terça-feira, 12 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Desmandos no MEC precisam ser investigados

O Globo

 O Ministério da Educação se transformou numa fonte aparentemente inesgotável de transtorno e denúncias contra o governo. Começou com a revelação de que pastores estranhos aos quadros do MEC eram presença assídua na pasta, onde decidiam sobre as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em negociações escusas que, segundo prefeitos, envolviam pedidos de propina em troca da liberação de recursos.

A cada nova revelação fica mais claro que, aparelhado pelo bolsonarismo, o MEC virou um balcão de negócios voltado para atender às demandas políticas do Centrão, e não às necessidades prementes da claudicante educação brasileira. O último dos muitos desmandos é a promessa de construir 2 mil escolas em cidades do interior para as quais não há recursos disponíveis, enquanto existem 3.500 obras paralisadas por falta de verbas, como revelou reportagem do Estado de S. Paulo. Considerando o orçamento atual, a construção das unidades levaria cinco décadas. O projeto, em pleno ano eleitoral, foi apelidado de “escolas fake”.

Os descalabros no FNDE são a consequência esperada da entrega do fundo ao Centrão. A gestão está a cargo do presidente Marcelo Ponte, apadrinhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. O diretor de Ações Educacionais, Garigham Amarante, foi indicado por Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Resultado: faz-se política partidária onde deveria haver política educacional, fundamental para recuperar o atraso depois de dois anos de escolas fechadas durante a pandemia.

Como revelou O GLOBO, o FNDE, sob comando do Centrão, destinou R$ 4,1 milhões à compra de caminhões para transporte de merenda escolar. Do total, R$ 3,1 milhões (75%) beneficiaram 14 cidades governadas por prefeitos do PP, partido de Ciro Nogueira. Nove ficam no Piauí, seu reduto político. Os recursos foram repassados pelo orçamento secreto, via o famigerado mecanismo das emendas do relator.

Também rondam o FNDE denúncias de corrupção. Na semana passada, o Tribunal de Contas da União mandou suspender a licitação para compra de 3.850 ônibus escolares por preços 55% acima do mercado. Bolsonaro, que vive propagandeando um governo imune à corrupção, alegou que o problema foi descoberto pelos próprios organismos de fiscalização. Não é bem assim. Embora a área técnica do FNDE e a Controladoria-Geral da União tenham levantado a suspeita de sobrepreço, Ponte e Garigham ignoraram as ressalvas e autorizaram a licitação.

Os escândalos no MEC ensejaram um movimento para instalar uma CPI no senado. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) chegou a reunir 27 assinaturas, mas a força-tarefa do governo convenceu três senadores a retirar apoio. É pouco provável que prospere uma CPI em ano eleitoral, com o governo blindado pelo Centrão. Independentemente disso, as instituições de controle têm obrigação de se debruçar sobre a pilhagem em curso no MEC, em especial no FNDE, cujo orçamento soma R$ 46 bilhões, dos quais R$ 5 bilhões em verbas discricionárias e emendas parlamentares. Ainda que não houvesse roubalheira, seria um escândalo distribuir recursos sem critérios objetivos, com base no toma lá dá cá. Manipular ou desviar verbas da educação quando há escolas que não têm sequer água potável é um crime.

É essencial candidatos apresentarem propostas para reduzir desemprego

O Globo

Soluções para combater a chaga do desemprego são urgentes neste ano de eleições. Doze milhões de brasileiros procuram trabalho, ou 11% da força economicamente ativa. Enredados nesse drama estão outros quase 5 milhões que não aparecem na estatística do desemprego simplesmente porque desistiram de procurar vaga. Estudos de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostram que, sem crescimento econômico acima da média medíocre que temos registrado, persistirá a situação vexaminosa de um país que não consegue gerar oportunidades de trabalho.

