EDITORIAIS
Desmandos no MEC precisam ser investigados
O Globo
A cada nova revelação fica mais claro que,
aparelhado pelo bolsonarismo, o MEC virou um balcão de negócios voltado para
atender às demandas políticas do Centrão, e não às necessidades prementes da
claudicante educação brasileira. O último dos muitos desmandos é a promessa de
construir 2 mil escolas em cidades do interior para as quais não há recursos
disponíveis, enquanto existem 3.500 obras paralisadas por falta de verbas, como
revelou reportagem do Estado de S. Paulo. Considerando o orçamento atual, a
construção das unidades levaria cinco décadas. O projeto, em pleno ano
eleitoral, foi apelidado de “escolas fake”.
Os descalabros no FNDE são a consequência
esperada da entrega do fundo ao Centrão. A gestão está a cargo do presidente
Marcelo Ponte, apadrinhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. O diretor
de Ações Educacionais, Garigham Amarante, foi indicado por Valdemar Costa Neto,
presidente do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Resultado: faz-se
política partidária onde deveria haver política educacional, fundamental para
recuperar o atraso depois de dois anos de escolas fechadas durante a pandemia.
Como revelou O GLOBO, o FNDE, sob comando do Centrão, destinou R$ 4,1 milhões à compra de caminhões para transporte de merenda escolar. Do total, R$ 3,1 milhões (75%) beneficiaram 14 cidades governadas por prefeitos do PP, partido de Ciro Nogueira. Nove ficam no Piauí, seu reduto político. Os recursos foram repassados pelo orçamento secreto, via o famigerado mecanismo das emendas do relator.
Também rondam o FNDE denúncias de
corrupção. Na semana passada, o Tribunal de Contas da União mandou suspender a
licitação para compra de 3.850 ônibus escolares por preços 55% acima do
mercado. Bolsonaro, que vive propagandeando um governo imune à corrupção,
alegou que o problema foi descoberto pelos próprios organismos de fiscalização.
Não é bem assim. Embora a área técnica do FNDE e a Controladoria-Geral da União
tenham levantado a suspeita de sobrepreço, Ponte e Garigham ignoraram as
ressalvas e autorizaram a licitação.
Os escândalos no MEC ensejaram um movimento
para instalar uma CPI no senado. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) chegou
a reunir 27 assinaturas, mas a força-tarefa do governo convenceu três senadores
a retirar apoio. É pouco provável que prospere uma CPI em ano eleitoral, com o
governo blindado pelo Centrão. Independentemente disso, as instituições de
controle têm obrigação de se debruçar sobre a pilhagem em curso no MEC, em
especial no FNDE, cujo orçamento soma R$ 46 bilhões, dos quais R$ 5 bilhões em
verbas discricionárias e emendas parlamentares. Ainda que não houvesse
roubalheira, seria um escândalo distribuir recursos sem critérios objetivos,
com base no toma lá dá cá. Manipular ou desviar verbas da educação quando há
escolas que não têm sequer água potável é um crime.
É essencial candidatos apresentarem
propostas para reduzir desemprego
O Globo
Soluções para combater a chaga do
desemprego são urgentes neste ano de eleições. Doze milhões de brasileiros
procuram trabalho, ou 11% da força economicamente ativa. Enredados nesse drama
estão outros quase 5 milhões que não aparecem na estatística do desemprego
simplesmente porque desistiram de procurar vaga. Estudos de pesquisadores do
Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV)
mostram que, sem crescimento econômico acima da média medíocre que temos
registrado, persistirá a situação vexaminosa de um país que não consegue gerar
oportunidades de trabalho.
Pela projeção do Ibre, a taxa de desemprego
deverá ficar em 12% neste ano, acima da média de 9,8% entre 1995 e 2019. Para o
Brasil retornar à taxa de um dígito, a economia teria de apresentar crescimento
anual médio de 3,5% a partir de 2023 — e a meta só seria alcançada em 2026. Tal
crescimento é considerado absolutamente improvável. Uma alta anual de 2,5% no
PIB entre 2023 e 2026 reduziria a desocupação para ainda inaceitáveis 10,7%.
