quarta-feira, 12 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Cenário global traz más notícias para o Brasil

O Globo

Alerta do FMI sobre aperto monetário parece feito sob medida para Lula conter arroubos populistas contra BC

A economia brasileira deverá crescer 0,9% neste ano, de acordo com a última previsão divulgada ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no relatório Perspectivas da Economia Mundial. É pouco menos do projetado em janeiro. Confirmada a estimativa, o Brasil fechará 2023 com uma desaceleração diante do ano anterior, quando cresceu 2,9%. A previsão impõe ainda mais dificuldades ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no seu primeiro ano de mandato. As condições econômicas globais que tanto lhe sorriram nos dois primeiros mandatos poderão selar um destino diferente, caso ele insista em ideias superadas.

Os economistas do FMI traduziram em números o que já era pressentido por quem acompanha o noticiário econômico. O cenário global exige cautela. Embora o FMI não tenha mudado substancialmente a previsão de crescimento global para 2023 (2,8%), os riscos aumentaram.

Com o aperto monetário, a inflação global tem caído, mas, descontados os preços mais voláteis, como alimentos e energia, o quadro é distinto. Persiste a curva ascendente do núcleo inflacionário em vários países (entre eles o Brasil). Para piorar, as vulnerabilidades do sistema bancário nos Estados Unidos e na Europa — reveladas pela quebra do Silicon Valley Bank e do Credit Suisse — despertam temores de complicações no mercado financeiro, com perigo de contágio e um eventual aperto de crédito global.

O FMI ainda considera baixas, em torno de 15%, as chances de o pior cenário se materializar, com o crescimento global caindo para 1%, mas elas têm aumentado. A confiança numa aterrissagem tranquila para a economia global vem perdendo força. O relatório volta a usar o termo em inglês que assombra os economistas: hard landing.

A China, destino de Lula nesta semana, é uma rara fonte de boas notícias nas previsões do FMI. Com o fim da política de Covid zero e a reabertura da economia, o PIB chinês deverá crescer 5,2% em 2023, ante 3% no ano passado. Nos mercados internacionais, os preços de commodities retornaram a patamares administráveis depois de terem aumentado com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Diante desse quadro, o economista francês Pierre-Olivier Gourinchas, diretor de pesquisa do FMI, afirma que os bancos centrais precisam manter o foco na redução da inflação. E devem estar prontos para ajustes à medida que os acontecimentos se desenrolarem nos mercados financeiros. Em mensagem endereçada a uma plateia global, mas que parece sob medida para Lula, Gourinchas argumenta que a expectativa de que “os bancos centrais interrompam prematuramente a luta contra a inflação” terá “o efeito oposto”, complicando ainda mais a tarefa das autoridades monetárias.

Previsões do FMI já se provaram erradas no passado. Mas não seguem a lógica das apostas. O objetivo é chamar a atenção para os riscos globais e ajudar autoridades de diferentes países a calibrar suas políticas e declarações. A projeção de cenários sombrios para as economias brasileira e global deveria ser suficiente para Lula reavaliar sua estratégia de ataques ao BC. Discursos populistas na economia até podem atrair aplausos no PT. No mundo real, são fontes de instabilidade num ambiente para lá de incerto.

É inaceitável relutância de redes sociais em colaborar para evitar massacres

O Globo

Nenhuma medida será tão eficaz para debelar atentados em escolas quanto vigiar o extremismo no meio digital

Pelo que se viu na reunião entre o ministro da Justiça, Flávio Dino, e representantes das principais redes sociais, ainda falta muito para que elas colaborem com o esforço essencial para conter ataques violentos nas escolas. O tema ganhou urgência em razão dos dois atentados recentes — o primeiro em São Paulo, o outro em Santa Catarina — que resultaram nas mortes de quatro crianças e de uma professora de 71 anos.

