O Globo
‘Na
origem de nossa incapacidade de retomar o crescimento está uma avassaladora
captura do Estado por interesses privados, em detrimento do bem comum. Falhamos
em aprimorar as instituições inclusivas, alargando o espaço para o crescimento
de instituições extrativistas. No lugar de cumprir seu papel essencial de
oferecer serviços públicos de qualidade à população, o Estado passou a servir a
interesses e privilégios de grupos que dele se apropriaram.’
Assim começa o denso e oportuno documento
intitulado “Desenvolvimento inclusivo, sustentável e ético”, de autoria de
Affonso Pastore, Cristina Pinotti e Renato Fragelli. Trata-se, acredito, da
mais importante contribuição recente para um debate que pode ser assim
reduzido: como o Brasil pode escapar da armadilha da renda média e se tornar um
país rico?
Tendo em vista uma questão crucial —um Estado a serviço do público —, destaca-se a importância das “instituições contratuais (verticais) que regulam o direito de propriedade, incluindo as que protegem os cidadãos contra o poder abusivo das elites, políticos e grupos de privilégio corruptos”.
O Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) deveria ser uma dessas instituições. Sua missão é zelar pela
livre concorrência no mercado.
Pois o Cade está no noticiário desta
semana. Mas não exatamente nessa missão. O que saiu foi o áudio de uma conversa
entre Joesley Batista, um dos donos da J&F, e o então senador Ciro
Nogueira, em 17 de março de 2017. Joesley gravou a conversa quando estava em
busca de provas para basear sua delação premiada.
A empresa de Joesley tinha um caso no Cade.
Ele procurou a conversa com Ciro Nogueira sabendo que este tinha influência no
órgão. E tinha mesmo. Como diz o próprio Nogueira, ele colocara lá seu chefe de
gabinete, Alexandre Cordeiro, chamando-o de “meu menino”. Como relatam
repórteres do Estadão, Cordeiro protagonizou decisões polêmicas, como o voto a
favor da venda da Oi para Vivo, Tim e Claro — que concentrou o mercado —e a manifestação
favorável à venda da Transfederal, empresa de serviços do ex-presidente do
Senado Eunício Oliveira, para a espanhola Prosegur. Técnicos do Cade haviam
reprovado a operação.
Hoje Ciro é o ministro da Casa Civil, um
dos mais poderosos do governo Bolsonaro, Cordeiro é o presidente do Cade. Outro
ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, Marcelo Lopes da Ponte, ocupa o
importante posto de presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
—sim, aquele enrolado na história dos pastores.
Temos ou não temos aí uma “avassaladora
captura do Estado por interesses privados”?
O documento de Pastore, Pinotti e Fragelli
ocupa-se também de reforma tributária. Propõe, entre outros pontos, a
“unificação dos cinco impostos sobre bens e serviços —ICMS, IPI, PIS, Cofins e
ISS — em um IVA nacional, com alíquota única, cobrado no destino, com rápida
recuperação dos créditos acumulados”.
Isso também esteve no noticiário nesta
semana. Havia uma proposta parecida no Senado, em tramitação há quase 20 anos,
que chegou perto de uma votação. Foi jogada no lixo. Acharam que não era hora
de tratar desse assunto.
Depois de 20 anos de debate! Quando se sabe
que a carga tributária é elevada, penaliza os mais pobres e o sistema é um
inferno para empresas e cidadãos.
O documento propõe mudanças importantes no
Imposto de Renda, demonstrando que se pode obter mais justiça tributária.
Há uma veemente defesa do teto de gastos, a
âncora fiscal, e da necessidade de produzir seguidos superávits primários nas
contas públicas de modo a reduzir o endividamento. Menor endividamento é igual
a juros menores, o que facilita o investimento privado. É este, na opinião dos
autores, e na nossa também, o motor do crescimento.
Mas cabe ao Estado papel essencial na
educação, no combate à pobreza, nas políticas de emprego e no compromisso com o
meio ambiente.
Voltaremos ao assunto. Há muito o que falar
e pensar.
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