Confirmado o prognóstico de crescimento de 1,5%, o desemprego continuará no
estágio atual.
Não que sirva de consolo, mas a situação
poderia ser pior. O salto na escolaridade registrado nas últimas três décadas
resultou em avanços nada desprezíveis. No início dos anos 1990, por volta de
70% dos trabalhadores não tinham nem o ensino fundamental completo. Hoje, dois
terços têm pelo menos ensino médio. O percentual dos com formação universitária
subiu de 6% para 21%.
Para ilustrar a importância desse avanço,
pesquisadores do Ibre/FGV estimaram a evolução do mercado de trabalho caso a
escolaridade do início dos anos 90 tivesse ficado estagnada. Com os índices
educacionais de 30 anos atrás, o percentual de trabalhadores no mercado
informal seria de 64%, não os atuais 48%. A reforma trabalhista do governo
Temer e novas tecnologias também tiveram um papel positivo ao incentivar o
surgimento de novas modalidades de trabalho.
É importante reconhecer esses progressos
para não cair na armadilha do “aqui nada dá certo”, mas eles pouco servem de
alento para quem está sem trabalho. Sair do atoleiro exige mudanças na maneira
como trabalhadores (em busca do primeiro emprego ou desempregados) são
treinados e nos métodos de contratação. Não adianta haver centro de treinamento
para cozinheiros em lugares onde a demanda é por mestres de obra. Sem
plataformas eficientes, muitas vagas ficam abertas.
Aprimorar a requalificação e entender as demandas das empresas são passos necessários, mas insuficientes. O mercado de trabalho brasileiro só terá um nível aceitável de desemprego com crescimento econômico robusto. Quais são os planos específicos dos candidatos para resolver o problema? É uma questão essencial ainda sem resposta.
Segunda rodada
Folha de S. Paulo
Pleito francês volta a opor Macron à
ultradireidista de imagem suavizada Le Pen
Realizado no domingo (10), o primeiro turno
da eleição presidencial francesa repetiu em linhas gerais o cenário do pleito
anterior, de 2017. Assim como há cinco anos, os
dois primeiros colocados foram Emmanuel Macron e Marine Le Pen.
Enquanto o presidente centrista alcançou
28% dos votos, ante 24% em 2017, a candidata de ultradireita amealhou 23% dos sufrágios,
pouco mais do que os 21% conquistados na outra disputa.
Verificou-se novamente o desencanto dos
eleitores com os partidos tradicionais de centro-direita e de centro-esquerda,
consolidando o ocaso das forças que dominaram a política francesa a partir do
pós-guerra. Os Republicanos, herdeiros do gaullismo, conquistaram cerca de 5%
dos votos. Já o Partido Socialista obteve menos de 2%.
Após um início de mandato envolto em
grandes expectativas, Macron
enfrentou no governo uma série de percalços, crises e protestos massivos,
como o dos "coletes amarelos". Logrou, contudo, conservar um núcleo
estável de apoiadores e busca agora ser o primeiro presidente francês reeleito
desde Jacques Chirac, há 20 anos.
Para isso, promete tanto reajustar o
salário mínimo como manter a impopular, mas necessária, elevação da idade de
aposentadoria.
Já Le Pen, que disputa a Presidência pela
terceira vez, empreendeu nos últimos anos uma bem-sucedida estratégia para se
tornar mais palatável ao eleitor médio, deixando o discurso ideológico em
segundo plano. Abandonou, nesse movimento, propostas como a saída da França da
União Europeia e a criminalização do aborto.
No pleito, esse movimento tático foi
beneficiado pela candidatura do esquerdista Éric Zemmour, cujo discurso
francamente radical fez com que Le Pen soasse mais moderada na comparação.
Pragmática, ela centrou sua campanha nas classes populares e nos impactos da
recente alta da inflação.
Sua plataforma, contudo, preserva propostas
abertamente discriminatórias contra imigrantes, como a realização de um
plebiscito para redefinir a nacionalidade francesa, de modo a assegurar a
prioridade dos "verdadeiros cidadãos" no acesso a habitação e
emprego.