A pesquisa acadêmica mais séria demonstra que tais atentados costumam ser anunciados e exibidos nas redes entre comunidades extremistas que cultuam o ódio e a violência, dispondo de iconografia, vocabulário e calendários próprios. Por isso a colaboração das plataformas digitais é fundamental para debelar as tragédias antes que se consumem. Infelizmente as empresas de internet — com destaque para o Twitter — continuam arredias, avessas a assumir qualquer tipo de responsabilidade pelo que deixam circular em suas redes.

O governo solicitou do Twitter a remoção de 551 posts, vários com imagens de agressões, ameaças e enaltecimento aos ataques a crianças. Na reunião com Dino, segundo informou a jornalista Julia Duailibi em seu blog no portal g1, uma advogada do Twitter teve o desplante de afirmar que um perfil criado com fotos de autores de massacres em escolas “não violava os termos de uso da rede”. Também disse que “não se tratava de apologia ao crime”. Diante da recusa em tirar posts do ar, o Ministério Público Federal deu dez dias de prazo para a plataforma apresentar explicações sobre a “moderação de conteúdos relacionados a ameaças de ataques a escolas”.

Na reunião, Dino ponderou, com toda a razão, que os termos de serviço não podem servir de pretexto para eximir as empresas da obrigação de cumprir o que determinam a lei e as autoridades. “É preciso que quem tem responsabilidade, e essas empresas que lucram bilhões têm responsabilidade, também se engaje”, afirmou. “Os termos de uso não se sobrepõem à Constituição, à lei e não são maiores que a vida das crianças e adolescentes brasileiros.”

A todas as solicitações da imprensa, o Twitter tem respondido com um emoji de fezes, por determinação de seu proprietário, o bilionário Elon Musk. O enxugamento nos quadros da empresa esvaziou a área de comunicação e políticas públicas no Brasil.

Com o medo crescente de novos ataques, pais e gestores de escolas têm feito pressão por reforço na segurança e no policiamento. São medidas sem dúvida necessárias. Mas, embora os ataques em escolas sejam resultado de múltiplos fatores, o terreno onde hoje são cevados é digital. Nenhuma medida será tão eficaz para combatê-los quanto a vigilância dos grupos extremistas e comunidades de ódio na internet. Caso redes sociais continuem se recusando a colaborar com as autoridades para debelá-los, deveriam ser consideradas corresponsáveis pela violência.

Lula e a China

Folha de S. Paulo

Viagem retoma pragmatismo diplomático, mas o mundo não é o mesmo de 2003

A vocação diplomática do Brasil —país sem conflagrações internas nem desavenças externas, democrático e dotado de grande ativo produtivo e ambiental— deveria ser a de estabelecer relações estáveis com todos os países, com atenção para as que ampliem renda e bem-estar dos brasileiros.

É elogiável, portanto, a retomada do pragmatismo com a China, depois das hostilidades infantiloides patrocinadas por Jair Bolsonaro (PL). A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), secundado por comitiva de congressistas e ministros, ao país asiático consolida essa normalização.

O Brasil exportou para a China, no ano passado, o equivalente a US$ 90,8 bilhões e importou de lá US$ 61,6 bilhões. A soma das duas cifras, a chamada corrente de comércio, representou 25%, ou US$ 1 de cada US$ 4, de tudo o que foi transacionado entre brasileiros e estrangeiros em 2022.

Vinte anos antes, no fim do segundo mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, o comércio com a China abarcava menos de 5% das negociações brasileiras com o mundo. As trocas internacionais do Brasil multiplicaram-se por quase seis desde então, assim como o peso dos chineses nelas.

Foram majoritariamente petistas os governos que acompanharam, desde o início do século, a impressionante marcha da economia chinesa e dela se beneficiaram. O PIB do gigante asiático avançou em média 10,5% ao ano na primeira década das gestões do PT. Entretanto esse quadro mudou.

No período de dez anos findo em 2022, a atividade chinesa cresceu 6,2% ao ano, em média, velocidade que deve cair abaixo de 5% em meados desta década. A China converteu-se num país de renda per capita mediana, 25% superior à do Brasil, mas ainda está muito longe do clube dos mais ricos.

