Cenário global traz más notícias para o Brasil
O Globo
Alerta do FMI sobre aperto monetário parece
feito sob medida para Lula conter arroubos populistas contra BC
A economia brasileira deverá crescer 0,9%
neste ano, de acordo com a última previsão divulgada ontem pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) no relatório Perspectivas da Economia Mundial. É pouco
menos do projetado em janeiro. Confirmada a estimativa, o Brasil fechará 2023
com uma desaceleração diante do ano anterior, quando cresceu 2,9%. A previsão
impõe ainda mais dificuldades ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no seu
primeiro ano de mandato. As condições econômicas globais que tanto lhe sorriram
nos dois primeiros mandatos poderão selar um destino diferente, caso ele
insista em ideias superadas.
Os economistas do FMI traduziram em números
o que já era pressentido por quem acompanha o noticiário econômico. O cenário
global exige cautela. Embora o FMI não tenha mudado substancialmente a previsão
de crescimento global para 2023 (2,8%), os riscos aumentaram.
Com o aperto monetário, a inflação global tem caído, mas, descontados os preços mais voláteis, como alimentos e energia, o quadro é distinto. Persiste a curva ascendente do núcleo inflacionário em vários países (entre eles o Brasil). Para piorar, as vulnerabilidades do sistema bancário nos Estados Unidos e na Europa — reveladas pela quebra do Silicon Valley Bank e do Credit Suisse — despertam temores de complicações no mercado financeiro, com perigo de contágio e um eventual aperto de crédito global.
O FMI ainda considera baixas, em torno de
15%, as chances de o pior cenário se materializar, com o crescimento global
caindo para 1%, mas elas têm aumentado. A confiança numa aterrissagem tranquila
para a economia global vem perdendo força. O relatório volta a usar o termo em
inglês que assombra os economistas: hard landing.
A China, destino de Lula nesta semana, é
uma rara fonte de boas notícias nas previsões do FMI. Com o fim da política de
Covid zero e a reabertura da economia, o PIB chinês deverá crescer 5,2% em
2023, ante 3% no ano passado. Nos mercados internacionais, os preços de
commodities retornaram a patamares administráveis depois de terem aumentado com
a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Diante desse quadro, o economista francês
Pierre-Olivier Gourinchas, diretor de pesquisa do FMI, afirma que os bancos
centrais precisam manter o foco na redução da inflação. E devem estar prontos
para ajustes à medida que os acontecimentos se desenrolarem nos mercados
financeiros. Em mensagem endereçada a uma plateia global, mas que parece sob
medida para Lula, Gourinchas argumenta que a expectativa de que “os bancos
centrais interrompam prematuramente a luta contra a inflação” terá “o efeito
oposto”, complicando ainda mais a tarefa das autoridades monetárias.
Previsões do FMI já se provaram erradas no
passado. Mas não seguem a lógica das apostas. O objetivo é chamar a atenção
para os riscos globais e ajudar autoridades de diferentes países a calibrar
suas políticas e declarações. A projeção de cenários sombrios para as economias
brasileira e global deveria ser suficiente para Lula reavaliar sua estratégia
de ataques ao BC. Discursos populistas na economia até podem atrair aplausos no
PT. No mundo real, são fontes de instabilidade num ambiente para lá de incerto.
É inaceitável relutância de redes sociais
em colaborar para evitar massacres
O Globo
Nenhuma medida será tão eficaz para debelar
atentados em escolas quanto vigiar o extremismo no meio digital
Pelo que se viu na reunião entre o ministro
da Justiça, Flávio Dino, e representantes das principais redes sociais, ainda
falta muito para que elas colaborem com o esforço essencial para conter ataques
violentos nas escolas. O tema ganhou urgência em razão dos dois atentados
recentes — o primeiro em São Paulo, o outro em Santa Catarina — que resultaram
nas mortes de quatro crianças e de uma professora de 71 anos.
A pesquisa acadêmica mais séria demonstra
que tais atentados costumam ser anunciados e exibidos nas redes entre
comunidades extremistas que cultuam o ódio e a violência, dispondo de
iconografia, vocabulário e calendários próprios. Por isso a colaboração das
plataformas digitais é fundamental para debelar as tragédias antes que se
consumem. Infelizmente as empresas de internet — com destaque para o Twitter —
continuam arredias, avessas a assumir qualquer tipo de responsabilidade pelo
que deixam circular em suas redes.
