Valor Econômico
Avaliação do governo tende a piorar; em
geral, aumento de impostos é desfavorável para a popularidade
O arcabouço fiscal proposto exigirá uma
expansão contínua da arrecadação para evitar a alta do déficit primário frente
ao ano anterior. Sem considerar cenários de maior desequilíbrio econômico, o
novo sistema requer crescimento do PIB acima da média dos últimos anos ou alta
significativa da carga tributária para garantir o recuo da dívida pública no
fim desta década. Não são pré-requisitos simples.
A eliminação do maior número possível de renúncias tributárias seria a forma mais eficiente de elevar a carga de impostos. Todavia, mesmo mencionando quase sempre a necessidade de redução dessas desonerações, os principais articuladores do Executivo e do Legislativo já afirmaram que não haverá revisão dos benefícios de diversos segmentos, entre os quais: Simples, Zona Franca de Manaus, organizações filantrópicas, saúde, educação, agricultura e transportes. Ou seja, o trâmite no Congresso para a aprovação da reforma tributária nem começou e vários setores já foram agraciados com a continuação de seus privilégios. Isso sem considerar que as renúncias do Simples aumentarão nos próximos anos, pois há propostas de ampliação dos valores de enquadramento por tipo de empresa.
As perspectivas são ainda mais perversas
porque diversos setores influentes e organizados divulgarão narrativas
convincentes durante o trâmite da reforma no Congresso para assegurar seus
privilégios. Mesmo em segmentos associados às aplicações financeiras dos grupos
mais favorecidos da sociedade, a retirada de vantagens tributárias será
difícil. Por exemplo, a imposição do come-cotas para fundos hoje isentos, como
os fundos imobiliários, seria combatida arduamente sob a argumentação de que a
decisão desestimula investimentos em habitação e eleva bastante o desemprego.
Do mesmo modo, o fim da isenção de IR sobre CRIs e CRAs seria atacada com
alegações similares, sem mencionar ameaças de declínio das exportações
agropecuárias, responsáveis pela maior parte do superávit comercial.
Uma alternativa seria reduzir abatimentos
existentes no IRPF e no IRPJ. É uma tarefa ainda mais difícil. Por exemplo, a
revisão dos abatimentos relativos à educação, à saúde, à contribuição para
previdência privada, à alimentação do trabalhador e às doações na esfera da Lei
Rouanet tende a ser rejeitada pelos contribuintes, bem como pelos setores
beneficiados. Mesmo se o país estivesse enfrentando uma crise profunda, os
congressistas dificilmente aprovariam essas medidas.
Uma outra opção seria a incorporação de
novas alíquotas na tabela do IRPF, digamos, de 30% e de 35% sobre os maiores
rendimentos do trabalho. A reação dos trabalhadores regidos pela CLT e dos
funcionários públicos seria, porém, muito negativa. Os parlamentares,
diretamente impactados, dificilmente apoiariam essas medidas, citando,
inclusive, que o volume de recursos envolvidos seria pouco significativo frente
à arrecadação.
Uma possibilidade seria o aumento do IR
sobre empresas mais lucrativas e sobre a camada mais rica da sociedade. Essa
argumentação seria mais palatável para os congressistas, apesar de questões
associadas à penalização dos setores mais eficientes e da incerteza
arrecadatória gerada por um crescente planejamento tributário mais sofisticado.
Exemplos dessa ação seriam: a cobrança de impostos sobre lucros e dividendos -
combatida sob argumentos de que essa decisão gera uma dupla incidência de
impostos, com os investidores já sendo tributados no nível da empresa; e a
criação de imposto sobre aumento real de patrimônio acima de determinado valor
- rejeitada, dentre outras razões, sob alegações de que esses ganhos não seriam
necessariamente líquidos.
Em suma, o debate nos últimos muitos anos
consolidou o consenso de que a reforma tributária será capaz de reduzir a
complexidade do atual sistema e de diminuir várias distorções fiscais,
contribuindo para tornar as condições de negócios menos desfavoráveis. Não há
como negar os amplos benefícios da reforma, muito embora os interesses em jogo
não permitam a construção de um sistema equânime e eficiente. Nesse sentido, a
reforma tributária desapontará em algumas frentes:
Calibração das alíquotas dos impostos será
ineficiente: o início da tramitação pela parte relativa ao consumo para
posteriormente apreciar a parcela referente à renda, embora possa facilitar a
aprovação no Congresso, impede a calibração precisa da estrutura tributária.
Aprovação da reforma relativa ao consumo
acontecerá apenas no 2º semestre.
Tramitação da reforma relativa à renda
também será dividida: apesar da decisão sobre o escalonamento da discussão, o
governo propôs medidas para elevar a arrecadação em R$ 115 bilhões para dar
sustentação à proposta de arcabouço fiscal. Isso amplia a chance de maiores
distorções na calibração das alíquotas.
Aprovação completa da reforma apenas no
próximo ano: à medida que se aproximem as eleições municipais em outubro de
2024, aumenta a probabilidade de os parlamentares aprovarem uma versão muito
benevolente para não atrair a ira dos eleitores. Nesse caso, o governo pode
optar pela votação apenas a partir de novembro de 2024.
Poucas renúncias tributárias serão
eliminadas: muitos privilégios que trazem pouco retorno em termos de aumento da
produtividade ou de redução da pobreza serão mantidos.
Aumento da carga tributária é inescapável:
a falta de corte ou otimização dos gastos públicos exigirá a elevação da
alíquota média dos impostos para garantir o equilíbrio da dívida pública.
Distorções do sistema tributário serão
mantidas: apesar da esperança de alguma redução do desequilíbrio existente, os
mais ricos continuarão pagando menos impostos em termos relativos do que os
mais pobres.
Nível geral de preços pode aumentar: a
ampliação da alíquota média dos impostos pode elevar os preços de vários bens e
serviços.
Avaliação do governo tende a piorar: em
geral, o aumento de impostos é desfavorável para a popularidade, mas o governo
pode atenuar esse desgaste se os mais pobres forem convencidos de que pagarão
menos impostos e haverá mais empregos disponíveis.
*Nilson Teixeira. Foi
economista-chefe do Credit Suisse e Chase Manhattan. Tem Ph.D. em economia pela
Universidade da Pensilvânia
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