Outras promessas de cunho xenófobo versam
sobre a "erradicação de ideologias islamitas" do país e multas para
mulheres que usem véu em espaços públicos.
Se há cinco anos Macron triunfou sobre Le
Pen pelo dilatado placar de 66% a 34% no segundo turno, hoje analistas colocam
em dúvida a repetição dessa frente ampla a seu favor. Não resta dúvida de que
ele segue favorito para se manter na Presidência, mas o risco de Le Pen —e a
direita radical— chegar ao Palácio do Eliseu nunca foi tão grande como agora.
Ainda sem marca
Folha de S. Paulo
Regular para quase metade dos paulistanos,
Nunes busca feito para chamar de seu
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes
(MDB), que nem sequer completou um ano de gestão, apresenta aprovação
baixíssima e similar às de antecessores. Trata-se de mais uma evidência de
que comandar a maior metrópole do país costuma ser um desafio inglório para os
que se aventuram no cargo.
Passados 11 meses desde que assumiu após a
morte de Bruno Covas (PSDB), pesquisa Datafolha mostra que Nunes é aprovado por
minguados 12% dos paulistanos.
Considerada a margem de erro, seu índice se
compara aos amargados por Celso Pitta (no extinto PPB, com 15%), Gilberto
Kassab (hoje no PSD, com 7% ao assumir no lugar do tucano José Serra e 15% após
ser reeleito) e Fernando Haddad (PT, que atingiu 18%).
Com 30% de ruim e péssimo, Nunes ao menos é
considerado regular por 46% dos paulistanos aptos a votar —uma parcela superior
às dos que o precederam no posto.
Vereador por dois mandatos e pouco
conhecido para além da zona sul, o emedebista manteve a maioria do secretariado
nomeado por Covas e o perfil discreto.
A experiência legislativa e o estilo
conciliador renderam-lhe vitórias consideráveis na Câmara Municipal, como as
mudanças nas regras da Previdência, a prorrogação de contratos sem licitação e
a aprovação do acordo bilionário de cessão do Campo de Marte à União.
A velocidade rara para aprovar pautas
espinhosas motivou críticas da oposição, que vê em curso um
"tratoraço" da administração.
Se no Legislativo o caminho parece
pavimentado, falta-lhe ainda uma identificação maior de seu mandato com a
população. A esta altura, por exemplo, o tucano João Doria já exibia o Corujão
da Saúde, para a redução de filas de consultas e exames, e Haddad traçava as
faixas exclusivas de ônibus.
Nesta segunda (11), ao comentar o mau
desempenho, Nunes
culpou a Covid-19. "É um momento de pandemia, com aumento de pessoas
em situação de rua, o que acaba dando para a população uma sensação do problema
econômico que o país vive", avaliou. De fato, de 2019 a 2021 o número de
sem-teto cresceu trágicos 31%. Já são 31.884 pessoas, boa parte famílias
inteiras.
É justamente nessa área que o prefeito ensaia deixar a sua marca, com políticas que preveem emprego e moradias independentes. Diante do quadro desolador das ruas da cidade, Nunes terá longa e árdua tarefa para fazer desta a sua vitrine e viabilizar-se para a reeleição.
Governo fake, corrupção real
O Estado de S. Paulo
O governo Bolsonaro empenha-se na produção de casos de mau uso de dinheiro público, como na Educação, e demonstra notável eficiência para proteger o presidente
O Ministério da Educação (MEC) autorizou a
construção de 2 mil escolas sem que houvesse a respectiva dotação no Orçamento,
em afronta escancarada às leis orçamentárias e de responsabilidade fiscal. Na
feliz expressão da reportagem do Estadão que
revelou mais esse escândalo do governo que se jacta de ter acabado com a
corrupção, trata-se de “escolas fake”, destinadas somente a enfeitar os
discursos de campanha dos bolsonaristas.
