terça-feira, 12 de abril de 2022

Pedro Cafardo: Em qual político citado abaixo você votaria?

Valor Econômico

É arriscado escolher candidatos com base em perfis superficiais

Com a proximidade das eleições, vale pedir ao leitor um exercício: votar em um dos três candidatos cujos perfis estão resumidos abaixo.

O primeiro teve poliomielite e demonstra dificuldade para caminhar, é hipertenso e anêmico, mente quando lhe convém e consulta astrólogos sobre política. Fuma muito e trai a mulher.

O segundo tem sobrepeso, pressão alta, já sofreu dois ataques cardíacos e perdeu três eleições. É difícil trabalhar ao lado dele, porque fuma charutos sem parar. Toda noite toma champanhe, vinho ou uísque e dois calmantes para dormir.

O terceiro é um cabo herói de guerra condecorado que trata bem as mulheres, ama animais, não fuma e só bebe uma cerveja em ocasiões especiais.

Esse exercício de voto foi feito a seus alunos pelo professor Martin, interpretado pelo ator dinamarquês Mads Mikkelsen, no filme “Druk - Mais uma Rodada”, Oscar de melhor filme internacional em 2021. E qual dos três candidatos foi escolhido pelos alunos? Todos disseram que votariam no terceiro. Aí o professor Martin revelou os nomes dos candidatos.

O primeiro nome é do presidente dos EUA entre 1933 e 1945, Franklin Roosevelt, que tirou o país da “grande depressão” e o conduziu à vitória na Segunda Guerra Mundial.

O segundo é Winston Churchill, estadista britânico, um dos políticos mais importantes da história do Reino Unido, prêmio Nobel de Literatura em 1953 pela monumental obra “Memórias da Segunda Guerra Mundial”. Foi o artífice europeu da vitória aliada na guerra.

O terceiro é Adolf Hitler, o líder nazista que levou à morte 60 milhões de pessoas na Segunda Guerra Mundial e que dispensa mais apresentações.

O filme, dirigido pelo dinamarquês Thomas Vinterberg, é polêmico, porque defende, no início, uma teoria que passa longe do “politicamente correto”: manter um nível constante de álcool no sangue melhora a vida e o desempenho das pessoas. Ao longo do filme, porém, os quatro professores que aderiram à prática percebem que nem tudo é tão simples.

O exercício do professor Martin indica o quão difícil é escolher políticos com base em perfis superficiais. Os brasileiros já cometeram vários erros na escolha de presidentes, elegendo incompetentes ou antidemocráticos. De tempos em tempos, um “salvador da pátria”, geralmente com promessas de eliminar a corrupção, é galgado ao comando o país.

Getúlio Vargas, mesmo após ter sido ditador durante 15 anos, assumiu em 1951 pelo voto e não suportou pressões políticas e acusações de corrupção: suicidou-se em agosto de 1954.

Jânio Quadros encantou o país com sua vassourinha mágica que iria “varrer a bandalheira” e suas falsas caspas no paletó. Renunciou em 1961 por incompetência política, depois de seis meses no cargo e abriu espaço para a posse do vice João Goulart e para o golpe militar que imporia ditadura de 20 anos ao país.

Fernando Collor, desconhecido governador de Alagoas, ganhou o voto popular com suas promessas de caça aos marajás, assumiu em 1990 e sofreu impeachment em 1992, acusado de corrupção.

Dilma Rousseff, reeleita em 2014, também foi afastada em 2016, sob a acusação de irresponsabilidade fiscal (para a esquerda, foi um golpe parlamentar).

Jair Bolsonaro foi eleito em 2018, em meio à avalanche anticorrupção da Lava-Jato. Hoje, segundo pesquisa Datafolha, é rejeitado por 55% dos eleitores. Só no período da pandemia foi acusado de cometer nove crimes por CPI do Senado. Permanece no cargo amparado pelas muralhas da PGR e da presidência da Câmara. Vai tentar a reeleição.

As escolhas equivocadas são um risco inerente à democracia, muito menor, certamente, do que o das autocracias ou ditaduras. As experiências eleitorais brasileiras recentes mostram que erros ocorrem mesmo em casos de candidatos que já tenham exercido cargos executivos. Jânio Quadros e Fernando Collor, por exemplo, haviam sido governadores, mas não tinham maturidade política para ocupar a Presidência. Comportamentos aparentemente conservadores ou progressistas, “politicamente corretos”, não garantem que o candidato venha a ser um bom gestor e, principalmente, um comandante inflexível no comprometimento com a democracia e com a busca do bem-estar dos cidadãos.

Propostas e comportamentos antidemocráticos do passado não podem ser relevados pelo eleitor com desculpa ou esperança de que o candidato mudará de ideia depois de eleito. “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”, já ironizava o Barão de Itararé.

Promessas milagrosas, obviamente, nunca são cumpridas. Populistas radicais, à direita e à esquerda, que vendem rigorosa austeridade fiscal (“é proibido gastar”) ou impagáveis benesses sociais, em geral cometem estelionato eleitoral. E centristas “em cima do muro” tendem a ser inoperantes.

Quem ainda sonha com a eleição de um “salvador da pátria”, da primeira, segunda ou terceira via, poderia refletir um pouco sobre o exercício do professor Martin e sobre a surrada frase de Churchill, em 14 de maio de 1940, em plena Segunda Guerra, quando pediu à Câmara dos Comuns um voto de confiança a seu governo: “Nada tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas.”

Essas quatro coisas fazem muita falta ao Brasil e foram escassas nos últimos anos, especialmente as lágrimas governamentais durante a pandemia. O problema não é polarização, mas qualidade e compaixão dos que ocupam os polos.

Saneamento e democracia

Já que estamos juntando cenas de cinema a escolhas democráticas, é oportuno lembrar uma passagem do “Tigre Branco”, filme indiano do diretor Ramin Bahrani, lançado em 2021. Um motorista do interior do país, narrador e protagonista do filme, a certa altura diz: “Se eu governasse a Índia, faria primeiro o saneamento básico e depois a democracia”. É possível entender a opção do motorista, porque a Índia, a maior democracia do mundo, tem deficiências assustadoras na área de saneamento básico.

A Índia, porém, tem uma sociedade considerada cruel principalmente por causa do sistema de castas, não oficial, que na prática impede a ascensão social de grande parte de sua população. Mas não há dúvida de que, com 1,3 bilhão de habitantes, a situação do saneamento seria ainda pior sob ditaduras ou autocracia

 

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