a forma de
processos judiciais nos Estados Unidos contra subsídios a empresas chinesas, em
particular nos setores de alta tecnologia.
Gradualmente, os países se fecham. Nos
mercados de matérias-primas, é palpável a preocupação com produtos controlados
pela China, como as terras raras, metais usados em turbinas, baterias de carros
elétricos e outros produtos. Ou pela Rússia, que, além de relevante nos
mercados de petróleo, energia, grãos e fertilizantes, tem papel crítico na
produção de alumínio, platina, cobre, níquel e paládio.
Desfazer a imensa teia de interdependência
que forma as cadeias globais de suprimentos é um desafio virtualmente
impraticável. O caso mais eloquente é a indústria de semicondutores. O neônio
purificado na Ucrânia pode ser usado na fabricação de chips em Taiwan, reunidos
em placas na Indonésia, depois usadas na China para montar, de acordo com um
projeto desenvolvido na Califórnia, celulares vendidos no Brasil. É
inverossímil que a tecnologia digital, hoje maior combustível de crescimento
econômico no planeta, tivesse atingido tamanho grau de sofisticação e
desenvolvimento sem essa produção distribuída.
No curto prazo, é mais que sensata a
preocupação com os efeitos da guerra no fornecimento de alimentos — Rússia e
Ucrânia respondem juntas por quase um terço do comércio mundial de trigo —, no
agravamento da fome e da inflação global. No longo prazo, nas palavras de
Martin Wolf no Financial Times, “os efeitos econômicos seguirão a geopolítica”.
“Se o resultado for uma divisão profunda e prolongada entre o Ocidente e um bloco
centrado na China e na Rússia, decorrerão divisões econômicas”, diz ele. “Todos
tentariam reduzir sua dependência de parceiros belicosos e pouco confiáveis. A
política vence a economia num mundo assim.”
Não há dúvida de que tal mundo
representaria um retrocesso. Não apenas por motivos econômicos. Seria também
menos seguro, com o risco de novas guerras, invasões — que fará a China em
relação a Taiwan? — e proliferação nuclear. É verdade que o ataque russo à
Ucrânia expôs os limites da globalização. Mas seria ilusão acreditar que os
dilemas de um mundo onde o crescimento está intrinsecamente atrelado à inovação
e à tecnologia serão resolvidos com uma mentalidade isolacionista ou mesmo com
o “realismo” dos tempos da Paz de Vestfália ou do Congresso de Viena. Será
preciso criar alternativa viável.
A ação possível
Folha de S. Paulo
Imperfeitas, sanções são melhor arma contra
Putin; alternativa seria a 3ª Guerra
Em pouco mais de uma semana desde que
decidiu unilateralmente invadir a Ucrânia de forma brutal, o presidente da
Rússia, Vladimir Putin, não obteve ainda uma vitória militar decisiva contra o
vizinho.
O russo logrou, contudo, um feito talvez
tão ou mais impressionante do que a eventual queda de Kiev: ele viu seu país
ser desligado do sistema internacional, setor por setor, gerando um isolamento
nunca antes visto na globalização.
Mesmo as sanções que punem o Irã há anos,
devido a suas ambições nucleares, nunca chegaram perto da ação contra a
agressão russa. Trata-se, pelo valor de face, de uma demonstração saudável de
que talvez não haja mais espaço no mundo para tal tipo de comportamento sem
consequências duras.
Mas a questão tem mais nuances do que os
clarões das bombas permitem ver neste momento.
Primeiro, há uma série de impactos
secundários das medidas que já
ameaçam afetar a economia mundial, da qual a Rússia constituía uma peça
importante da engrenagem por seu peso no mercado energético e de alimentos.
A flutuação dos preços futuros nesses
setores, com a inevitável inflação que será exacerbada pelos temores, é só um
primeiro sinal. O exame de restrições de fato ao fluxo de hidrocarbonetos
russos pelos Estados Unidos prenuncia um terremoto em potencial.