A geopolítica também se alterou sobremaneira. Encolheu-se a perspectiva de integração global sob os auspícios universalistas da Organização Mundial do Comércio. Estados Unidos e China hoje digladiam-se numa grande batalha comercial pela vanguarda tecnológica dos semicondutores.

A Rússia, que violou a Carta da ONU ao agredir militarmente a Ucrânia, entrega-se a Pequim. Um polo que aglutina regimes ditatoriais volta a aguilhoar a hegemonia das democracias ocidentais, que por seu turno têm de lidar com movimentos populistas e autoritários dentro de suas fronteiras.

A China que Lula visitará é diversa da que despontava em 2003, assim como o mundo, que se tornou mais complexo e desafiador.

Como proteger escolas

Folha de S. Paulo

Eficácia de guarda armada para evitar ataque é duvidosa; há que combinar medidas

De 2002 a julho de 2022, aconteceram 13 ataques em escolas do país. A partir de agosto do ano passado, teve início uma escalada: nove ataques até março, e três só em abril.

É natural que a população fique comovida, indignada, com medo. Contudo é papel do poder público agir de modo racional, com base em evidências. A sociedade pode ser passional, o Estado não.

O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), anunciou que pretende colocar uma pessoa armada em cada escola do estado. A ideia é contratar policiais aposentados para cumprir a função.

Os EUA, que convivem há mais tempo com o problema, já testaram esse tipo de combate. Mas há pouca evidência de que ele de fato impeça ou contenha massacres.

Desde a tragédia na Columbine High School (Colorado) em 1999, considerado marco da violência escolar naquele país, foram registrados 377 incidentes do tipo, mesmo com o aumento contínuo de mecanismos de controle.

De 2017 a 2021, o investimento americano em segurança escolar cresceu 14%, chegando U$ 3,1 bilhões. Entre 2017 e 2018, metade das unidades de ensino tinha controle total do acesso a suas dependência, incluindo detectores de metais; hoje, são dois terços. Ademais, em 51% delas há vigilantes munidos com armas de fogo.

Dos últimos 24 anos, entretanto, aqueles em que registraram mais ataques foram 2022 (47 casos) e 2021 (42) —período no qual a estrutura de segurança, até mesmo a armada, estava consolidada, com recorde de gastos.

Pesquisa publicada em 2019 no Journal of Adolescent Health analisou 179 tiroteios de 1999 a 2018 e concluiu que manter guardas armados não reduziu a letalidade.

Já estudo do Instituto Nacional de Justiça dos EUA, de 2021, cobriu os incidentes entre 1980 e 2019 e verificou que o número de mortes em escolas com agentes armados era quase o triplo do ocorrido naquelas sem esse tipo de proteção.

Especialistas apontam que, apesar de efeitos positivos, como reduzir brigas entre alunos, a presença de guardas armados não é a única medida, nem a mais efetiva, a tomar. Uma opção, por exemplo, é criar canais seguros de denúncias —estima-se que, em 4 de cada 5 casos, alguém conhecia de antemão os planos do criminoso.

Trata-se de um fenômeno nefasto e de difícil combate, dada a complexidade de fatores. Há várias alternativas de resposta, com dados a sustentá-las. Espera-se que o poder público as combine de modo eficiente para proteger a vida de alunos e professores brasileiros.

Oportunidade e risco na visita de Lula à China

O Estado de S. Paulo

Comitiva tem possibilidades formidáveis de ganhos econômicos e cooperação em desafios comuns, sobretudo ambientais. Por isso mesmo, é preciso evitar ruídos geopolíticos

Há possibilidades de ganhos econômicos, mas é preciso evitar ruídos geopolíticos.