Pela projeção do Ibre, a taxa de desemprego deverá ficar em 12% neste ano, acima da média de 9,8% entre 1995 e 2019. Para o Brasil retornar à taxa de um dígito, a economia teria de apresentar crescimento anual médio de 3,5% a partir de 2023 — e a meta só seria alcançada em 2026. Tal crescimento é considerado absolutamente improvável. Uma alta anual de 2,5% no PIB entre 2023 e 2026 reduziria a desocupação para ainda inaceitáveis 10,7%. Confirmado o prognóstico de crescimento de 1,5%, o desemprego continuará no estágio atual.

Não que sirva de consolo, mas a situação poderia ser pior. O salto na escolaridade registrado nas últimas três décadas resultou em avanços nada desprezíveis. No início dos anos 1990, por volta de 70% dos trabalhadores não tinham nem o ensino fundamental completo. Hoje, dois terços têm pelo menos ensino médio. O percentual dos com formação universitária subiu de 6% para 21%.

Para ilustrar a importância desse avanço, pesquisadores do Ibre/FGV estimaram a evolução do mercado de trabalho caso a escolaridade do início dos anos 90 tivesse ficado estagnada. Com os índices educacionais de 30 anos atrás, o percentual de trabalhadores no mercado informal seria de 64%, não os atuais 48%. A reforma trabalhista do governo Temer e novas tecnologias também tiveram um papel positivo ao incentivar o surgimento de novas modalidades de trabalho.

É importante reconhecer esses progressos para não cair na armadilha do “aqui nada dá certo”, mas eles pouco servem de alento para quem está sem trabalho. Sair do atoleiro exige mudanças na maneira como trabalhadores (em busca do primeiro emprego ou desempregados) são treinados e nos métodos de contratação. Não adianta haver centro de treinamento para cozinheiros em lugares onde a demanda é por mestres de obra. Sem plataformas eficientes, muitas vagas ficam abertas.

Aprimorar a requalificação e entender as demandas das empresas são passos necessários, mas insuficientes. O mercado de trabalho brasileiro só terá um nível aceitável de desemprego com crescimento econômico robusto. Quais são os planos específicos dos candidatos para resolver o problema? É uma questão essencial ainda sem resposta.

Segunda rodada

Folha de S. Paulo

Pleito francês volta a opor Macron à ultradireidista de imagem suavizada Le Pen

Realizado no domingo (10), o primeiro turno da eleição presidencial francesa repetiu em linhas gerais o cenário do pleito anterior, de 2017. Assim como há cinco anos, os dois primeiros colocados foram Emmanuel Macron e Marine Le Pen.

Enquanto o presidente centrista alcançou 28% dos votos, ante 24% em 2017, a candidata de ultradireita amealhou 23% dos sufrágios, pouco mais do que os 21% conquistados na outra disputa.

Verificou-se novamente o desencanto dos eleitores com os partidos tradicionais de centro-direita e de centro-esquerda, consolidando o ocaso das forças que dominaram a política francesa a partir do pós-guerra. Os Republicanos, herdeiros do gaullismo, conquistaram cerca de 5% dos votos. Já o Partido Socialista obteve menos de 2%.

Após um início de mandato envolto em grandes expectativas, Macron enfrentou no governo uma série de percalços, crises e protestos massivos, como o dos "coletes amarelos". Logrou, contudo, conservar um núcleo estável de apoiadores e busca agora ser o primeiro presidente francês reeleito desde Jacques Chirac, há 20 anos.

Para isso, promete tanto reajustar o salário mínimo como manter a impopular, mas necessária, elevação da idade de aposentadoria.

Já Le Pen, que disputa a Presidência pela terceira vez, empreendeu nos últimos anos uma bem-sucedida estratégia para se tornar mais palatável ao eleitor médio, deixando o discurso ideológico em segundo plano. Abandonou, nesse movimento, propostas como a saída da França da União Europeia e a criminalização do aborto.

No pleito, esse movimento tático foi beneficiado pela candidatura do esquerdista Éric Zemmour, cujo discurso francamente radical fez com que Le Pen soasse mais moderada na comparação. Pragmática, ela centrou sua campanha nas classes populares e nos impactos da recente alta da inflação.