O governo solicitou do Twitter a remoção de
551 posts, vários com imagens de agressões, ameaças e enaltecimento aos ataques
a crianças. Na reunião com Dino, segundo informou a jornalista Julia Duailibi
em seu blog no portal g1, uma advogada do Twitter teve o desplante de afirmar
que um perfil criado com fotos de autores de massacres em escolas “não violava
os termos de uso da rede”. Também disse que “não se tratava de apologia ao
crime”. Diante da recusa em tirar posts do ar, o Ministério Público Federal deu
dez dias de prazo para a plataforma apresentar explicações sobre a “moderação
de conteúdos relacionados a ameaças de ataques a escolas”.
Na reunião, Dino ponderou, com toda a
razão, que os termos de serviço não podem servir de pretexto para eximir as empresas
da obrigação de cumprir o que determinam a lei e as autoridades. “É preciso que
quem tem responsabilidade, e essas empresas que lucram bilhões têm
responsabilidade, também se engaje”, afirmou. “Os termos de uso não se
sobrepõem à Constituição, à lei e não são maiores que a vida das crianças e
adolescentes brasileiros.”
A todas as solicitações da imprensa, o
Twitter tem respondido com um emoji de fezes, por determinação de seu
proprietário, o bilionário Elon Musk. O enxugamento nos quadros da empresa
esvaziou a área de comunicação e políticas públicas no Brasil.
Com o medo crescente de novos ataques, pais e gestores de escolas têm feito pressão por reforço na segurança e no policiamento. São medidas sem dúvida necessárias. Mas, embora os ataques em escolas sejam resultado de múltiplos fatores, o terreno onde hoje são cevados é digital. Nenhuma medida será tão eficaz para combatê-los quanto a vigilância dos grupos extremistas e comunidades de ódio na internet. Caso redes sociais continuem se recusando a colaborar com as autoridades para debelá-los, deveriam ser consideradas corresponsáveis pela violência.
Lula e a China
Folha de S. Paulo
Viagem retoma pragmatismo diplomático, mas
o mundo não é o mesmo de 2003
A vocação diplomática do Brasil —país sem
conflagrações internas nem desavenças externas, democrático e dotado de grande
ativo produtivo e ambiental— deveria ser a de estabelecer relações estáveis com
todos os países, com atenção para as que ampliem renda e bem-estar dos
brasileiros.
É elogiável, portanto, a retomada do
pragmatismo com a China, depois das hostilidades infantiloides patrocinadas por
Jair Bolsonaro (PL). A viagem do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), secundado por comitiva de
congressistas e ministros, ao país asiático consolida essa normalização.
O Brasil exportou para a China, no ano
passado, o equivalente a US$ 90,8 bilhões e importou de lá US$ 61,6 bilhões. A
soma das duas cifras, a chamada corrente de comércio, representou 25%, ou US$ 1
de cada US$ 4, de tudo o que foi transacionado entre brasileiros e estrangeiros
em 2022.
Vinte anos antes, no fim do segundo mandato
do tucano Fernando Henrique Cardoso, o comércio com a China abarcava menos de
5% das negociações brasileiras com o mundo. As trocas internacionais do Brasil
multiplicaram-se por quase seis desde então, assim como o peso dos chineses
nelas.
Foram majoritariamente petistas os governos
que acompanharam, desde o início do século, a impressionante marcha da economia
chinesa e dela se beneficiaram. O PIB do gigante asiático avançou em média
10,5% ao ano na primeira década das gestões do PT. Entretanto esse quadro
mudou.
No período de dez anos findo em 2022, a
atividade chinesa cresceu 6,2% ao ano, em média, velocidade que deve cair
abaixo de 5% em meados desta década. A China converteu-se num país de renda per
capita mediana, 25% superior à do Brasil, mas ainda está muito longe do clube
dos mais ricos.
A geopolítica também se alterou
sobremaneira. Encolheu-se a perspectiva de integração global sob os auspícios
universalistas da Organização Mundial do Comércio. Estados Unidos e China hoje
digladiam-se numa grande batalha comercial pela vanguarda tecnológica dos
semicondutores.
A Rússia, que
violou a Carta da ONU ao agredir militarmente a Ucrânia, entrega-se a Pequim.
Um polo que aglutina regimes ditatoriais volta a aguilhoar a hegemonia das
democracias ocidentais, que por seu turno têm de lidar com movimentos
populistas e autoritários dentro de suas fronteiras.
