Correio Braziliense
Perguntem ao ex-governador
João Doria (PSDB): quem é o seu adversário principal? A mesma pergunta pode ser
feita a Simone Tebet (MDB) ou a Ciro Gomes (PDT). Não quererão responder
Na arte da guerra, não identificar o
inimigo principal pode ser um erro capaz de levar ao desastre. Numa ordem
democrática, é melhor chamar o “inimigo” de adversário, porque ele pode ser o
aliado de amanhã, como está acontecendo agora, com o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB), seu
rival no segundo turno das eleições de 2006, então pelo PSDB. Numa eleição
polarizada entre Lula e o presidente Jair Bolsonaro, o desafio da chamada
terceira via é identificar o adversário principal no primeiro turno.
A história está repleta de erros de
avaliação sobre essa questão. O mais notório foi o confronto entre comunistas e
social-democratas na Alemanha, que dividiu o movimento sindical e a
intelectualidade, abrindo caminho para Adolf Hitler chegar ao poder. Os
comunistas chamavam os social-democratas de social-fascistas, o que era um
equívoco, mas havia lá suas razões: o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht,
que representavam o espírito revolucionário da época. Eles acusavam a
Social-Democracia Alemã de traição, por ter aprovado os créditos de guerra no
Reichstag (parlamento alemão), em 4 de agosto de 1914. Liebeneck foi o único
deputado a votar contra a guerra.
Quando a onda da Revolução Russa impactou a Alemanha derrotada na guerra, em 1918, com o surgimento de conselhos operários, a queda do Kaiser e a Proclamação da República, o governo ficou nas mãos dos dirigentes mais conservadores da social-democracia, que fizeram um pacto com o estado-maior militar para liquidar o levante dos operários da Liga Spartacus, núcleo inicial do Partido Comunista Alemão. Em 15 de janeiro, um destacamento de soldados prendeu Liebknecht e Rosa, que lideravam o levante. Foram levados para o Hotel Éden, quartel-general dos Freikorps — veteranos do exército do Kaiser —, no centro de Berlim, paramilitares com os quais o governo social-democrata havia feito um acordo para reprimir a insurreição. Os dois líderes foram espancados, arrastados e mortos a tiros. O trauma da guerra dividiu a esquerda mundial, principalmente depois de Revolução Russa, e nunca mais foi superado.
Lula x Bolsonaro
Aqui no Brasil, erro igualmente trágico
ocorreu às vésperas do golpe militar de 1964. João Goulart havia assumido o
governo como vice de Jânio Quadros, que renunciara em 1961, em meio a forte
crise institucional, na qual os militares não queriam dar-lhe posse. Houve um
acordo para isso: a adoção do parlamentarismo. A posse de Jango fora garantida
pela confluência de uma grande mobilização popular, liderada pelo então
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e uma hábil articulação
parlamentar, na qual se destacaram Tancredo Neves e San Tiago Dantas. Para
recuperar parte do poder, em 1963, Jango viria a convocar e vencer um
plebiscito para a volta do presidencialismo, realizado em 6 de janeiro daquele
ano.
As eleições presidenciais estavam
convocadas para 1965. Os candidatos mais fortes eram Juscelino Kubitschek, do
antigo PSD, que pretendia voltar ao poder, e Carlos Lacerda, o governador da
antiga Guanabara, principal líder da UDN. Brizola não podia ser candidato, era
cunhado do presidente da República. Prestes articulava a reeleição de Jango. A
chave para isolar a UDN e evitar o golpe era recompor a aliança entre o PSD, o
PTB e o antigo PCB, que havia sido vitoriosa em 1955. Mas a esquerda
considerava isso um retrocesso, por causa da política de conciliação de
Juscelino com os Estados Unidos. No auge da guerra fria, o desfecho da crise foi
a destituição de Jango e a implantação do regime militar, que durou 20 anos.
Juscelino e Lacerda apoiaram a destituição de Jango, mas acabaram tendo os
direitos políticos cassados.
Perguntem ao ex-governador João Doria,
candidato do PSDB: quem é o seu adversário principal? A mesma pergunta pode ser
feita a Simone Tebet (MDB) ou a Ciro Gomes (PDT), que continuam na pista. Não
quererão responder agora. Eduardo Leite e Sergio Moro, sem legenda para
concorrer, também. O problema da terceira via não é somente chegar a um acordo
em torno daquele que for mais competitivo. Se fosse, hoje, o candidato único
seria Ciro Gomes, como poderia ser Moro, se não houvesse tropeçado na própria
esperteza ao trocar o Podemos pela União Brasil.
A unificação da terceira via tem um polo
centrípeto: a questão da democracia. Bolsonaro defende um projeto de
“democracia restrita”, ou “iliberal”, como agora se diz. Contra esse projeto se
batem todas as forças que defendem a nossa “democracia ampliada”, consagrada na
Constituição de 1988. Mas isso é considerado assunto para o segundo turno. O
xis da questão é polo centrífugo: quem é o adversário a ser deslocado no
primeiro turno. Pela lógica das pesquisas, o segundo colocado, Bolsonaro, seria
mais fácil de remover da disputa do que Lula, o primeiro. Entretanto, a
terceira via desloca sua linha de tiro de Bolsonaro para Lula, que busca velhos
aliados ao centro para inviabilizá-la de vez.
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