As “escolas fake” são a mais perfeita
tradução de um governo igualmente “fake”. Quase nada do que foi prometido na
campanha que elegeu Jair Bolsonaro para a Presidência em 2018 saiu do papel,
das reformas às privatizações. Mas, agora está claro, não é só incompetência; é
vocação: o governo de Bolsonaro está estruturado para atender aos interesses do
Centrão, que, em troca, mantém o presidente no poder, a despeito das inúmeras
razões para seu impeachment. E agora, em ano eleitoral, essa mesma máquina
funciona freneticamente para conquistar votos, para o presidente e para os
parasitas que se associaram a ele na tarefa de se apropriar do Estado para a
satisfação de seus objetivos privados.
Se o governo é “fake”, a corrupção, no
entanto, é bem real. A manipulação obscura do Orçamento talvez seja o caso mais
grave, já que esconde dos cidadãos os critérios de distribuição de recursos
públicos. Mas está longe de ser o único.
Durante a pandemia de covid-19, por
exemplo, o País, já indignado com a incompetência do governo para lidar com a
crise, soube, estupefato, que integrantes do Ministério da Saúde tentaram
negociar a compra de vacinas fora do horário de expediente e num shopping de
Brasília. Agora, é o Ministério da Educação que se tornou uma usina de
escândalos, que se juntam ao aparelhamento ideológico promovido pelo
bolsonarismo. Ao longo de toda a pandemia, o governo federal cruzou os braços
para a situação do ensino e dos estudantes, mas se mostrou muito eficiente na
produção de casos de mau uso do dinheiro público.
Antes das “escolas fake”, o Estadão havia revelado
que, mesmo depois de advertido por órgãos de controle, o MEC, num processo de
compra de ônibus escolares, seguia oferecendo até R$ 480 mil por unidade que
valia, no máximo, R$ 270 mil. O edital foi ajustado só depois que o caso veio à
tona. Houve também o caso, revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, da compra de kits
de robótica com sobrepreço para escolas sem água encanada. Não tinha
infraestrutura mínima, não tinha prioridade no ensino, mas tinha
superfaturamento.
Até o momento, o Palácio do Planalto dá
sinais de que não está preocupado em sanear os processos do MEC ou de qualquer
outro órgão do governo. Empenha-se apenas em impedir – todos os seus movimentos
se orientam neste sentido – que as investigações sobre os escândalos
avancem.
Bastou a movimentação de alguns senadores
para viabilizar a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
sobre os casos escabrosos do MEC – medida de elementar prudência perante tantos
casos de mau uso dos recursos públicos – para que o governo rápida e
eficientemente agisse para demover alguns parlamentares. Ou seja, o governo que
passou todo o mandato de Bolsonaro demonstrando cavalar incompetência na
articulação com o Congresso para aprovar reformas exibe agora inaudita
eficiência para impedir que uma nova CPI fustigue o governo, algo delicado
especialmente em ano eleitoral.
A repentina diligência do Palácio do
Planalto gerou resultado imediato. Na sexta-feira passada, os senadores
Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Styvenson Valentim (Podemos-AC) e Weverton
Rocha (PDT-MA) retiraram seu apoio para abertura da CPI da Educação. Uma vez
que os indícios de corrupção no MEC só aumentam, não se sabe se o governo
conseguirá de fato barrar a investigação do Congresso. De toda forma, uma coisa
é inegável: quando o objetivo é proteger o presidente, escamoteando a
incompetência administrativa, a obscura manipulação do Orçamento e os negócios
esquisitos conduzidos pelos operadores do governo, a gestão Bolsonaro adquire
uma espantosa vitalidade.l
O risco dos extremos na França
O Estado de S. Paulo
Macron ainda é favorito para vencer a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen, mas a erosão do centro democrático nos últimos cinco anos é visível
O resultado do primeiro turno das eleições
presidenciais francesas replicou o de 2017. O centrista e hoje incumbente
Emmanuel Macron (do partido República em Marcha) enfrentará a candidata de
extrema-direita, Marine Le Pen (Reunião Nacional). O favoritismo ainda é de
Macron, mas desde o início das eleições esse favoritismo diminuiu, e Le Pen tem
hoje mais chances de virar o jogo, no dia 24, do que tinha em 2017. Para
democratas e liberais franceses, a situação é de alerta. Para seus pares na
Europa e no mundo o pleito francês é uma advertência.