Gostem ou não, todos os países são afetados pela tensão entre EUA e China. Essa guerra fria não era inevitável nem é inexorável: pode escalar para uma terceira guerra mundial; pode ser superada por uma nova ordem harmônica e próspera; ou pode se prolongar indefinidamente. O futuro dirá. No presente, ela é incontornável. Porém, é diferente da velha guerra fria. Lá as relações comerciais entre os dois blocos eram obliteradas pela cortina de ferro num jogo de “soma zero”. A economia da URSS era inexpressiva comparada à da China. Na geopolítica multipolar e na economia globalizada do século 21, se a rivalidade entre Washington e Pequim tem pontos de alto risco militar, notavelmente Taiwan, ela se dá, sobretudo, no plano comercial e no tecnológico. Nesses aspectos, contudo, ambos são não só competidores, mas também parceiros.

O cenário impõe um trilema: o desafio de construir, a um tempo, pontes para intensificar trocas econômicas; espaços de cooperação ante desafios comuns (como o clima ou pandemias); e anteparos que garantam a convivência entre sistemas político-ideológicos antagônicos: as democracias e as autocracias. Nos dois primeiros aspectos, a comitiva encabeçada pelo presidente Lula da Silva na China – que acabou segmentada em duas fases em razão de seu mal-estar – tem oportunidades formidáveis. Mas convém redobrar a prudência em relação ao aspecto geopolítico.

Até aqui, o roteiro diplomático de Lula percorreu grandes zonas de interesse nacional. Eleito, foi à Conferência Climática da ONU (COP-27), sinalizando a reversão do antiambientalismo de Jair Bolsonaro. Empossado, visitou parceiros do Cone Sul, EUA e agora a China, nosso principal parceiro comercial. A composição da comitiva e da agenda responde a essa situação. Pauta-chave é a intensificação da exportação de commodities. Mas a visita pode diversificála e agregar valor. A indústria pode abrir nichos de exportação, de importação (sobretudo de tecnologia) e de investimentos (sobretudo na infraestrutura). Há oportunidades na área da sustentabilidade: o apoio à candidatura do Brasil para sediar a COP-30, o mercado de carbono ou investimentos em tecnologias verdes e na Amazônia. Tais possibilidades foram desperdiçadas pelas taras ideológicas de Jair Bolsonaro, a começar por seu alinhamento a Donald Trump e a retórica anti-China. Esperase que Lula não incorra no mesmo erro com o sinal trocado.

Nada obsta, por exemplo, que aproveite os holofotes para advogar a paz. Mas se ele está certo em constatar que a China tem as alavancas para mudar os rumos da guerra da Ucrânia, estará equivocado se supor que pretende empregá-las. A viagem de Xi Jinping a Moscou cimentou sua solidariedade à Rússia. Não por hostilidade à Ucrânia, mas porque isso convém à sua geoestratégia: ampliar a dependência da Rússia e aproveitá-la em seu confronto com o Ocidente. Seu “plano de paz” é inexequível e injusto: prevê o fim das sanções ocidentais, mas não a desocupação de territórios pelos russos. Qualquer sinal de alinhamento a ele seria um quixotismo diplomático que em nada favoreceria a paz. Para concretizar seus acordos de comércio e cooperação, o Brasil não precisa apoiar um plano que o próprio Xi sabe natimorto. Isso só despertaria dissabor na Europa e EUA.

Várias vezes Lula sugeriu que a culpada pela guerra é a Otan. Há poucos dias, insinuou que a Lava Jato seria resultado de um complô armado pelos EUA. A mídia oficial chinesa vem explorando declarações suas contrastando a China como pacificadora e os EUA como belicosos. Ao mesmo tempo, China e Rússia ambicionam transformar o Brics, originalmente um grupo de economias emergentes, em um clube geopolítico de viés antiocidental, manobrando, por exemplo, para incluir regimes de cunho autocrático, como Irã, Turquia e Arábia Saudita.

Na guerra da Ucrânia, a posição da China é de “neutralidade pró-Rússia”. Isso serve a seus interesses. Mas o Brasil não ganhará nada se Lula der margem para que sugiram, e muito menos se sugerir, que, na nova guerra fria, a posição do País é de uma “neutralidade pró-China”.

