sábado, 16 de abril de 2022

Carlos Alberto Sardenberg: Como o Brasil pode ficar rico?

O Globo

‘Na origem de nossa incapacidade de retomar o crescimento está uma avassaladora captura do Estado por interesses privados, em detrimento do bem comum. Falhamos em aprimorar as instituições inclusivas, alargando o espaço para o crescimento de instituições extrativistas. No lugar de cumprir seu papel essencial de oferecer serviços públicos de qualidade à população, o Estado passou a servir a interesses e privilégios de grupos que dele se apropriaram.’

Assim começa o denso e oportuno documento intitulado “Desenvolvimento inclusivo, sustentável e ético”, de autoria de Affonso Pastore, Cristina Pinotti e Renato Fragelli. Trata-se, acredito, da mais importante contribuição recente para um debate que pode ser assim reduzido: como o Brasil pode escapar da armadilha da renda média e se tornar um país rico?

Tendo em vista uma questão crucial —um Estado a serviço do público —, destaca-se a importância das “instituições contratuais (verticais) que regulam o direito de propriedade, incluindo as que protegem os cidadãos contra o poder abusivo das elites, políticos e grupos de privilégio corruptos”.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deveria ser uma dessas instituições. Sua missão é zelar pela livre concorrência no mercado.

Pois o Cade está no noticiário desta semana. Mas não exatamente nessa missão. O que saiu foi o áudio de uma conversa entre Joesley Batista, um dos donos da J&F, e o então senador Ciro Nogueira, em 17 de março de 2017. Joesley gravou a conversa quando estava em busca de provas para basear sua delação premiada.

A empresa de Joesley tinha um caso no Cade. Ele procurou a conversa com Ciro Nogueira sabendo que este tinha influência no órgão. E tinha mesmo. Como diz o próprio Nogueira, ele colocara lá seu chefe de gabinete, Alexandre Cordeiro, chamando-o de “meu menino”. Como relatam repórteres do Estadão, Cordeiro protagonizou decisões polêmicas, como o voto a favor da venda da Oi para Vivo, Tim e Claro — que concentrou o mercado —e a manifestação favorável à venda da Transfederal, empresa de serviços do ex-presidente do Senado Eunício Oliveira, para a espanhola Prosegur. Técnicos do Cade haviam reprovado a operação.

Hoje Ciro é o ministro da Casa Civil, um dos mais poderosos do governo Bolsonaro, Cordeiro é o presidente do Cade. Outro ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, Marcelo Lopes da Ponte, ocupa o importante posto de presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação —sim, aquele enrolado na história dos pastores.

Temos ou não temos aí uma “avassaladora captura do Estado por interesses privados”?

O documento de Pastore, Pinotti e Fragelli ocupa-se também de reforma tributária. Propõe, entre outros pontos, a “unificação dos cinco impostos sobre bens e serviços —ICMS, IPI, PIS, Cofins e ISS — em um IVA nacional, com alíquota única, cobrado no destino, com rápida recuperação dos créditos acumulados”.

Isso também esteve no noticiário nesta semana. Havia uma proposta parecida no Senado, em tramitação há quase 20 anos, que chegou perto de uma votação. Foi jogada no lixo. Acharam que não era hora de tratar desse assunto.

Depois de 20 anos de debate! Quando se sabe que a carga tributária é elevada, penaliza os mais pobres e o sistema é um inferno para empresas e cidadãos.

O documento propõe mudanças importantes no Imposto de Renda, demonstrando que se pode obter mais justiça tributária.

Há uma veemente defesa do teto de gastos, a âncora fiscal, e da necessidade de produzir seguidos superávits primários nas contas públicas de modo a reduzir o endividamento. Menor endividamento é igual a juros menores, o que facilita o investimento privado. É este, na opinião dos autores, e na nossa também, o motor do crescimento.

Mas cabe ao Estado papel essencial na educação, no combate à pobreza, nas políticas de emprego e no compromisso com o meio ambiente.

Voltaremos ao assunto. Há muito o que falar e pensar.

 

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