Sua plataforma, contudo, preserva propostas abertamente discriminatórias contra imigrantes, como a realização de um plebiscito para redefinir a nacionalidade francesa, de modo a assegurar a prioridade dos "verdadeiros cidadãos" no acesso a habitação e emprego.

Outras promessas de cunho xenófobo versam sobre a "erradicação de ideologias islamitas" do país e multas para mulheres que usem véu em espaços públicos.

Se há cinco anos Macron triunfou sobre Le Pen pelo dilatado placar de 66% a 34% no segundo turno, hoje analistas colocam em dúvida a repetição dessa frente ampla a seu favor. Não resta dúvida de que ele segue favorito para se manter na Presidência, mas o risco de Le Pen —e a direita radical— chegar ao Palácio do Eliseu nunca foi tão grande como agora.

Ainda sem marca

Folha de S. Paulo

Regular para quase metade dos paulistanos, Nunes busca feito para chamar de seu

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que nem sequer completou um ano de gestão, apresenta aprovação baixíssima e similar às de antecessores. Trata-se de mais uma evidência de que comandar a maior metrópole do país costuma ser um desafio inglório para os que se aventuram no cargo.

Passados 11 meses desde que assumiu após a morte de Bruno Covas (PSDB), pesquisa Datafolha mostra que Nunes é aprovado por minguados 12% dos paulistanos.

Considerada a margem de erro, seu índice se compara aos amargados por Celso Pitta (no extinto PPB, com 15%), Gilberto Kassab (hoje no PSD, com 7% ao assumir no lugar do tucano José Serra e 15% após ser reeleito) e Fernando Haddad (PT, que atingiu 18%).

Com 30% de ruim e péssimo, Nunes ao menos é considerado regular por 46% dos paulistanos aptos a votar —uma parcela superior às dos que o precederam no posto.

Vereador por dois mandatos e pouco conhecido para além da zona sul, o emedebista manteve a maioria do secretariado nomeado por Covas e o perfil discreto.

A experiência legislativa e o estilo conciliador renderam-lhe vitórias consideráveis na Câmara Municipal, como as mudanças nas regras da Previdência, a prorrogação de contratos sem licitação e a aprovação do acordo bilionário de cessão do Campo de Marte à União.

A velocidade rara para aprovar pautas espinhosas motivou críticas da oposição, que vê em curso um "tratoraço" da administração.

Se no Legislativo o caminho parece pavimentado, falta-lhe ainda uma identificação maior de seu mandato com a população. A esta altura, por exemplo, o tucano João Doria já exibia o Corujão da Saúde, para a redução de filas de consultas e exames, e Haddad traçava as faixas exclusivas de ônibus.

Nesta segunda (11), ao comentar o mau desempenho, Nunes culpou a Covid-19. "É um momento de pandemia, com aumento de pessoas em situação de rua, o que acaba dando para a população uma sensação do problema econômico que o país vive", avaliou. De fato, de 2019 a 2021 o número de sem-teto cresceu trágicos 31%. Já são 31.884 pessoas, boa parte famílias inteiras.

É justamente nessa área que o prefeito ensaia deixar a sua marca, com políticas que preveem emprego e moradias independentes. Diante do quadro desolador das ruas da cidade, Nunes terá longa e árdua tarefa para fazer desta a sua vitrine e viabilizar-se para a reeleição.

Governo fake, corrupção real

O Estado de S. Paulo

O governo Bolsonaro empenha-se na produção de casos de mau uso de dinheiro público, como na Educação, e demonstra notável eficiência para proteger o presidente

O Ministério da Educação (MEC) autorizou a construção de 2 mil escolas sem que houvesse a respectiva dotação no Orçamento, em afronta escancarada às leis orçamentárias e de responsabilidade fiscal. Na feliz expressão da reportagem do Estadão que revelou mais esse escândalo do governo que se jacta de ter acabado com a corrupção, trata-se de “escolas fake”, destinadas somente a enfeitar os discursos de campanha dos bolsonaristas.