Terror no centro de São Paulo

O Estado de S. Paulo

Se há estratégia para acabar com a Cracolândia, ela precisa ser revista. Quem vive, trabalha ou circula pela região central não pode contar só com a sorte como garantia de incolumidade

O centro da cidade de São Paulo está abandonado. Quem vive, trabalha ou apenas circula pela região central da capital paulista – onde estão a Prefeitura, a Câmara, a Catedral da Sé, a Bolsa de Valores (B3), o Theatro Municipal, a Estação da Luz e a Sala São Paulo, entre tantos prédios históricos cujo valor político ou cultural é inestimável – está largado à própria sorte. Pode se considerar afortunado o cidadão que visitar o local e tenha como dissabor apenas, por assim dizer, constatar com os próprios olhos a degradação da área mais importante da quarta maior cidade do mundo.

Poucas cenas são mais emblemáticas desse estado lamentável de coisas do que a absoluta desordem que impera no entorno do Pateo do Collegio, onde a cidade de São Paulo foi fundada pelos jesuítas em 1554. Por todos os lados, veem-se barracas montadas pela população em situação de rua, lixo acumulado, punguistas e assaltantes em plena atividade. Passar incólume pela Praça da Sé, a poucos quarteirões dali, é mera questão de sorte. Não há hora do dia em que o local seja seguro – todos os dias da semana.

Na Sexta-Feira Santa, usuários de drogas que costumam se concentrar na Cracolândia invadiram e saquearam uma drogaria e um mercado na Avenida São João. Segundo consta, o grupo se insurgiu contra uma ação de zeladoria da Prefeitura na Cracolândia que contou com o apoio da Polícia Militar (PM), da Polícia Civil e da Guarda Civil Metropolitana. É possível imaginar o terror dos funcionários e clientes dos dois estabelecimentos comerciais invadidos e, não menos relevante, a angústia dos moradores da região central, que pagam seus impostos e não têm o básico como contrapartida do Estado: o direito de simplesmente ir e vir em paz.

Depois dessa nova onda de ataques – e por “nova” se entende que não foi a primeira e decerto não será a última – a Prefeitura alegou que tem atuado de modo firme em ações de zeladoria no centro de São Paulo; o governo do Estado, por sua vez, diz ter reforçado o policiamento ostensivo na região, especialmente nas ruas que formam essa “nova” Cracolândia, mais dispersa.

Não há motivos para este jornal duvidar dos esforços envidados pelo Poder Executivo nas duas esferas da administração para tentar resolver o complexo problema da Cracolândia, uma ferida aberta há décadas no coração de São Paulo. Não obstante, é evidente que o que tem sido feito pela Prefeitura e pelo Palácio dos Bandeirantes é insuficiente. No mínimo, faltam planejamento e ação estratégica coordenada.

Ao Estadão, o secretário executivo de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo, Alexis Vargas, disse que “os saques mostram” que o governo municipal está “mexendo com a economia da Cracolândia”, o que evidenciaria, em sua visão, que a estratégia do prefeito Ricardo Nunes “está no caminho certo”. Talvez o secretário não tenha se dado conta do absurdo de sua declaração. Ora, como poderia estar “no caminho certo” uma estratégia de ação que resulta em saques ao comércio, impondo terror e prejuízos de toda ordem aos paulistanos?

Ninguém razoavelmente informado duvida que a Cracolândia só sobrevive há tantos anos graças à ação diligente de uma organização criminosa que explora a dependência química de miseráveis – não necessariamente do ponto de vista socioeconômico – que, na esmagadora maioria dos casos, não têm mais condições de responder por si mesmos. Se estratégia há no enfrentamento dessa situação dramática, parece evidente que ela precisa ser revista.

