O Globo
Bolsonaro usa guerra como pretexto para
liberar garimpo na Amazônia
Jair Bolsonaro quer usar a invasão da
Ucrânia como pretexto para liberar a mineração em terras indígenas. Na
quarta-feira, o capitão disse que a guerra vai prejudicar a importação de
fertilizantes à base de potássio. Logo, seria preciso reduzir a dependência
externa de “algo que temos em abundância”.
O truque lembra uma fala célebre de Ricardo
Salles. O ex-ministro queria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” na
legislação ambiental. Agora o presidente quer aproveitar o ataque russo para
fortalecer o garimpo. É a boiada de Putin.
O projeto do governo foi apresentado no início de 2020. Parou na mesa do deputado Rodrigo Maia, que prometeu a líderes indígenas não levá-lo a plenário. Com a ascensão de Arthur Lira, o lobby das mineradoras voltou a se assanhar. Antes do conflito no Leste Europeu, a proposta entrou na lista de prioridades legislativas do Planalto.
“Usar a guerra como argumento é uma grande
falácia”, critica Márcio Santilli, ex-presidente da Funai e fundador do
Instituto Socioambiental. “A demanda por potássio em terras indígenas é
irrisória. O interesse real das mineradoras está na extração de ouro e
diamante”, aponta.
Além de permitir a exploração mineral, o
projeto facilita a instalação de hidrelétricas e o plantio de transgênicos em
áreas demarcadas. O texto foi enviado ao Congresso com a assinatura do então
ministro Sergio Moro. Ao apresentá-lo, o capitão disse que gostaria de
“confinar” todos os ambientalistas na Amazônia.
A 6ª Câmara do Ministério Público Federal
já definiu o texto como uma “grave ameaça” às comunidades indígenas. Os
procuradores contabilizaram mais de quatro mil pedidos de exploração mineral em
216 áreas demarcadas. Isso desmente a tese de que os índios seriam beneficiados
pela legalização do garimpo. “Não são os interesses dos indígenas ou da União
que motivam a proposta de regulamentação dessa atividade, mas sim o interesse
econômico de determinados grupos”, resumiu o MPF. Apesar dos alertas, a Câmara
pode aprovar a boiada nos próximos dias.
O garimpo expõe os povos da floresta a
conflitos, devastação e doenças. Em 2019, a Fiocruz revelou que 56% das
mulheres e crianças da região de Maturacá, no Amazonas, estavam contaminados
por mercúrio. O governo barrou um novo estudo em Roraima, onde os ianomâmis já
convivem com mais de 20 mil invasores. A corrida do ouro é incentivada por
palavras e atos do presidente. Há três semanas, ele editou um decreto que cria
a figura da “mineração artesanal”.
Na quinta-feira, a ministra Tereza Cristina
reconheceu que o Brasil errou ao se tornar dependente da importação de
fertilizantes. Faltou dizer quem tomou a “decisão equivocada”. Desde 2017, a
Petrobras vendeu três fábricas próprias no país. A quarta foi fechada há dois
anos, obedecendo ao plano de “desinvestimento” lançado por Michel Temer e
mantido por Bolsonaro.
Nova política
Em fevereiro, o deputado Kim Kataguiri afirmou que a Alemanha não deveria ter criminalizado o neonazismo. Menos de um mês depois, o deputado Arthur do Val, o Mamãe Falei, disse que as mulheres ucranianas “são fáceis porque são pobres”. Os dois integram a infantaria do MBL, que foi vendido como expressão da “nova política”.
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