Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 12 de abril de 2022
Pedro Fernando Nery*: A ameaça consumista
O Estado de S. Paulo
Eleitor brasileiro está pronto
para ouvir que consome demais?
Entre as declarações de Lula na
semana passada, ganhou menos destaque a de que o Brasil teria uma classe média
que não existiria em nenhum outro lugar do mundo, nem na Europa. Isso porque a
classe média “ostenta muito um padrão de vida acima do necessário”.
No domingo, de forma mais
cifrada, foi a vez de Ciro Gomes, que falou em “conforto consumista”. Ele se
referia ao dólar baixo dos governos do PSDB e do PT, uma prática que seria
populista e que agora estaria sendo copiada por Bolsonaro – já que o câmbio vem
caindo em 2022.
Ciro
respondia a uma pergunta da economista Laura Carvalho sobre a centralidade que
o câmbio alto tem nas suas propostas de governo. Em seu plano, o real barato
ajudaria o Brasil a exportar em indústrias sofisticadas em que hoje não é
competitivo, formando uma nova base para a economia nacional. Indagado sobre se
o plano do dólar alto não empobreceria demais os trabalhadores, Ciro falou em
“ilações”, mencionou viagens de brasileiros para fora do País e jogou a
expressão que me deixou pensando: “conforto consumista”. Talvez compartilhe a
visão de Lula sobre a classe média-ostentação?
Abstraindo da nossa discussão
os brasileiros pobres, foquemos naqueles que podem fazer escolhas. Este
brasileiro consome demais? Poupa de menos? É por exemplo a avidez por consumir
que explica termos bancos entre os mais lucrativos do mundo? É o desinteresse
em poupar que explica a passividade com a remuneração do FGTS, defendido com
unhas e dentes como um direito? Afora as anedotas, temos evidência de que se
poupa pouco no Brasil na comparação com países emergentes semelhantes.
Ajudar os cidadãos a poupar tem
sido agenda de alguns governos, que têm usado a psicologia para apoiá-los a
tomar melhores decisões (como o Reino Unido). O foco, porém, parece ser mais no
combate ao superendividamento ou melhora na condição financeira futura. Há
ainda aqueles com a agenda do consumo consciente por questões ambientais (como
a Suécia).
A sinceridade de Lula e Ciro
são surpreendentes em um ano eleitoral, sinal de que a visão de ambos é
genuína. O primeiro fala em falta de humildade da classe média na América
Latina, lamentando que não tenhamos aulas que ensinem contentamento. Já Ciro
critica o período petista por não ser de um nacional-desenvolvimentismo, e sim
de nacional-consumismo. Mas em ambos os casos um diagnóstico e uma agenda sobre
a “ameaça consumista” não estão claros. O eleitor brasileiro está pronto para
ouvir que consome demais?
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