Macron terminou o primeiro turno de 2017
com 24% dos votos. Agora atingiu quase 28%. A melhora reflete alguns resultados
de sua gestão. Entre eles, o corte de impostos para empresas e famílias, a
redução do desemprego, os programas de educação e capacitação e o desempenho na
pandemia. O país tem mais vacinados que a média da Europa e sua economia se
recuperou mais rápido. Macron revigorou o papel da França na União Europeia
(UE), sua voz foi decisiva para o ambicioso fundo de recuperação pós-covid e
vem sendo para equipar o bloco econômica e militarmente em tempos de incerteza
geopolítica.
Por outro lado, seu “diálogo estratégico”
com Vladimir Putin, presidente da Rússia, se mostrou ineficiente; e seu
desinteresse pela Otan, temerário. Sua reforma da Previdência ficou congelada.
Ele descobriu que a demagogia verde pode capitalizar menos apoio do que a
popularidade do ambientalismo sugere: uma taxa sobre o diesel em 2018 deflagrou
as revoltas populares dos “coletes amarelos”, das quais sua administração nunca
se recuperou totalmente. Ele luta para se livrar da imagem pública de
“presidente dos ricos”, conquistar a juventude e os que se sentem “deixados
para trás” e mobilizar partidos na centro-esquerda e centro-direita. Em uma
pesquisa recente, 60% dos franceses disseram não confiar em Macron, e 60% a 75%
dizem que o país está em declínio.
Em 2017, Macron venceu Le Pen com sólidos
66% dos votos. Os estatísticos do Grupo The Economist e uma pesquisa do
instituto YouGov projetam agora uma vitória bem mais apertada: algo entre 51% a
53%. Sintomaticamente, Le Pen tem mais apoio em quase todas as faixas etárias
abaixo dos 55 anos.
A erosão do centro é visível, mas talvez
seja menos tributável ao desânimo com Macron do que aos ânimos extremistas. Os
votos combinados dos partidos tradicionais, Republicanos e Socialistas, caíram
de 26% para 6,5%. Cerca de 60% dos franceses votaram em um candidato populista
ou radical. O terceiro colocado, o radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon, perdeu
para Le Pen por pouco.
Le Pen aumentou seus votos em mais de dois
pontos porcentuais em relação aos 21% de 2017. Sua campanha foi mais
pragmática, focando na redução do custo de vida e na imagem de uma líder capaz
de tranquilizar o país em meio à crise. A campanha do ultrarreacionário Éric
Zemmour (7% dos votos) ajudou a lhe dar ares moderados.
Mas todos os aspectos tóxicos de sua
ideologia nacionalista permanecem no seu programa de governo, como o dirigismo
econômico, a hostilidade em relação à UE e à Otan, a promessa de privilegiar os
cidadãos franceses em relação a estrangeiros nas ofertas de emprego e moradia
ou as ameaças aos costumes muçulmanos. No segundo turno, além da possível
abstenção de verdes e socialistas, ela contará não só com os votos de Zemmour,
mas com cerca de 20% dos votos de Mélenchon.
O avanço dos extremos na França serve de
advertência aos centristas do mundo. Ele expõe a importância das alianças com
partidos moderados, um tanto negligenciada por Macron. Em uma época de
tribalismos e identitarismos exaltados e intensificados com a crise pandêmica e
geopolítica, liberais e democratas têm o desafio de, sem renunciar à
responsabilidade política e econômica, encontrar a fórmula quase mágica para
serem populares sem serem populistas. Se vencer o desafio das eleições, Macron
terá o desafio ainda maior de revigorar as instituições políticas na França.
Como ele mesmo disse em 2016, “se não nos unirmos, em cinco ou dez anos”, Le
Pen “estará no poder”.