Há considerações éticas. O mundo ocidental
vive uma onda de cancelamentos de tudo o que for russo, inclusive de pessoas
que vivem há anos longe do reino de Putin.
É errado punir artistas exclusivamente por
sua nacionalidade, da mesma forma como seria absurdo banir autores clássicos
como Fiódor Dostoiévski, para ficar em apenas um nome.
Para além da discussão sobre se houve
exageros, há limites práticos para o efeito das sanções. Até aqui, não
impediram o derramamento de sangue nem sinalizam qual possa ser o desfecho da
guerra.
Isso dito, são o instrumento possível de
uso pelo Ocidente no momento, combinado com um apoio cada vez mais intenso aos
ucranianos na forma de envio de armas.
A ideia de os Estados Unidos (e seus
aliados europeus) instalarem uma zona de exclusão aérea em território com
predomínio russo, como desejava o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski,
implicaria nada menos do que empurrar o mundo para uma Terceira Guerra. Talvez
do tipo nuclear, como Putin sempre lembra.
O russo parece ter entendido o jogo, embora
no mesmo dia tenha sugerido que mais restrições poderiam
equivaler a uma escalada de conflito. Por ora, resta ao Ocidente esperar os
efeitos de suas medidas.
Desastre educacional
Folha de S. Paulo
Exame paulista evidencia efeito devastador
da pandemia e urgência de recuperação
Os dados do Saresp, o exame que avalia as
habilidades acadêmicas dos alunos da rede paulista, confirmaram
as piores expectativas quanto aos impactos da pandemia no aprendizado.
Como se esperava, o longuíssimo período sem aulas presenciais levou a um
desastre educacional, a demandar ações urgentes do poder público.
Os resultados da prova, aplicada em
dezembro a cerca de 640 mil alunos do 5º e 9º ano do ensino fundamental e do 3º
ano do ensino médio da rede estadual, evidenciam que crianças e jovens não só
não progrediram tanto quanto deveriam como tiveram retrocesso nas duas áreas
avaliadas, língua portuguesa e matemática.
Os números mais preocupantes vieram dos
concluintes do ensino médio, cujas notas médias nas duas disciplinas foram as
menores desde que o exame foi implementado, em 2010. Só 3,2% dos alunos
apresentaram um desempenho considerado adequado em matemática; em português,
foram 24%.
Assim, a esmagadora maioria dos que
terminam a educação básica se mostra incapaz de identificar uma simples figura
geométrica ou identificar o objetivo central de um texto curto.
Já a regressão em relação à avaliação
anterior foi mais acentuada no 5º ano do fundamental.
A média em língua portuguesa caiu 8,6% na
comparação com a prova de 2019, retrocedendo para um patamar semelhante ao de
2012. Cerca de metade desses estudantes não consegue compreender a mensagem de
um cartaz com poucas frases e uma ilustração.
Em matemática, a queda foi ainda mais
expressiva, de 9,1%, com o menor rendimento desde 2013.
Além de atestar os efeitos nocivos do
fechamento prolongado das escolas, a piora geral do nível de conhecimento
evidencia também as falhas do ensino remoto. Seja por suas limitações
intrínsecas, seja por problemas e atrasos na implementação, o fato é que o
modelo digital não conseguiu impedir a marcha à ré estudantil.
Agora que os alunos retornam às salas de
aula, impõem-se, em primeiro lugar, corrigir as defasagens de ensino acumuladas
e impedir o abandono escolar daqueles que apresentam maior dificuldade.
Para tanto, as medidas emergenciais
propostas pela Secretaria da Educação paulista —mudanças no currículo, reforço
escolar, avaliações bimestrais e reorganização temporária de turmas— parecem um
caminho para evitar que uma geração de estudantes venha a ter o seu futuro
comprometido.