As “escolas fake” são a mais perfeita tradução de um governo igualmente “fake”. Quase nada do que foi prometido na campanha que elegeu Jair Bolsonaro para a Presidência em 2018 saiu do papel, das reformas às privatizações. Mas, agora está claro, não é só incompetência; é vocação: o governo de Bolsonaro está estruturado para atender aos interesses do Centrão, que, em troca, mantém o presidente no poder, a despeito das inúmeras razões para seu impeachment. E agora, em ano eleitoral, essa mesma máquina funciona freneticamente para conquistar votos, para o presidente e para os parasitas que se associaram a ele na tarefa de se apropriar do Estado para a satisfação de seus objetivos privados.

Se o governo é “fake”, a corrupção, no entanto, é bem real. A manipulação obscura do Orçamento talvez seja o caso mais grave, já que esconde dos cidadãos os critérios de distribuição de recursos públicos. Mas está longe de ser o único. 

Durante a pandemia de covid-19, por exemplo, o País, já indignado com a incompetência do governo para lidar com a crise, soube, estupefato, que integrantes do Ministério da Saúde tentaram negociar a compra de vacinas fora do horário de expediente e num shopping de Brasília. Agora, é o Ministério da Educação que se tornou uma usina de escândalos, que se juntam ao aparelhamento ideológico promovido pelo bolsonarismo. Ao longo de toda a pandemia, o governo federal cruzou os braços para a situação do ensino e dos estudantes, mas se mostrou muito eficiente na produção de casos de mau uso do dinheiro público.

Antes das “escolas fake”, o Estadão havia revelado que, mesmo depois de advertido por órgãos de controle, o MEC, num processo de compra de ônibus escolares, seguia oferecendo até R$ 480 mil por unidade que valia, no máximo, R$ 270 mil. O edital foi ajustado só depois que o caso veio à tona. Houve também o caso, revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, da compra de kits de robótica com sobrepreço para escolas sem água encanada. Não tinha infraestrutura mínima, não tinha prioridade no ensino, mas tinha superfaturamento.

Até o momento, o Palácio do Planalto dá sinais de que não está preocupado em sanear os processos do MEC ou de qualquer outro órgão do governo. Empenha-se apenas em impedir – todos os seus movimentos se orientam neste sentido – que as investigações sobre os escândalos avancem. 

Bastou a movimentação de alguns senadores para viabilizar a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os casos escabrosos do MEC – medida de elementar prudência perante tantos casos de mau uso dos recursos públicos – para que o governo rápida e eficientemente agisse para demover alguns parlamentares. Ou seja, o governo que passou todo o mandato de Bolsonaro demonstrando cavalar incompetência na articulação com o Congresso para aprovar reformas exibe agora inaudita eficiência para impedir que uma nova CPI fustigue o governo, algo delicado especialmente em ano eleitoral.

A repentina diligência do Palácio do Planalto gerou resultado imediato. Na sexta-feira passada, os senadores Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Styvenson Valentim (Podemos-AC) e Weverton Rocha (PDT-MA) retiraram seu apoio para abertura da CPI da Educação. Uma vez que os indícios de corrupção no MEC só aumentam, não se sabe se o governo conseguirá de fato barrar a investigação do Congresso. De toda forma, uma coisa é inegável: quando o objetivo é proteger o presidente, escamoteando a incompetência administrativa, a obscura manipulação do Orçamento e os negócios esquisitos conduzidos pelos operadores do governo, a gestão Bolsonaro adquire uma espantosa vitalidade.l 

O risco dos extremos na França

O Estado de S. Paulo

Macron ainda é favorito para vencer a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen, mas a erosão do centro democrático nos últimos cinco anos é visível

O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais francesas replicou o de 2017. O centrista e hoje incumbente Emmanuel Macron (do partido República em Marcha) enfrentará a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen (Reunião Nacional). O favoritismo ainda é de Macron, mas desde o início das eleições esse favoritismo diminuiu, e Le Pen tem hoje mais chances de virar o jogo, no dia 24, do que tinha em 2017. Para democratas e liberais franceses, a situação é de alerta. Para seus pares na Europa e no mundo o pleito francês é uma advertência.