Piora externa, crise local
O Estado de S. Paulo
O cenário internacional está mais sombrio, mas o Brasil é autossuficiente na maior parte dos desajustes econômicos
A semana começou com sinais preocupantes no
mercado internacional e novos motivos de inquietação para os brasileiros, já
assombrados, internamente, pela inflação acima de 11% ao ano e pelo baixo ritmo
da atividade. Segunda maior economia do mundo e maior importadora de produtos
brasileiros, a China enfrenta uma forte alta de preços na indústria, com
aumento anual de 8,3% registrado em março. Além disso, medidas de lockdown
contra novos casos de covid-19 têm forçado milhões de pessoas a se isolar, com
evidente prejuízo para a produção. Na Europa, já se aposta em menor
crescimento, com os negócios afetados principalmente pela redução da confiança
do consumidor e pelo surto inflacionário.
Níveis de confiança de empresários e
consumidores são alguns dos chamados indicadores antecedentes usados para
detectar possíveis mudanças de tendência. Encomendas à indústria, formação de
estoques e investimentos em máquinas e equipamentos também se incluem no grande
conjunto desses indicadores. Com
base nesses dados, economistas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) antecipam perda de impulso no Reino Unido e em toda a zona do
euro, expansão estável nos Estados Unidos, no Japão e na China e redução de crescimento
no Brasil.
No caso brasileiro, essa tendência havia
sido assinalada em relatórios anteriores da OCDE, assim como em avaliações de
outros órgãos multilaterais, do mercado e do setor público nacional. No
mercado, os últimos levantamentos mostraram projeções em torno de 0,5% para a
expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022. O Banco Mundial baixou de 1,4%
para 0,7% o crescimento estimado para o País neste ano.
A nova onda de incerteza, agravada pela
guerra na Ucrânia e pelos problemas chineses, derrubou em abril os indicadores
dos Barômetros Globais, produzidos em colaboração pelo Instituto Econômico
Suíço KOF, de Zurique, e a Fundação Getulio Vargas (FGV). O Barômetro
Coincidente caiu 6,1 pontos em abril e chegou a 99,2 pontos, o menor nível desde
janeiro de 2021 (97,2), sinalizando uma economia mundial já enfraquecida. O
Barômetro Antecedente recuou 6,3 pontos e chegou a 86,9, menor patamar desde
julho de 2020 (74,2), mostrando uma sensível piora das expectativas.
Mas o Brasil é autossuficiente quanto à
maior parte dos desarranjos econômicos. Problemas internacionais podem agravar
os brasileiros, mas o País produz inflação e estagnação sem contribuição
estrangeira. A indústria brasileira já estava em declínio antes da pandemia. O
desemprego já superava 11%, em nível parecido com o do início de 2022. Em
nenhum ano, desde a recessão de 2015-2016, o PIB havia aumentado 2%. A inflação
recuou por algum tempo, a partir de 2017, mas voltou a ganhar impulso e a
superar de longe as taxas da maior parte do mundo. Ainda assim, desajustes
externos podem ter algum efeito, se os juros altos afetarem os fluxos de
dólares e os problemas chineses diminuírem as exportações brasileiras de
alimentos e minérios. Afinal, sempre é possível piorar.
Extrema direita avança na França e ameaça
Macron
Valor Econômico
Macron percebeu que terá de se engajar em
sua própria campanha para evitar um desastre francês e europeu
Emmanuel Macron derrotou os partidos
tradicionais franceses, como o Socialistas e Republicanos, com um movimento
centrista construído do zero, em 2017. Cinco anos depois, os resultados do
primeiro turno divulgados na noite de domingo mostram que a extrema direita e a
extrema esquerda avançaram, colocando em dúvida uma vitória que parecia certa e
ameaçando o precário equilíbrio da União Europeia. Marine Le Pen, do
ultradireitista Reunião Nacional, passou para o segundo turno, como era
esperado, mas as pesquisas imediatamente registraram que a disputa será bem
mais apertada, longe dos 66% a 34% de Macron diante da rival na eleição
anterior.