O roto e o rasgado
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro, cuja Presidência representa um retrocesso histórico, diz ao mercado que a volta de Lula seria a vitória do atraso. Fato: um e outro são o que há de pior
Consta que parte considerável do mercado
apoiou a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, na presunção de que era isso ou a
volta do diabo antimercado, isto é, o lulopetismo, ao poder. Bem, se o fez,
cometeu erro gravíssimo. Não porque devesse ter escolhido o diabo, mas porque
ignorou que havia alternativas muito mais racionais do que um mau militar e um
mau deputado cujas credenciais autoritárias não eram segredo para ninguém. E
não há nada mais antimercado do que o autoritarismo, ainda mais um
autoritarismo alimentado por paranoia e ignorância profundas.
Bolsonaro, afinal, não decepcionou quem o
conhecia: sabota os pilares da estabilidade fiscal, abre mão do controle do
orçamento, aparelha a máquina pública com fanáticos incompetentes, isola o
Brasil no mundo, arrasa o meio ambiente e cria uma atmosfera de permanente
desestabilização política e institucional.
Assim, quando Bolsonaro vociferou aos
operadores do mercado, como fez há alguns dias em evento promovido por um
banco, enumerando os retrocessos que Lula da Silva promete promover se
reconquistar a Presidência, na verdade estava falando de si mesmo.
Como Bolsonaro não tem o que apresentar ao
País como justificativa para sua recondução ao cargo – se reunidas, as
realizações de seu governo não preencheriam uma brochura –, ao presidente não
restou outra tática eleitoral a não ser tentar incutir nos corações e mentes
dos agentes econômicos o medo de um novo desastre na condução da política
econômica caso ele seja derrotado por seu maior antagonista na corrida eleitoral
no momento.
“O que os senhores acham de nós revogarmos
a autonomia do Banco Central?”, perguntou Bolsonaro à plateia. “De revogarmos a
reforma trabalhista, a reforma da Previdência? De retornarmos o imposto
sindical, de reestatizar as empresas que foram desestatizadas, de acabar com o
teto de gastos, de o governo começar a interferir nos preços da Petrobras e da
energia?”, disse Bolsonaro, descrevendo o roteiro de terror que seria a volta
de Lula ao poder.
De fato, Lula da Silva já anunciou que, sim,
caso ele seja eleito, muitos avanços recentes serão “revistos”, como são os
casos das reformas trabalhista e da Previdência. O chefão petista afirmou há
pouco tempo que o Brasil nem sequer precisava dessas reformas. Lula também já
prometeu que extinguirá o teto de gastos, que interferirá nos preços dos
combustíveis e que não privatizará nenhuma estatal. Ou seja, o discurso
destemperado de Bolsonaro não era, nem de longe, uma mentira – mas, como tudo o
que envolve o presidente, era parte de um embuste.
Pois Bolsonaro já faz quase tudo o que diz
que Lula da Silva vai fazer caso volte ao Palácio do Planalto. Se em 2018
Bolsonaro era a “novidade”, agora terá um passivo de, até este momento, três
anos de desastres para tentar escamotear. Foi sob o governo Bolsonaro que ruiu
o teto de gastos públicos; que o Orçamento da União foi franqueado por um
presidente pusilânime ao apetite voraz do Centrão; que o Brasil se tornou um
pária internacional por uma política externa destrambelhada e por retrocessos
na proteção do meio ambiente. Foi sob Bolsonaro que o País passou a viver sob
permanente tensão de uma disrupção política antidemocrática, algo que é
essencialmente contra a livre iniciativa e o florescimento das atividades
econômicas.
O segundo embuste do presidente da
República, e neste ele está acompanhado por Lula da Silva, é vender aos
empresários que a disputa presidencial já está definida entre ele e seu
principal adversário. Não é verdade, pois ainda faltam oito meses para as
eleições, tempo suficiente para que os eleitores conheçam todos os candidatos,
e não somente Bolsonaro e Lula, que jamais desceram do palanque. Em 2018 havia
alternativas responsáveis e capazes a Bolsonaro e ao preposto do então
presidiário Lula da Silva, assim como certamente haverá boas alternativas a
Lula e Bolsonaro neste ano.
