Folha de S. Paulo
O vício do Twitter desmoraliza veículos de
imprensa e os próprios jornalistas
O Estatuto Militar proíbe a participação de
militares da ativa em atos políticos. No Brasil atual, militares
da ativa passam o dia espalhando consignas políticas nas redes sociais.
O New York Times, arrependido de uma
orientação formulada muitos anos atrás, acaba de recomendar
a seus jornalistas que se desintoxiquem do Twitter. No fundo, o memorando
interno do jornal argumenta que o jornalismo profissional é incompatível com a
militância política nas redes sociais.
"Podemos depender demais do Twitter
como ferramenta de reportagem ou feedback —o que é especialmente nocivo quando
nossos feeds se tornam câmaras de eco", diz o memorando.
As redes sociais fragmentaram a Agora. No lugar da antiga praça central do mercado de ideias criada pela imprensa, surgiram incontáveis palanques isolados: bolhas discursivas frequentadas por tribos ideológicas. O jornalista viciado no Twitter comporta-se como qualquer internauta: imagina que a sua bolha representa a "opinião justa" e nutre-se psicologicamente dos aplausos virtuais que obtém.
"Tuítes de impulso danificam nossa
reputação jornalística (...) bem como nossos esforços para animar uma cultura
de inclusão e confiança", alerta o NYT. O vício do Twitter desmoraliza a
"reputação jornalística" dos veículos de imprensa e dos próprios
jornalistas. Como solicitar ao leitor o pagamento por reportagens assinadas por
jornalistas que, nas redes sociais, operam como militantes de projetos
partidários ou movimentos sociais?
Abaixo da superfície, há algo mais. O
memorando está dizendo que o programa jornalístico não combina com as certezas
ideológicas absolutas típicas das tribos amalgamadas pelas redes sociais.
O que é programa jornalístico? A imprensa
profissional só pode existir em sociedades abertas, que respeitam os princípios
da liberdade de expressão e da pluralidade de ideias. Por isso, a imprensa não
busca a "neutralidade". Jornalistas que defendem ditaduras nas quais
a expressão (e a imprensa) tem que se submeter à "verdade estatal" só
são jornalistas no nome.
Objetividade jornalística, por outro lado,
é uma utopia necessária que deriva do programa jornalístico. A imprensa busca a
objetividade (sem jamais alcançá-la) pois acredita que, para além das guerras
de narrativas, existe uma verdade factual. A alegação
de Putin, de pretender "desnazificar" a Ucrânia, esbarra no fato
incontestável de que a Ucrânia não vive sob o nazismo.
Mas a busca da objetividade tem um sentido
mais profundo, ligado ao princípio da pluralidade de ideias. O jornalista tem o
dever de reconhecer a legitimidade básica das ideias dos diferentes atores
envolvidos numa controvérsia ideológica —e de embeber seu texto no caldo desse
reconhecimento.
Na ponta oposta, jornalistas que defendem a
supressão de ideias expressas nos limites da lei não passam de censores
disfarçados (exemplo próximo: o comitê Jocevir, Jornalistas pela Censura
Virtuosa, nesta Folha).
O jornalismo de opinião, como esta coluna,
ocupa lugar diferente, mas não imune aos desafios postos pelas redes sociais.
Não é (não deveria ser) um vale tudo: o autor do texto opinativo também tem
obrigações jornalísticas. Com exceção de quadros partidários, que veiculam
explicitamente uma opinião coletiva, o colunista deve fidelidade a um contrato
de confiança com o leitor.
O contrato implícito estabelece que ele
exprime suas opiniões pessoais, amparadas num conhecimento formal ou numa
experiência de vida. E, sobretudo, que tais opiniões não se subordinam a
interesses de grupos (partidos, lobbies ou movimentos sociais). O colunista
intoxicado pelas guerras virtuais perde a capacidade de separar seus pontos de
vista das mensagens de correntes ideológicas que embalam sua vida intelectual.
Jornalistas não são soldados —mas, como eles,
precisam decidir para quem batem continência.
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