O Estado de S. Paulo
Aos fatos: guerra é guerra, condenação é
condenação e Bolsonaro não é neutro
Na Rússia, o autocrata Vladimir Putin impõe ao povo
russo que guerra não é guerra, invasão não é invasão, só há uma “operação
militar especial”. Quem fala o contrário fica sujeito a prisão de 15 anos, o
principal jornal de oposição foi fechado, a imprensa está censurada, há
restrições ao Facebook e ao Twitter e crianças são bombardeadas com fake news.
Na ONU, Conselho de Segurança, Assembleia-Geral, assembleias emergenciais e Conselho de Direitos Humanos votam pela condenação da Rússia na guerra, mas condenação não é condenação. O texto da Assembleia-Geral não “condena”, só “deplora” a ação russa.
No Brasil, a posição do Itamaraty é a mesma desde a nota no dia da invasão e em todas as manifestações na ONU, pedindo “cessar-fogo” e “suspensão imediata das hostilidades”. Não fala em guerra, como quer a Rússia, nem em condenação, como definiram os conchavos na ONU. Aqui, guerra é “hostilidade”.
Esses contorcionismos verbais mostram o
peso das palavras nas relações internacionais e a força da comunicação dos
poderosos para moldar a realidade, distorcer fatos e manipular corações e
mentes nos próprios países e no mundo.
Se belicamente a Ucrânia não chega aos pés
da Rússia, que tem bomba atômica e é a segunda maior potência militar, o
presidente Volodmir Zelensky vence na
comunicação. Despojado, coloquial, ele massifica a percepção de “vítima”, “bem
contra o mal”, “fraco e forte”, “rico e pobre”. De outro lado, um Putin frio,
ameaçador.
Aqui no Brasil, a comunicação é confusa,
desencontrada, a partir dos termos do presidente Jair Bolsonaro: “solidariedade” à
Rússia, “neutralidade” e “parceria” com Putin. Na primeira versão, a simpatia
com o vilão da história era por causa dos fertilizantes, agora é pela defesa de
Putin à soberania do Brasil na Amazônia, amanhã, sabe-se lá qual será a
justificativa, enquanto a diplomacia contém danos e mantém a racionalidade.
Essa ambiguidade remete à ida de Bolsonaro
a Moscou, às vésperas da guerra lá e da eleição cá, levando não os ministros da
Economia e da Agricultura, mas o especialista em fake news Carlos Bolsonaro e
oito oficiais da mais alta patente. O que essa constelação de estrelas queria
com Putin, estrategista de guerras e fake news em eleições alheias?
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