O Globo
Não se sabe o que acontece no Kremlin,
muito menos o que se passa na cabeça de Vladimir Putin. Passados 105 anos,
sabe-se bem o que acontecia nos palácios do czar Nicolau II em 1917.
No dia de hoje, pelo calendário gregoriano,
a Rússia Imperial estava em guerra contra a Alemanha e ia mal. A vida doméstica
de Nicolau ia pior. Uma de suas filhas e o príncipe herdeiro, Alexei, estavam
doentes (era sarampo). A czarina Alexandra ainda não havia se recuperado do
assassinato, em dezembro, do monge Rasputin, curandeiro de seu garoto
hemofílico. Ela vivia chapada por tranquilizantes. A Corte russa era um
serpentário de intrigas e pensava-se até num golpe. Num desses planos,
Alexandra seria mandada para um mosteiro.
Nos últimos dois anos, além de Rasputin, a
Rússia tivera quatro primeiros ministros, cinco ministros do Interior, três
chanceleres, outros três ministros da Guerra e quatro da Agricultura.
Bailava-se nos palácios, mas faltava comida em São Petersburgo e formavam-se longas filas diante das lojas num inverno que levava a temperatura a quinze graus abaixo de zero. Como aconteciam alguns protestos e greves, Alexandra aconselhou o marido: “Eles precisam aprender a ter medo de você. O amor não basta.”
No dia seguinte, 8 de março, o tempo estava
bom (cinco graus abaixo de zero), e dezenas de milhares de trabalhadores, a
maioria mulheres, tomaram as ruas de São Petersburgo. Se o negócio era botar
medo, veio um mau sinal: os soldados relutaram em reprimir a manifestação.
Muita gente cantava a “Marselhesa”. Nada a ver com os bolcheviques, que eram
poucos. Lênin estava na Suíça, Trotsky, em Nova York, e Stalin, na Sibéria.
Essa data de março marca o início da Revolução de Fevereiro. Era o dia 23, pelo
calendário juliano, vigente à época na Rússia.
As greves alastraram-se, paralisando 200
mil trabalhadores, e começaram casos de confraternização de soldados com
operários. Com novas manifestações, dessa vez com cerca de 200 mil pessoas, a
czarina disse ao marido que aquilo era coisa de desordeiros e, se a temperatura
caísse, eles ficariam em casa. Um chefe bolchevique da cidade achava coisa
parecida: bastaria que houvesse mais pão. O czar descansava a cabeça lendo
Júlio César. Nisso, adoeceu mais uma filha, e na cidade saqueavam-se padarias,
mas os teatros funcionavam.
Nicolau mandou atirar, e morreram duzentas
pessoas. Três regimentos de elite da cidade amotinaram-se, varejaram o arsenal,
levaram 40 mil rifles e seguiram para a cadeia onde estavam os presos
políticos, libertando-os. Um general que passava de carro a caminho de um
almoço no palácio ficou a pé. Indo para a costureira, a poeta Anna Akhmatova
reclamava porque não conseguia um táxi. São Petersburgo foi tomada pela
revolta, o chefe de polícia foi morto. A bailarina Mathilde Kschessinska, que
muitos anos antes tirara a virgindade de Nicolau, foi avisada que a coisa ia
mal, juntou algumas coisas e abandonou seu palacete. No dia seguinte, a casa
foi saqueada. (Meses depois, ela veria uma bolchevique, com seu casaco de
arminho.)
No dia 12 de março (27 de fevereiro, pelo
calendário juliano), os motins tomaram conta dos quartéis. Segundo o
historiador Richard Pipes, esta deveria ser a data da Revolução de Fevereiro.
Quando a notícia chegou a Nicolau, ele disse que eram maluquices que “nem me
incomodei de responder”. Sua mulher achava que estavam acontecendo “coisas
terríveis” e passou pela sepultura de Rasputin. Ele previra que se morresse ou
se o czar o abandonasse, perderia a coroa em seis meses.
Passaram-se apenas dois meses, e o regime
caíra. Os ministros foram presos e levados para uma fortaleza, escoltados por
um rebelde que lá estivera preso.
Na noite de 15 de março, Nicolau II
abdicou. Como não havia entendido o que acontecia, passou a coroa para um
irmão, achando que mais tarde iria para a Inglaterra. Nada disso aconteceu.
Stalin chegaria a São Petersburgo em março,
Lênin, em abril, e Trotsky, em maio. Em outubro, com um golpe, os bolcheviques
tomaram o poder, e a Revolução de Fevereiro ficou fora de moda.
Hungria 1956
A repulsa dos Estados Unidos e das nações
europeias diante da invasão da Ucrânia honra a nova ordem mundial, mas o
estímulo à resistência armada deve levar em conta um mau precedente.
Em 1956, o povo húngaro foi estimulado para
rebelar-se contra a invasão soviética e deixado à própria sorte.
O primeiro-ministro Imre Nagy asilou-se na
embaixada da Iugoslávia. Foi deportado, devolvido e acabou enforcado.
Brasil e EUA
O Brasil e os Estados Unidos já tiveram
períodos de aproximação e de distanciamento. Nunca, porém, viveram um período
no qual o que falta é interlocução. No caso da guerra da Ucrânia, o que faltou
foi conversa.
O embaixador americano em Brasília deixou o
posto há mais de um ano, e sua sucessora ainda não chegou.
Há três anos, Bolsonaro dizia que mandaria
seu filho para a embaixada, e o palácio espalhava que o presidente Donald Trump
mandaria um de seus filhos para o Brasil.
Madame Natasha
Natasha está tentando transformar seus
frascos de perfume em coquetéis molotov para defender o idioma. Ela concedeu
mais uma de suas bolsas ao ministro Ricardo Lewandowski. Trancando a ação que o
lavajatismo moveu contra Lula pela compra dos caças suecos, ele disse o
seguinte:
“Não há como deixar de levar em conta a
incontornável presunção de que a compra das referidas belonaves ocorreu,
rigorosamente, dentro dos parâmetros constitucionais de legalidade,
legitimidade e economicidade mesmo porque, até o presente momento, passados
mais de sete anos da assinatura do respectivo contrato, não existe nenhuma
notícia de ter sido ele objeto de contestação por parte dos órgãos de
fiscalização, a exemplo da Controladoria-Geral da União, do Ministério Público
Federal ou do Tribunal de Contas da União.”
Ele quis dizer que a compra dos aviões foi
legal e ninguém reclamou. Não precisava de uma frase com 79 palavras. Natasha e
o dicionário Houaiss são do tempo em que belonave era navio e não voava.
Aviso ao agro
País de vocação e história agrícolas, a
Ucrânia tem excelentes institutos de pesquisas. Assim como o antissemitismo
trouxe para o Brasil destacados cientistas, a bola está rolando para os pés do
agronegócio.
Mourão e o Rio
Foram muitos os motivos que levaram o
general da reserva Hamilton Mourão a disputar uma vaga no Congresso pelo Rio
Grande do Sul e não pelo Rio de Janeiro. Afinal, lá ia bem nas pesquisas.
Com o patrimônio do próprio nome, não
queria se expor a alianças radioativas.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e não vai à praia
porque é grátis. Ele não se impressionou com a decisão do governo de zerar o
imposto de importação de 16% dos jet-skis.
O que ele não entende é porque o mesmo governo cobra 14,4% na importação de telefones celulares.
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