Ações da Prefeitura para pôr ordem no centro de São Paulo devem ser realizadas com o apoio de um contingente muito maior de policiais, para dizer o mínimo. É inaceitável que comerciantes tenham de baixar suas portas e reduzir o atendimento à clientela ou que moradores tenham de viver trancados em suas casas toda vez que o Estado precisar agir para ordenar a ocupação do espaço público ou combater o tráfico de drogas na região central. As respostas do crime organizado às investidas do poder público são quase sempre previsíveis. É justo exigir do Estado mais do que enxugar gelo.

Barbárie nas redes sociais

O Estado de S. Paulo

Ataques a escolas evidenciam que plataformas digitais precisam agir para conter violência

A covardia e a barbárie dos recentes ataques a escolas no País jogaram luz sobre a violência que se propaga na internet e sobre o papel das redes sociais na incitação a esse tipo de crime. Uma amostra do tamanho do problema acaba de ser divulgada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública: em poucos dias, a recémlançada Operação Escola Segura solicitou a exclusão de 431 contas do Twitter que continham palavras-chave − as chamadas hashtags − relacionadas a ataques contra escolas em diferentes localidades do Brasil. Foram feitos pedidos também à plataforma TikTok para que retirasse do ar três perfis cujo conteúdo relacionado ao tema buscava espalhar medo na população.

Infelizmente, tais contas são apenas a ponta do iceberg − e que as redes sociais abrigam um volume infinitamente maior de grupos que se valem do mundo virtual para estimular a prática de atentados em estabelecimentos de ensino. Não surpreende, portanto, que as atenções se voltem para as plataformas digitais e para a sua responsabilidade no sentido de impedir a propagação de crimes. Sem dúvida, essas empresas têm muito a fazer, e se engana quem pensa que a internet é terra sem lei.

No Brasil, o Marco Civil da Internet define direitos e obrigações para usuários e provedores. Eis uma realidade que não pode passar despercebida: por mais que aperfeiçoamentos legislativos sejam sempre bem-vindos, o País dispõe de um marco legal sobre o tema − e é a partir dele que as redes sociais devem pautar sua atuação.

As plataformas digitais podem e devem agir para evitar a disseminação de conteúdos flagrantemente ilegais. Mais ainda quando esses conteúdos buscam incentivar a prática de crimes bárbaros. Condições técnicas, por óbvio, elas têm de sobra. Prova disso é que são ágeis na hora de impor seus termos de uso, impedindo que usuários infrinjam as regras de compartilhamento de informações. Algo que fica evidente, por exemplo, no bloqueio de conteúdos pornográficos em redes sociais que proíbem esse tipo de postagem.

Sob o Marco Civil da Internet, as plataformas têm obrigações a cumprir − e não podem ficar indiferentes ou deixar de agir quando cientes e notificadas de crimes. O esforço para conter a atuação de quem incita ataques a escolas é um desafio gigantesco, e todos devem fazer a sua parte. No caso dos meios de comunicação, cabe destacar a responsabilidade de veículos como o Estadão, que decidiu não publicar nome e foto dos agressores nem vídeos dos recentes atentados, a fim de evitar o chamado “efeito contágio”, considerando que esse tipo de criminoso, não raro, busca também visibilidade.

O uso da internet e de redes sociais em ataques a escolas, assim como em outros crimes bárbaros, é fenômeno global − um triste sinal dos tempos que precisa ser combatido com rigor e redobrado empenho também no mundo virtual. Eis uma tarefa para múltiplos atores, desafio que requer a ação do governo e da sociedade. Evidentemente, parte importante dessa responsabilidade cabe às plataformas, que podem e devem agir mais.

FMI vê baixo crescimento global por muitos anos

Valor Econômico

A volta da inflação ao alvo, nos países com metas de inflação, como o Brasil, vai demorar

A persistência da inflação alta nos países avançados e em muitos dos principais emergentes indica que as taxas de juros continuarão altas, reduzindo o crescimento da economia global a médio prazo a seu mais baixo nível desde os anos 1990, conclui o relatório Perspectivas da Economia Global do Fundo Monetário Internacional. Ruim o suficiente, esse cenário pode piorar muito se a ruína de alguns bancos médios nos Estados Unidos e do Credit Suisse for o sintoma de fragilidades latentes no sistema financeiro global que poderão se manifestar com a permanência do aperto monetário. Diante de um fato certo, a inflação renitente, e outro ameaçador e possível, uma crise bancária, o FMI emitiu ontem um de seus mais pessimistas cenários recentes.

