O Globo
A economia russa caiu num precipício e puxa as outras economias. A globalização atou tanto milhões de fios entre os países que o terremoto que atinge uma nação é sentido por todas as outras. A ideia de que o Brasil não seria afetado pela proibição de venda de fertilizantes não faz sentido. A Rússia não conseguirá vender porque a seguradora não fará o seguro que é obrigatório em qualquer carga. Metade do gás neon do mundo é fabricado pela Ucrânia e o produto é insumo para chips e semicondutores, e isso afeta a indústria de automóveis. Os choques se espalham assim, pelos elos que se formaram em anos de cooperação.
É da natureza da economia atual que nenhum
país produza tudo. Mesmo uma economia com barreiras ao comércio internacional,
como a nossa, depende de inúmeros insumos, produtos e mercados para continuar
funcionando. Dois erros comuns dos governantes em qualquer crise é achar que é
possível se blindar contra o problema ou, pior, que será beneficiado por ser um
porto seguro a 10 mil quilômetros da guerra. Não existe longe. Foi assim nos
colapsos cambiais dos anos 1990, foi assim na quebra do Lehman Brothers, é
assim em qualquer evento extremo.
A guerra de Putin gerou uma crise
geopolítica, financeira, econômica, comercial, militar e humanitária. O mundo
assiste, com pouca capacidade de reação, uma nação ser esmagada por uma
potência militar, lutar uma luta perdida e desesperada pela autodeterminação. É
dramático, é repulsivo, é desumano. Ao lado da dor de ver um país se esvaindo,
o mundo teve que viver momentos de terror com o ataque à Zaporíjia, maior usina
nuclear da Europa. Um Exército que é instruído a atacar uma usina atômica é
terrorista. A palavra usada pelo presidente Volodymyr Zelensky é a única
possível.
Escrevi aqui há cinco dias que o bombardeio
econômico que atingiu a Rússia a levaria de volta à crise de 1998. Em relatório
na sexta-feira, o JP Morgan disse que pode ser até pior do que o colapso do
rublo de 1998, na esteira das crises cambiais de uma sequência de moedas. O
banco disse que a recessão será de 7%, a Bloomberg Economics aposta em 9%. A
verdade é que não se pode estimar porque tudo dependerá da duração da guerra e
das sanções. Não há mais cenário bom para a Rússia, mas isso afetará também
todas as outras economias. O primeiro choque atinge a Europa.
As sanções tinham que ser decretadas, dado
que não se pode dar uma resposta militar a uma potência com 6.000 ogivas
nucleares, um governante sem limites, num país em que a sociedade foi
amordaçada. Mas ao congelar as reservas internacionais russas, os países
ocidentais instalaram uma crise imediata de liquidez no país, que rapidamente
afundou a sua economia. Tudo se agravou na avalanche de empresas que decretaram
o fim das atividades na Rússia ou negócios com suas empresas. A Rússia foi
sendo desligada do mundo. Nada disso se faz sem espalhar estilhaços por todas
as economias.
Ao fim desta semana trágica, 70% do seu
petróleo estava sem comprador, apesar de os russos estarem oferecendo o produto
com desconto. A comercializadora não comprava, o banco não financiava, a
transportadora se negava a transportar. Toda carga precisa de seguro. Então,
mesmo que a Rússia queira vender fertilizantes, o Brasil precise comprar, e
haja quem transporte, os operadores não conseguem fechar o contrato com a
seguradora.
— Ficou muito arriscado, o delta de risco
da Rússia subiu exponencialmente para a seguradora. O navio pode ficar retido —
explicou um especialista.
Claro que o Brasil pode correr atrás do
Canadá, Marrocos, Irã, China, mas todos os outros países estão fazendo o mesmo.
Há vários gargalos se formando. O mundo já vivia um choque de energia, agora
vive o segundo antes de resolver o primeiro. As cotações de petróleo, gás,
carvão explodiram nos últimos dias. Até o carvão. O ataque à usina nuclear
tornou concreto um perigo que parecia apenas um cenário de terror. A usina atômica
pode virar uma arma contra a própria população em caso de agressão externa.
Nos últimos dez dias o mundo teve que
pensar no impensável e viver o indescritível. Pesadelos que pareciam ter ficado
no passado ou pertencer aos filmes e livros de ficção amanheceram na nossa
porta. Ainda não sabemos como sair do tormento de Vladimir Putin criou para
todos nós.
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