Folha de S. Paulo
Nossa falha moral foi não tê-lo submetido a
um impeachment
É difícil ser humano. Estamos meio que
condenados a nos equilibrar precariamente entre o apego a princípios e os
imperativos da realidade. Se tratamos tudo como um embate moral, o risco é nos
tornarmos fanáticos, daqueles que punem o menor deslize com a fogueira. Se
consideramos que tudo é negociável, o perigo é nos convertermos em cínicos,
daqueles que pregam o relativismo absoluto.
É difícil aqui fugir ao conselho, algo acaciano, de Aristóteles, segundo o qual a virtude está no meio. Não podemos nem ser tão moralistas que não consigamos construir soluções negociadas, nem tão relativistas que não reconheçamos qualquer hierarquia nos valores. O Brasil vem fracassando miseravelmente nessa busca pelo equilíbrio.
Jair Bolsonaro jamais deveria ter sido
eleito presidente. O fato de isso ter ocorrido, porém, faz parte dos riscos
inafastáveis da democracia. De vez em quando, o eleitorado elege um completo
despreparado. Tem até algum efeito didático, já que ensina que, embora votos
individuais tenham peso irrisório num pleito, as escolhas coletivas fazem
enorme diferença.
Nossa grande falha moral foi não ter
submetido Bolsonaro a um impeachment, mesmo depois de ele ter jogado contra o
país na pandemia e ter repetidamente ameaçado as instituições. Separadas, cada
uma dessas situações já teria justificado a destituição; juntas, num universo
decente, elas a tornariam obrigatória. O Congresso, porém, preferiu fechar os
olhos para as transgressões do presidente.
Apesar disso, minorias de parlamentares
ainda conseguiam esboçar algum tipo de reação. Vimos isso na CPI da Covid. Mas,
agora que Bolsonaro se deu para o centrão, a minoria não
consegue mais nem criar uma CPI. Assinaturas são, sabe-se lá por
quais mecanismos, retiradas. E Bolsonaro ainda mostra fôlego nas pesquisas.
Definitivamente, estamos nos tornando um país de cínicos, daqueles que sabem o
preço de tudo e o valor de nada.
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