terça-feira, 12 de abril de 2022

Maria Clara R. M. do Prado: Impasses em torno da inflação

Valor Econômico

Preocupa a persistência do processo de alta de preços, que se arrasta desde o segundo semestre de 2021

A inflação de março medida pelo IPCA, cujo nivel de 1,62% a todos assustou, sem dúvida preocupa. Menos pela variação tão elevada em apenas um mês e mais pela persistência do processo de alta de preços que se arrasta desde o segundo semestre do ano passado.

De fato, é a maior inflação observada em um mês de março na era do Real. Em igual período de 1995, o IPCA fechou em 1,55% o mais elevado da série até então. Não vale comparar com março de 1994, quando a URV (Unidade Real de Valor) entrou em vigor, porque os preços ainda eram denominados em cruzeiro real, a moeda velha que desapareceu do cenário monetário brasileiro em 1º de julho daquele ano.

O moribundo cruzeiro real amargava nos últimos meses de vida uma inflação mensal de mais de 40%, como se sabe, e boa parte deste aumento deveu-se às remarcações preventivas de preços pelo receio dos empresários com as consequências imediatas da estabilização. Portanto, havia um forte componente de imprevisibilidade a explicar parte do descompasso inflacionário daquele período.

Inflação é uma maldição que pode atingir toda e qualquer moeda. Trata-se de um fenômeno perverso que distorce não apenas as relações econômicas e contratuais, mas tem o efeito de empobrecer a população, em especial as pessoas que vivem nos segmentos de renda mais baixa. O auxílio distribuído pelo governo para compensar a retração do PIB perde poder de compra quando a inflação é alta. Uma renda adicional de R$ 100 valeria apenas R$ 85 em termos reais face uma inflação anual de 15%, por exemplo.

O ponto crucial, em verdade, é o processo. Como surgiu? O que o alimenta? Por que persiste? Quanto tempo tende a durar?

Os fatores que têm contribuído para o aumento da inflação são fartamente conhecidos: problemas nas cadeias produtivas; maior consumo de produtos duráveis; maior demanda por mão de obra no mercado norte-americano e aumento dos preços do petróleo e do gás. Tudo isso foi acentuado com a ameaça de embargo aos insumos russos.

O mundo vive sob o efeito de dois choques inesperados: a pandemia da covid-19 e a guerra na Ucrânia. Pandemia, aliás, que resiste apesar da vacinação maciça. O confinamento em Xangai de 26 milhões de pessoas por tempo indeterminado afeta a economia mundial e pode pressionar a inflação.

Dúvidas a respeito do comportamento dos bancos centrais, acusados de terem sido demasiadamente lenientes no auge da pandemia, adicionam insegurança quanto ao futuro mais imediato. O Fed - banco central dos Estados Unidos - por exemplo, é criticado pela incapacidade de enxergar o desequilíbrio entre a oferta e a demanda no mercado de trabalho, uma das principais causas da retomada da inflação norte-americana em 2021.

A insistência do Banco Central em manter a taxa de juros baixa por mais tempo do que deveria também é apontada por alguns especialistas como um dos fatores por detrás da expansão inflacionária no país. O IPCA de 11,3% acumulado em doze meses até março está longe de ser trivial. A marca, acima dos 10,06% cravados em 2021, é um largo salto sobre os 4,52% de 2020. Até que ponto a atuação do BC pode ser culpada por parte da inflação observada?

Difícil dizer, mas há análises estatísticas que dão uma indicação do “bom comportamento” dos bancos centrais ao longo dos anos na missão de combater a alta dos preços e a autoridade monetária brasileira está fora do seleto grupo.

O economista sênior do Departamento de Pesquisa do FMI, Ruchir Agarwall, e o professor da Universidade do Colorado, Miles Kimball, juntaram-se para avaliar a inflação e escreveram três textos (ver no site do FMI) sobre o tema. No primeiro, a partir de exercício puramente empírico, buscam comparar o sucesso dos bancos centrais que, segundo definem, equivale a manter o índice de preços abaixo de 4% durante três anos, verificado a cada trimestre desde 1990.

Os “bad boys” são aqueles que colhem inflação acima de 4% ao ano durante um período de 36 meses. O levantamento foi feito com os países que integram a OCDE e, entre eles, fora as causas extemporâneas (como o da Islândia na crise de 2008), a Turquia é o destaque de mau comportamento.

O Brasil, sabe-se, não faz parte daquela organização - por isso, não foi contemplado na pesquisa - mas, se fizesse, estaria ao lado dos turcos no rol dos bancos centrais ineficientes. Basta olhar as estatísticas do IBGE para constatar que na era do Real a inflação medida em doze meses esteve abaixo de 4% em curtos períodos de tempo: entre abril de 1998 e junho de 1999; de julho de 2006 e julho de 2007 e entre maio de 2017 e maio de 2018. A partir de dezembro de 2018 comportou-se ora acima ora abaixo daquela marca e em apenas oito meses de período contínuo (de março a outubro de 2020) o IPCA foi inferior a 4%.

Há mais perguntas do que respostas com respeito à inflação. Os gargalos nas cadeias produtivas, a alta dos combustíveis fósseis e dos cereais, além da tendência ao protecionismo continuarão a pairar no ar enquanto a covid-19 não desaparecer do mapa e a guerra na Europa oriental não chegar a um fim.

Por outro lado, as incertezas tendem a influenciar os bancos centrais com vistas a não sacrificarem em demasia a retomada do crescimento. Neste sentido, o aperto nos juros necessário para baixar a inflação não seria cravado em pedra. A mesma dupla de economistas estima que para fazer valer a regra de Taylor - equação que costuma orientar a atuação dos BCs - alguns países desenvolvidos teriam de aumentar os juros para o nível de 7%, algo impensável nas atuais circunstâncias

 

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