O presidente obteve 27,8% dos votos, ante
23,1% de Le Pen e 22% de Jean-Luc Mélenchon, do esquerdista França Insubmissa,
que mal completou seu sexto ano de vida. Na nova paisagem política, em que os
partidos tradicionais tiveram votação pífia, em especial o Partido Socialista,
com Anne Hidalgo (1,8%), surgiram mais forças de direita radical, como a
Reconquista, de Éric Zemmur, que em determinado momento ameaçou Le Pen e
atingiu dois dígitos nas pesquisas (7,1% dos votos nas urnas). Com Valérie
Pétresse, a direita gaulista dos Republicanos teve alguma esperança, logo
desvanecida (4,8% dos votos).
Confiante, Macron mal se dedicou à campanha
eleitoral, pelo menos não tanto quanto fez com relação às infrutíferas
negociações para mediar o conflito da Rússia contra a Ucrânia. O assunto foi
logo substituído por outro entre as inquietudes dos franceses, que prestaram
atenção na nova roupagem de Le Pen, mais preocupada com preço dos combustíveis,
desemprego, e carestia, o que lhe rendeu o apoio das áreas rurais atrasadas e
do que restou da classe operária em cidades industriais decadentes. Macron foi
melhor no norte do país, entre as pessoas empregadas, com maior renda e
escolaridade.
A margem de vitória do presidente sobre sua
rival foi maior do que em 2017, mas a onda direitista se fortaleceu e há muita
incerteza sobre qual será a posição dos eleitores de Mélenchon no segundo
turno. Uma dos traços da política francesa é que tanto a extrema direita quanto
a esquerda são nacionalistas e têm algumas bandeiras comuns. Mélenchon é contra
a Otan e vê com bons olhos a autocracia de Vladimir Putin, como Le Pen. Ambos
são eurocéticos e apoiam políticas protecionistas. Macron é reformista,
flexibilizou as regras trabalhistas, diminuiu impostos para empresas e os ricos
e está empenhado em elevar a idade de aposentadoria de 62 para 65 anos.
Macron paira sobre as questões nacionais, o
que lhe rendeu a imagem de “imperial” e de pouco conectado com os problemas
cotidianos dos franceses, enquanto Le Pen se esforçou todo o tempo para parecer
o contrário disso. Mélenchon disse que nenhum voto deveria ir para ela, mas em
nenhum momento até agora insinuou apoiar Macron.
Pesquisas indicam que um quarto dos
eleitores do França Insubmissa não irá votar no segundo turno e há uma fração
deles que escolherá a candidata direitista. Atitude diferente tiveram partidos
de esquerda sem votação expressiva. Os verdes e comunistas prometeram votar em
Macron, assim como a direita republicana, mas é Mélenchon que pode mover o fiel
da balança.
A extrema direita francesa nunca figurou
tão bem em eleições no pós-guerra (Gideon Rachman, FT, ontem) e um sucesso na
França colocaria em xeque os pilares da União Europeia em um momento político
em que ela é particularmente vulnerável. Angela Merkel, a líder alemã que
comandou o bloco por mais de uma década, saiu de cena. O novo chanceler alemão,
Olaf Scholz, titubeia em relação a Putin pela dependência dos alemães da
energia russa. Macron procura assumir a liderança política europeia, mas o
avanço da direita é uma sombra ameaçadora a suas pretensões - uma derrota
destruiria sua carreira política.
Le Pen mudou a direção dos discursos, mas o
manual populista está intacto em seu programa, intacto. Ela se diz representante
do povo contra as elites, defensora da nação contra o globalismo e do
nacionalismo xenófobo. Propõe, por exemplo, que as leis francesas tenham
primazia sobre as da UE. Seu discurso pareceu menos agressivo, até porque
outros direitistas fizeram o papel de agitar o espantalho da imigração, como
Zemmur, que prometeu repatriar 1 milhão de pessoas em cinco anos.
Macron percebeu que terá de se engajar em sua própria campanha para evitar um desastre francês e europeu. Segue sendo o favorito, mas doze dias de campanha é tempo suficiente para o azar.
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