“Os riscos pendem pesadamente para o lado desfavorável”, disse o economista-chefe do Fundo, Pierre-Olivier Gourinchas. As chances de um “hard landing” da economia global “cresceram agudamente”. As chances de crise financeira e expansão global abaixo de 1% são hoje de 15%, estima o FMI. O aperto das condições financeiras, causado pela falência recente dos bancos, acrescido do aperto já conduzido no último ano pelos BCs, elevou as chances de um crescimento global abaixo de 2% para 25%, mais do que o dobro do que seria de se esperar.ADVERTISEMENT

No entanto, o crescimento global projetado foi mantido praticamente intacto. A economia mundial deve avançar 2,8% este ano, ante 3,4% em 2022. A expansão das economias desenvolvidas deve cair à metade, de 2,7% para 1,3%. A zona do euro encolherá significativamente, com seu PIB avançando menos de um terço do que registrou em 2022 - 0,8% ante 2,7%. O Brasil segue entre os piores dos emergentes, com avanço de 0,9% este ano e 1,5% no próximo, um comportamento inferior à recuperação da China (5,2% agora e 4,5% em 2024), da Índia (5,9%) ou mesmo do México (1,8%).

O crescimento econômico abaixo da capacidade - um handicap de 2,7% em 2026, o dobro do impacto inicial estimado - é consequência ainda dos efeitos dos choques simultâneos de oferta e demanda da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia. A economia global se reanimou com o recuo recente da inflação, com o menor custo da energia e dos combustíveis, reação melhor do que a prevista diante do corte de fornecimento de energia da Rússia à Europa e da pressão sobre preço de alimentos e fertilizantes com a virtual paralisia da produção ucraniana e do embargo a Moscou.

Ainda assim, a inflação global cairá pouco este ano, para 7% (ante 8,7% em 2022), enquanto que seu núcleo ainda subirá até o quarto trimestre, atingindo 5,1%. Isso deverá obrigar os BCs a manterem juros altos por um bom período.

A volta da inflação ao alvo, nos países com metas de inflação, como o Brasil, vai demorar. O BC brasileiro não está sozinho em seu fracasso. Esse retorno, na maioria dos casos, só ocorrerá em 2025. Na comparação com 34 economias avançadas e 38 países emergentes relevantes, a inflação média ultrapassará o centro das metas em 97% deles este ano, com um desvio médio de 3,3 pontos percentuais. Em 2024, metade deles estará dentro das margens de variação e, em 2025, o desvio médio recuará a 0,2 ponto percentual.

Este seria o resultado “normal” da política monetária, mas as condições econômicas estão muito longe da normalidade, com um período inédito de liquidez abundante e taxas de juros negativas ou muito baixas por mais de uma década. A aceleração da alta dos juros em 2022 produziu novas e inesperadas vítimas em março: bancos americanos médios e um gigante global, Credit Suisse, naufragaram por motivos diferentes, mas determinados por um ambiente comum de aperto monetário. A dúvida dos investidores, que é a mesma do FMI, é se as baixas são um sinal de riscos sistêmicos prestes a eclodir ou resultado esperado de juros mais altos após mais de uma década de frouxidão exagerada.

A economia, entretanto, não está se comportando como o esperado. “Neste ponto do ciclo de aperto, esperávamos ver mais sinais de enfraquecimento da produção e do emprego”, disse Gourinchas. “Em vez disso, nossas estimativas de produção e inflação foram revisadas para cima nos últimos dois trimestres, sugerindo um crescimento mais forte do que o esperado”. O que poderia ser um bom sinal, não é: pode significar, para o economista, nova rodada de aumento de juros e novas ondas de instabilidade mais à frente.

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