Folha de S. Paulo
Alheios à tragédia ucraniana são sujeitados
a dificuldades por não estarem no perde-ganha das potências
A guerra econômica, financeira, cultural e
esportiva dos Estados Unidos e da União Europeia à Rússia
realiza um sonho de 105 anos das potências ocidentais.
Desde a extinção do czarismo, só por uma
vez a punição destrutiva foi tentada, na guerra civil fomentada por nações
ocidentais contra a revolução comunista em 1917, com o Exército Branco dos
restauradores derrotado pelo Exército Vermelho.
Mas
derrubar Putin e, no mesmo passo, a potência russa, só para os Estados
Unidos tem o velho sentido.
O que pesa sobre Putin é mais do que o ataque brutal aos ucranianos. É também o fato de ser uma lembrança ativa da União Soviética.
Na competição da tecnologia
armamentista, na corrida pelo uso estratégico do espaço e pela influência
em numerosos países e regiões, a Rússia pós-comunista manteve os projetos da
nação alheios à mudança do regime. Política com que a União Europeia conviveu
sem maiores asperezas, apesar de alguma contraposição em apoios militares.
Aos europeus, no entanto, o reverso
econômico e social das punições à Rússia custará muito mais do que aos
americanos. Ainda
maiores, só os danos sociais lançados sobre meros espectadores. Os
favelados do Brasil, os trabalhadores brasileiros de baixos salários, os
desempregados e aposentados, às dezenas de milhões, já estão sofrendo danos
muito maiores do que os americanos e os europeus: "...disparada de preços
de petróleo, trigo e outros produtos caminha para a maior alta semanal em 50
anos", dito melhor, em meio século.
Com os brasileiros, seus iguais no restante
do mundo.
Os preços dependem de motivo para subir. Se
alguns o tiverem, os demais os seguem. Os salários, não. Quando enfim
aumentados, será a "correção salarial", mentira urdida para encobrir
a diferença entre o índice de inflação, dito corretivo, e o verdadeiro aumento
do custo dos assalariados por viver e ter família.
Há, nisso, poderosa dose de sem-vergonhice.
À qual, até onde pode ir meu testemunho, só se negaram os governos de Getúlio,
Jango, Sarney, Itamar, Lula e Dilma. Os demais 19, desde o fim da ditadura de
Getúlio em 1945, foram unânimes na política econômica de classe e na demagogia.
Os palpites sobre o futuro são incontáveis,
mas a imensidão de possibilidades da guerra e de suas consequências
ridiculariza os tantos cartomantes de ocasião.
Uma observação séria do professor de
relações internacionais Felipe Loureiro, por exemplo, aponta para a incerteza até
das pretendidas punições. É grande o risco de seu excesso ou mau direcionamento
levar a resultados como a unidade interna, para resistir a toda pressão
externa. Lembrou ele o caso extremo do Japão, que, sufocando sob as sanções dos
Estados Unidos contra seu expansionismo asiático, partiu para a guerra com
o ataque
a Pearl Harbor.
No sexto dia da guerra, uma TV europeia
—não é preciso dizer o país— iniciou assim uma crônica de guerra: "Dois
lados. Há sempre dois lados na guerra". Feita essa elucidação, era
dispensável ouvir mais. Os dois lados lá estão na Ucrânia e no mistério do
futuro.
O problema é que, sendo duas guerras, os
dois são três: Rússia, Ucrânia e, na sua ofensiva sem tiros, a aliança de
Estados Unidos e União Europeia, que tem objetivos também à parte da tragédia
ucraniana.
E lembrando ainda o lado dos alheios à
guerra e sujeitados à maior dificuldade de viver por não estar no perde-ganha
das potências.
E lembrando ainda o lado
dos alheios à guerra e sujeitados à maior dificuldade de viver por não estar no
perde-ganha das potências.
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