Blog do Noblat / Metrópoles
Ainda que a bomba só tenha sido usada duas vezes, pelos Estados Unidos, em 1945, sua simples existência é prova de estupidez
A Ucrânia faz lembrar os dias de outubro de 1962 em que olhávamos para os céus querendo saber se Estados Unidos e União Soviética haviam iniciado a guerra nuclear. O mundo temia que isto acontecesse, devido a reação dos norte-americanos contra a existência de foguetes russos em Cuba. Trinta anos depois, o mundo respirou aliviado quando o fim da União Soviética terminou com as razões para a guerra nuclear em escala mundial. Um engano, porque este risco sempre existirá enquanto a tecnologia for capaz de fazer as bombas e a política foi capaz de usá-la. Sessenta anos depois, a história se repete, mudando apenas o fato que, em vez de Cuba cercada pelos Estados Unidos, contra a União Soviética, agora é a Ucrânia cercada pela Rússia, contra foguetes dos Estados Unidos/OTAN. O risco é o mesmo: algum dirigente apertar o botão da guerra nuclear.
No começo dos anos 1960, um escritor
húngaro de nome Arthur Koestler levantou a ideia de que o ser humano é um
animal suicida: com uma inteligência capaz de fazer bomba atômica e uma moral
capaz de usá-la, se autodestruindo, mesmo quando atinge o adversário. Segundo
ele, o cérebro humano carrega um defeito de fabricação: de um lado a lógica da
ciência e da engenharia, de outro a moral da guerra e da destruição.
Ainda que a bomba só tenha sido usada duas
vezes, pelos Estados Unidos, em 1945, sua simples existência é prova de
estupidez: se for para usá-la é suicídio, se for apenas para assustar é
burrice. Até porque se ela existir, um dia será usada por um dos países que já
dispõem dela ou dos muitos que nas próximas décadas vão dispor, ou por mãos
privadas de terroristas ou chantagistas nucleares. Em um tempo em que viagem
espacial já é promovida por empresas, tudo indica que em breve as bombas atômicas
estarão disseminadas. Imaginar o fim de todas as guerras é uma crença exagerada
na qualidade moral dos seres humanos, divididos em nações, tribos, clãs,
famílias, indivíduos em permanente disputa pelo enriquecimento. A única saída
para o ser humano desmentir Koestler é abolir bombas nucleares: promover um
radical desarmamento de todas as bombas atômicas. Este desarmamento faz sentido
lógico porque a bomba atômica ameaça a própria nação que a dispõe.
Neste momento em que outra vez se repete o
risco de uma hecatombe, o Brasil deveria defender o desarmamento nuclear
irrestrito: todas as bombas nos países que já dispõem delas e todos que se
propõem a construir novas. Talvez este propósito seja impossível porque nenhum
dos países nucleares vai querer abrir mão de suas armas e talvez seja
impossível impedir novos países, empresas, famílias, grupos capazes de fazê-las
no futuro, mas a defesa do desarmamento nuclear seria demonstração de força
moral na tentativa de barrar a insensatez.
O Brasil daria prova de liderança
humanista. Temos a ciência, a dimensão e a economia para sermos um país nuclear
e abrimos mão deste poder, temos moral para sugerir isto ao mundo. A volta do
risco na Ucrânia é o momento para o Brasil levantar esta voz. Difícil imaginar
o atual governo com autoridade e vontade para propor desarmamento, mas os
candidatos à presidência, já em campanha, poderiam verbalizar esta proposta do
Brasil para o mundo, tomando-a como compromisso de política externa a partir de
2023.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Nenhum comentário:
Postar um comentário