Macron terminou o primeiro turno de 2017 com 24% dos votos. Agora atingiu quase 28%. A melhora reflete alguns resultados de sua gestão. Entre eles, o corte de impostos para empresas e famílias, a redução do desemprego, os programas de educação e capacitação e o desempenho na pandemia. O país tem mais vacinados que a média da Europa e sua economia se recuperou mais rápido. Macron revigorou o papel da França na União Europeia (UE), sua voz foi decisiva para o ambicioso fundo de recuperação pós-covid e vem sendo para equipar o bloco econômica e militarmente em tempos de incerteza geopolítica.

Por outro lado, seu “diálogo estratégico” com Vladimir Putin, presidente da Rússia, se mostrou ineficiente; e seu desinteresse pela Otan, temerário. Sua reforma da Previdência ficou congelada. Ele descobriu que a demagogia verde pode capitalizar menos apoio do que a popularidade do ambientalismo sugere: uma taxa sobre o diesel em 2018 deflagrou as revoltas populares dos “coletes amarelos”, das quais sua administração nunca se recuperou totalmente. Ele luta para se livrar da imagem pública de “presidente dos ricos”, conquistar a juventude e os que se sentem “deixados para trás” e mobilizar partidos na centro-esquerda e centro-direita. Em uma pesquisa recente, 60% dos franceses disseram não confiar em Macron, e 60% a 75% dizem que o país está em declínio.

Em 2017, Macron venceu Le Pen com sólidos 66% dos votos. Os estatísticos do Grupo The Economist e uma pesquisa do instituto YouGov projetam agora uma vitória bem mais apertada: algo entre 51% a 53%. Sintomaticamente, Le Pen tem mais apoio em quase todas as faixas etárias abaixo dos 55 anos.

A erosão do centro é visível, mas talvez seja menos tributável ao desânimo com Macron do que aos ânimos extremistas. Os votos combinados dos partidos tradicionais, Republicanos e Socialistas, caíram de 26% para 6,5%. Cerca de 60% dos franceses votaram em um candidato populista ou radical. O terceiro colocado, o radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon, perdeu para Le Pen por pouco.

Le Pen aumentou seus votos em mais de dois pontos porcentuais em relação aos 21% de 2017. Sua campanha foi mais pragmática, focando na redução do custo de vida e na imagem de uma líder capaz de tranquilizar o país em meio à crise. A campanha do ultrarreacionário Éric Zemmour (7% dos votos) ajudou a lhe dar ares moderados.

Mas todos os aspectos tóxicos de sua ideologia nacionalista permanecem no seu programa de governo, como o dirigismo econômico, a hostilidade em relação à UE e à Otan, a promessa de privilegiar os cidadãos franceses em relação a estrangeiros nas ofertas de emprego e moradia ou as ameaças aos costumes muçulmanos. No segundo turno, além da possível abstenção de verdes e socialistas, ela contará não só com os votos de Zemmour, mas com cerca de 20% dos votos de Mélenchon.

O avanço dos extremos na França serve de advertência aos centristas do mundo. Ele expõe a importância das alianças com partidos moderados, um tanto negligenciada por Macron. Em uma época de tribalismos e identitarismos exaltados e intensificados com a crise pandêmica e geopolítica, liberais e democratas têm o desafio de, sem renunciar à responsabilidade política e econômica, encontrar a fórmula quase mágica para serem populares sem serem populistas. Se vencer o desafio das eleições, Macron terá o desafio ainda maior de revigorar as instituições políticas na França. Como ele mesmo disse em 2016, “se não nos unirmos, em cinco ou dez anos”, Le Pen “estará no poder”.