Ou seja, compra a patranha quem quiser,
seja qual for a coloração partidária.
Crise mundial e oportunismo
O Estado de S. Paulo
Alta excepcional do petróleo vira pretexto para a retomada de projetos populistas que tentam conter o aumento da gasolina
São cada vez mais evidentes os riscos
econômicos em que a invasão da Ucrânia pela Rússia colocou o mundo. O fluxo de
produtos originários ou destinados à região foi ou está sendo interrompido ou
severamente prejudicado. Trigo, petróleo, gás e milho estão entre os principais
produtos exportados pela região. O efeito é universal. Se ainda não subiram, em
algum momento subirão os preços de bens tão diversos como o pão fresco, o
macarrão, insumos e matérias-primas de uma vasta lista de produtos industriais,
produtos agropecuários e o custo dos transportes.
Nos dez dias que se seguiram à decisão do
presidente russo, Vladimir Putin, de invadir a Ucrânia, o preço do petróleo
subiu mais de 20%. Em um ano, a alta é maior do que 70%. O barril do óleo tipo
Brent chegou a ser cotado perto de US$ 120. Agora, vem oscilando em torno de
valores recordes dos últimos 14 anos. Em algum momento, haverá impacto sobre os
preços dos combustíveis para o brasileiro. É uma das formas como a crise do
Leste Europeu afetará a vida no Brasil.
Transformar crise em oportunidade é um dos
muitos lemas que executivos de empresas utilizam para motivar a si mesmos e a
seus subordinados em momentos de dificuldades. Parece ser também o de políticos
mais interessados em angariar prestígio e voto do que em amenizar as agruras
que o brasileiro, sobretudo o menos protegido, já enfrenta há anos e que a
crise europeia tende a acentuar.
Atento a oportunidades geradas pela crise,
o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou que colocou na pauta
de votação o pacote de projetos de lei que têm como objetivo declarado reduzir
o preço dos combustíveis. “Precisamos tomar medidas que impeçam a elevação do
preço dos combustíveis”, disse, para justificar sua iniciativa. Trata-se de
evidente oportunismo.
Ainda que o senador tenha êxito e algum
projeto com a finalidade por ele mencionada venha a se transformar em lei, será
essencialmente inútil para atingir seu objetivo principal. O principal fator do
aumento da gasolina tem sido a alta do petróleo. Leis, por mais
bem-intencionadas que sejam, não impedem oscilações de preços típicas do
mercado mundial de commodities, especialmente o petróleo. E o petróleo está tão
caro como poucas vezes se viu na história.
A alta não é automática e integralmente
repassada para o preço da gasolina. Graus diferentes de eficiência das empresas
importadoras e refinadoras podem mitigar ou intensificar o efeito da alta do
óleo sobre o bolso do consumidor final e sobre os custos das empresas que
utilizam insumos derivados de petróleo. O câmbio igualmente afeta o preço em
moeda local. Pode-se também criar uma espécie de colchão que amorteça os
efeitos mais severos da alta do petróleo.
Congressistas tentam vender uma ilusão. O
que eles prometem é uma solução que impeça a alta da gasolina. É populismo.
Será que a Petrobras pode reduzir o preço da gasolina que está congelado há
quase dois meses, período em que a cotação do petróleo explodiu? Um pouco de
realismo evitaria aventuras como a que se trama no Senado.
Educação em frangalhos
O Estado de S. Paulo
Resultado do Saresp 2021 dá a dimensão do déficit de aprendizagem durante a pandemia. Resgatar os alunos é resgatar o Brasil
O recém-publicado resultado das provas do
Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp),
aplicadas em dezembro de 2021, revelou um panorama sombrio. Os alunos do 3.º
ano do ensino médio da rede estadual obtiveram as piores notas em Matemática de
toda a série histórica da avaliação feita pelo governo paulista, iniciada em
2010. A maioria dos alunos (58,7%) do último ano do ensino médio saiu da escola
sem conhecer noções elementares da disciplina. O desempenho na prova de Língua
Portuguesa foi igualmente sofrível.
