O Estado de S. Paulo
Discurso pró-Putin se disseminou em grupos
de esquerda apesar do massacre nas ruas de Bucha
A fotografia de crianças em desespero,
fugindo de um bombardeio de napalm, ajudou a mudar a opinião do mundo sobre
a Guerra do Vietnã. O flagrante, de 1972, foi captado por Nick Ut, que
cobria o conflito em Trang Bang, aldeia próxima a Saigon. Ele trabalhava para a
agência Associated Press, responsável por várias outras imagens icônicas do
conflito – entre elas a da execução de um soldado, que foi parar na capa do
jornal The New York Times.
É possível fazer um paralelo entre a foto de Nick Ut e as imagens de cadáveres de civis ucranianos espalhados pelas ruas de Bucha. Em vez de uma aldeia próxima a Saigon, temos um subúrbio de Kiev. No lugar do flagrante estático, imagens em movimento. Elas são tão chocantes que o YouTube exige senha e cadastramento aos usuários que tentam acessá-las.
O exército russo nega ter perpetrado um massacre em Bucha, e a imprensa internacional foi cautelosa nos primeiros relatos sobre o fato. Passadas duas semanas, multiplicam-se as evidências de crimes de guerra. A revista The Economist atesta que em pelo menos nove cadáveres examinados por seus repórteres há indícios flagrantes de execuções: mãos amarradas nas costas, e tiros no peito ou na cabeça.
No Brasil, surpreendeu que tal discurso se
disseminasse em algumas redes sociais da esquerda não-institucional – no
mini-podcast da semana, o sociólogo Pablo Ortellado constata e explica o
fenômeno. Segundo ele, há tanto nostalgia dos tempos da Guerra Fria quanto
influência de um movimento stalinista jovem. Os esquerdistas que defendem o
ditador russo receberam nas redes o apelido de “vladimínions”.
Vídeos chocantes como o de Bucha tornam
mais difícil a vida da extrema-direita europeia. Le Pen mudou seu discurso
sobre Putin para não perder votos na França. A opinião pública do continente se
une cada vez mais contra o ditador russo. O único chefe de estado europeu que
ainda manifesta simpatia por Putin é o húngaro Viktor Orbán. Com isso, perdeu
influência no “grupo de Visegrado”, o clube de autocratas do leste. Polônia,
Eslováquia e República Checa se afastam cada vez mais da esfera russa.
É o caso de aguardar a reação dos
“vladimínions” brasileiros diante dos cadáveres de Bucha.
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