Piora externa, crise local

O Estado de S. Paulo

O cenário internacional está mais sombrio, mas o Brasil é autossuficiente na maior parte dos desajustes econômicos

A semana começou com sinais preocupantes no mercado internacional e novos motivos de inquietação para os brasileiros, já assombrados, internamente, pela inflação acima de 11% ao ano e pelo baixo ritmo da atividade. Segunda maior economia do mundo e maior importadora de produtos brasileiros, a China enfrenta uma forte alta de preços na indústria, com aumento anual de 8,3% registrado em março. Além disso, medidas de lockdown contra novos casos de covid-19 têm forçado milhões de pessoas a se isolar, com evidente prejuízo para a produção. Na Europa, já se aposta em menor crescimento, com os negócios afetados principalmente pela redução da confiança do consumidor e pelo surto inflacionário.

Níveis de confiança de empresários e consumidores são alguns dos chamados indicadores antecedentes usados para detectar possíveis mudanças de tendência. Encomendas à indústria, formação de estoques e investimentos em máquinas e equipamentos também se incluem no grande conjunto desses indicadores. Com base nesses dados, economistas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) antecipam perda de impulso no Reino Unido e em toda a zona do euro, expansão estável nos Estados Unidos, no Japão e na China e redução de crescimento no Brasil.

No caso brasileiro, essa tendência havia sido assinalada em relatórios anteriores da OCDE, assim como em avaliações de outros órgãos multilaterais, do mercado e do setor público nacional. No mercado, os últimos levantamentos mostraram projeções em torno de 0,5% para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022. O Banco Mundial baixou de 1,4% para 0,7% o crescimento estimado para o País neste ano.

A nova onda de incerteza, agravada pela guerra na Ucrânia e pelos problemas chineses, derrubou em abril os indicadores dos Barômetros Globais, produzidos em colaboração pelo Instituto Econômico Suíço KOF, de Zurique, e a Fundação Getulio Vargas (FGV). O Barômetro Coincidente caiu 6,1 pontos em abril e chegou a 99,2 pontos, o menor nível desde janeiro de 2021 (97,2), sinalizando uma economia mundial já enfraquecida. O Barômetro Antecedente recuou 6,3 pontos e chegou a 86,9, menor patamar desde julho de 2020 (74,2), mostrando uma sensível piora das expectativas.

Mas o Brasil é autossuficiente quanto à maior parte dos desarranjos econômicos. Problemas internacionais podem agravar os brasileiros, mas o País produz inflação e estagnação sem contribuição estrangeira. A indústria brasileira já estava em declínio antes da pandemia. O desemprego já superava 11%, em nível parecido com o do início de 2022. Em nenhum ano, desde a recessão de 2015-2016, o PIB havia aumentado 2%. A inflação recuou por algum tempo, a partir de 2017, mas voltou a ganhar impulso e a superar de longe as taxas da maior parte do mundo. Ainda assim, desajustes externos podem ter algum efeito, se os juros altos afetarem os fluxos de dólares e os problemas chineses diminuírem as exportações brasileiras de alimentos e minérios. Afinal, sempre é possível piorar.

Extrema direita avança na França e ameaça Macron

Valor Econômico

Macron percebeu que terá de se engajar em sua própria campanha para evitar um desastre francês e europeu

Emmanuel Macron derrotou os partidos tradicionais franceses, como o Socialistas e Republicanos, com um movimento centrista construído do zero, em 2017. Cinco anos depois, os resultados do primeiro turno divulgados na noite de domingo mostram que a extrema direita e a extrema esquerda avançaram, colocando em dúvida uma vitória que parecia certa e ameaçando o precário equilíbrio da União Europeia. Marine Le Pen, do ultradireitista Reunião Nacional, passou para o segundo turno, como era esperado, mas as pesquisas imediatamente registraram que a disputa será bem mais apertada, longe dos 66% a 34% de Macron diante da rival na eleição anterior.

