Folha de S. Paulo
Empréstimos para companhias cai desde
novembro, e mercado de capitais é o pior em cinco anos
A conversa
sobre a "crise de crédito" está um pouco sumida de
manchetes e do comentarismo econômico mais grandiloquente. O problema é real,
embora até agora, pelos números conhecidos, não seja tão apocalíptico e
jornalisticamente sensacional quanto parecia quando o assunto se tornou um
clichê, nas semanas seguintes ao escândalo da
Americanas.
Mas é um problema. Está lá, como um
vazamento d’água que cresce aos poucos, apodrecendo paredes e vigas. Não é
"credit crunch", um colapso agudo de empréstimos e financiamentos.
Mas é "credit squeeze", um aperto que vai deixar certas empresas sem
ar e limita investimentos produtivos e o crescimento da economia.
No mercado de capitais, o tombo de março foi também feio, embora menor do que o de fevereiro. Quanto ao crédito bancário, as informações completas mais recentes, do Banco Central, são de fevereiro. Nem de longe é asfixia, mas nos bancos falta ar desde novembro. "Em março, as emissões no mercado de capitais totalizaram R$ 23,6 bilhões, um aumento de 51,2% em relação ao mês anterior. No primeiro trimestre, o total emitido foi de R$ 65,9 bilhões contra R$ 106,7 bilhões do mesmo período de 2022, o que corresponde a queda de 38,2%".
É o relatório da Anbima (Associação
Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), que faz o
levantamento regular desses mercados. Isto é, onde se capta dinheiro por meio
da venda de títulos de renda fixa (um tipo de empréstimo), de venda de novas
ações e "híbridos". Grosso modo, "emissões" quer dizer
levantar dinheiro de terceiros para financiar sua companhia.
Os dados da Anbima indicam uma despiora
(uma recuperação, mas não o bastante para compensar perdas anteriores), de
março em relação a fevereiro, quando o caso da Americanas fazia estrago maior.
Essa lambança fraudulenta elevou preços de financiamento, assustou investidores
(que compram títulos, como debêntures) e criou suspeitas mesmo a respeito de
empresas com finanças em ordem (fora o calote, provavelmente de 70% para quem
comprou títulos da empresa). Espera-se que muita gente seja banida do mercado e
vá para a cadeia. Vai?
Voltando ao aperto de crédito: a concessão
de crédito bancário para empresas esfriava desde junho de 2022. As taxas de
juros subiam, as empresas haviam tomado muito crédito e a perspectiva de
crescimento da economia passava a ser menor e incerta.
O que era desaceleração tornou-se retração
a partir de novembro. O total de concessões (novos empréstimos) acumulados a
cada trimestre começou a cair (se comparado ao trimestre anterior). Em
fevereiro, caiu mais de 4%.
Não é um colapso. Mas contração deste
tamanho, fora nos meses piores da epidemia, não acontecia desde a Grande
Recessão ou nos meses de 2017 em que a economia tentava sair do buraco
profundo.
No mercado de renda fixa, a média mensal de
captações foi de R$ 25 bilhões em 2019. Na retomada de 2021, de R$ 35,7
bilhões. No surpreendente 2022, de R$ 38 bilhões por mês. Na média deste ano,
R$ 18,8 bilhões (todos os valores são nominais).
Se continuar assim, a mera aritmética diria
que o total de dinheiro captado na renda fixa diminuiria em mais de R$ 231
bilhões neste 2023. O equivalente a mais de 2% do PIB. Uma brutalidade.
Até pode haver empresas na fila, prontas
para captar ou investidores dispostos a arriscar seu dinheiro assim que o nível
habitual de disparate e de taxas de juros da economia brasileira baixar um
pouco. Quem sabe a Selic possa cair a partir de junho.
Quiçá, quiçá, quiçá. Não é impossível, mas
está difícil e falta ar. Não é garrote. Mas a engasgada é feia.
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