Em 2021, os estudantes obtiveram nota 264,2
em Matemática. Até então, o pior resultado fora registrado em 2013, e mesmo
assim acima do atual (268,7). Em Língua Portuguesa, a nota média obtida no fim
do ano passado despencou em relação a 2019, aproximando-se do resultado de
2013. Note-se que não se está falando de conhecimentos altamente
especializados, mas do manejo básico do idioma pátrio e das operações
matemáticas. Sem isso, o que esperar do futuro dessa massa de jovens?
Resgatá-los, em grande medida, é resgatar o País.
O Brasil estará condenado a ser um país
medíocre caso o desastre causado pela pandemia de covid-19 na área de educação
não seja revertido por políticas públicas bem planejadas e executadas desde já
por Estados e municípios e, a partir do início de 2023, pelo governo federal. É
quando se espera que o Ministério da Educação (MEC) – que se fez presente
apenas pela irracionalidade de seus titulares nos últimos três anos – tenha,
enfim, a chance de ser reerguido por um presidente da República digno do cargo
após a razia promovida na pasta por Jair Bolsonaro.
A educação brasileira, particularmente nos
níveis fundamental e médio, a rigor já não ia bem antes da eclosão da pandemia.
Casos pontuais de boas políticas educacionais foram registrados em alguns
municípios, mas os indicadores nacionais e regionais de desempenho dos alunos
em conhecimentos básicos, como Língua Portuguesa e Matemática, já oscilavam
abaixo dos padrões internacionais há algum tempo.
A disseminação do novo coronavírus, somada
à inoperância de um presidente que enxerga o poder como mero exercício de mando
e escudo contra a responsabilização por suas ações e omissões, impôs novos
desafios à aprendizagem e agravou problemas antigos. De um dia para o outro,
por exemplo, a pandemia obrigou professores e alunos que jamais haviam
experimentado o ensino remoto a se adaptarem a uma nova forma de interação.
O necessário fechamento das escolas nos
primeiros meses da pandemia foi seguido por políticas erráticas e desastrosas
dos governos subnacionais em relação à reabertura – mais um reflexo da ausência
do MEC. O que se viu foi o crescimento brutal da desigualdade entre alunos por
classificações de renda e cor e um notável aumento do déficit de aprendizagem,
que apenas no Estado de São Paulo, o mais rico e desenvolvido do País, chega a
seis anos.
É evidente que o resultado pífio obtido
pelos estudantes paulistas no Saresp 2021 é parte de uma miséria cognitiva que
se reproduz Brasil afora, fruto da tibieza dos governos, em todas as esferas da
administração, ao lidar com a educação no curso da pandemia. O fechamento das
escolas era uma medida necessária no início da pandemia, mas o ensino remoto,
sem a estrutura necessária, provou-se um fracasso, sobretudo entre os mais
pobres. Em seguida, criou-se um modelo híbrido, que também não se mostrou
eficaz. E, nessa política de tentativa e erro, prevaleceu o erro e o resultado
aí está.
Já se sabe o que precisa ser feito para
reverter esse quadro trevoso. Há organizações da sociedade civil muito sérias
que, diligentemente, têm feito diagnósticos e apontado caminhos. No Congresso,
há uma dedicada bancada de deputados e senadores a serviço da educação
trabalhando para tirar o País do atraso. Alguns secretários estaduais e municipais
de Educação, por sua vez, têm conseguido êxitos locais que servem de exemplo
para todo o País.
A importância da educação para o futuro do Brasil precisa deixar de ser o truísmo das campanhas eleitorais e se tornar a realidade percebida por milhões de alunos, pais e professores. O que falta é ação.
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