O presidente obteve 27,8% dos votos, ante 23,1% de Le Pen e 22% de Jean-Luc Mélenchon, do esquerdista França Insubmissa, que mal completou seu sexto ano de vida. Na nova paisagem política, em que os partidos tradicionais tiveram votação pífia, em especial o Partido Socialista, com Anne Hidalgo (1,8%), surgiram mais forças de direita radical, como a Reconquista, de Éric Zemmur, que em determinado momento ameaçou Le Pen e atingiu dois dígitos nas pesquisas (7,1% dos votos nas urnas). Com Valérie Pétresse, a direita gaulista dos Republicanos teve alguma esperança, logo desvanecida (4,8% dos votos).

Confiante, Macron mal se dedicou à campanha eleitoral, pelo menos não tanto quanto fez com relação às infrutíferas negociações para mediar o conflito da Rússia contra a Ucrânia. O assunto foi logo substituído por outro entre as inquietudes dos franceses, que prestaram atenção na nova roupagem de Le Pen, mais preocupada com preço dos combustíveis, desemprego, e carestia, o que lhe rendeu o apoio das áreas rurais atrasadas e do que restou da classe operária em cidades industriais decadentes. Macron foi melhor no norte do país, entre as pessoas empregadas, com maior renda e escolaridade.

A margem de vitória do presidente sobre sua rival foi maior do que em 2017, mas a onda direitista se fortaleceu e há muita incerteza sobre qual será a posição dos eleitores de Mélenchon no segundo turno. Uma dos traços da política francesa é que tanto a extrema direita quanto a esquerda são nacionalistas e têm algumas bandeiras comuns. Mélenchon é contra a Otan e vê com bons olhos a autocracia de Vladimir Putin, como Le Pen. Ambos são eurocéticos e apoiam políticas protecionistas. Macron é reformista, flexibilizou as regras trabalhistas, diminuiu impostos para empresas e os ricos e está empenhado em elevar a idade de aposentadoria de 62 para 65 anos.

Macron paira sobre as questões nacionais, o que lhe rendeu a imagem de “imperial” e de pouco conectado com os problemas cotidianos dos franceses, enquanto Le Pen se esforçou todo o tempo para parecer o contrário disso. Mélenchon disse que nenhum voto deveria ir para ela, mas em nenhum momento até agora insinuou apoiar Macron.

Pesquisas indicam que um quarto dos eleitores do França Insubmissa não irá votar no segundo turno e há uma fração deles que escolherá a candidata direitista. Atitude diferente tiveram partidos de esquerda sem votação expressiva. Os verdes e comunistas prometeram votar em Macron, assim como a direita republicana, mas é Mélenchon que pode mover o fiel da balança.

A extrema direita francesa nunca figurou tão bem em eleições no pós-guerra (Gideon Rachman, FT, ontem) e um sucesso na França colocaria em xeque os pilares da União Europeia em um momento político em que ela é particularmente vulnerável. Angela Merkel, a líder alemã que comandou o bloco por mais de uma década, saiu de cena. O novo chanceler alemão, Olaf Scholz, titubeia em relação a Putin pela dependência dos alemães da energia russa. Macron procura assumir a liderança política europeia, mas o avanço da direita é uma sombra ameaçadora a suas pretensões - uma derrota destruiria sua carreira política.

Le Pen mudou a direção dos discursos, mas o manual populista está intacto em seu programa, intacto. Ela se diz representante do povo contra as elites, defensora da nação contra o globalismo e do nacionalismo xenófobo. Propõe, por exemplo, que as leis francesas tenham primazia sobre as da UE. Seu discurso pareceu menos agressivo, até porque outros direitistas fizeram o papel de agitar o espantalho da imigração, como Zemmur, que prometeu repatriar 1 milhão de pessoas em cinco anos.

Macron percebeu que terá de se engajar em sua própria campanha para evitar um desastre francês e europeu. Segue sendo o favorito, mas doze dias de campanha é tempo suficiente para o azar.

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