A China que Lula visitará é diversa da que
despontava em 2003, assim como o mundo, que se tornou mais complexo e
desafiador.
Como proteger escolas
Folha de S. Paulo
Eficácia de guarda armada para evitar
ataque é duvidosa; há que combinar medidas
De 2002 a julho de 2022, aconteceram 13
ataques em escolas do país. A partir de agosto do ano passado, teve início uma
escalada: nove ataques até março, e três só em abril.
É natural que a população fique comovida,
indignada, com medo. Contudo é papel do poder público agir de modo racional,
com base em evidências. A sociedade pode ser passional, o Estado não.
O governador de Santa Catarina, Jorginho
Mello (PL), anunciou que pretende
colocar uma pessoa armada em cada escola do estado. A ideia é
contratar policiais aposentados para cumprir a função.
Os EUA, que convivem há mais tempo com o
problema, já testaram esse tipo de combate. Mas há pouca evidência de que ele
de fato impeça ou contenha massacres.
Desde a tragédia na Columbine High School
(Colorado) em 1999, considerado marco da violência escolar naquele país, foram
registrados 377 incidentes do tipo, mesmo com o aumento contínuo de mecanismos
de controle.
De 2017 a 2021, o investimento americano em
segurança escolar cresceu 14%, chegando U$ 3,1 bilhões. Entre 2017 e 2018,
metade das unidades de ensino tinha controle total do acesso a suas
dependência, incluindo detectores de metais; hoje, são dois terços. Ademais, em
51% delas há vigilantes munidos com armas de fogo.
Dos últimos 24 anos, entretanto, aqueles em
que registraram mais ataques foram 2022 (47 casos) e 2021 (42) —período no qual
a estrutura de segurança, até mesmo a armada, estava consolidada, com recorde
de gastos.
Pesquisa publicada em 2019 no Journal of
Adolescent Health analisou 179 tiroteios de 1999 a 2018 e concluiu que manter
guardas armados não reduziu a letalidade.
Já estudo do Instituto Nacional de Justiça
dos EUA, de 2021, cobriu os incidentes entre 1980 e 2019 e verificou que o número de
mortes em escolas com agentes armados era quase o triplo do ocorrido naquelas
sem esse tipo de proteção.
Especialistas apontam que, apesar de
efeitos positivos, como reduzir brigas entre alunos, a presença de guardas
armados não é a única medida, nem a mais efetiva, a tomar. Uma opção, por
exemplo, é criar canais seguros de denúncias —estima-se que, em 4 de cada 5
casos, alguém conhecia de antemão os planos do criminoso.
Trata-se de um fenômeno nefasto e de difícil combate, dada a complexidade de fatores. Há várias alternativas de resposta, com dados a sustentá-las. Espera-se que o poder público as combine de modo eficiente para proteger a vida de alunos e professores brasileiros.
Oportunidade e risco na visita de Lula à
China
O Estado de S. Paulo
Comitiva tem possibilidades formidáveis de
ganhos econômicos e cooperação em desafios comuns, sobretudo ambientais. Por
isso mesmo, é preciso evitar ruídos geopolíticos
Há possibilidades de ganhos econômicos, mas
é preciso evitar ruídos geopolíticos.
Gostem ou não, todos os países são afetados
pela tensão entre EUA e China. Essa guerra fria não era inevitável nem é
inexorável: pode escalar para uma terceira guerra mundial; pode ser superada
por uma nova ordem harmônica e próspera; ou pode se prolongar indefinidamente.
O futuro dirá. No presente, ela é incontornável. Porém, é diferente da velha
guerra fria. Lá as relações comerciais entre os dois blocos eram obliteradas
pela cortina de ferro num jogo de “soma zero”. A economia da URSS era
inexpressiva comparada à da China. Na geopolítica multipolar e na economia
globalizada do século 21, se a rivalidade entre Washington e Pequim tem pontos
de alto risco militar, notavelmente Taiwan, ela se dá, sobretudo, no plano
comercial e no tecnológico. Nesses aspectos, contudo, ambos são não só competidores,
mas também parceiros.
O cenário impõe um trilema: o desafio de
construir, a um tempo, pontes para intensificar trocas econômicas; espaços de
cooperação ante desafios comuns (como o clima ou pandemias); e anteparos que
garantam a convivência entre sistemas político-ideológicos antagônicos: as
democracias e as autocracias. Nos dois primeiros aspectos, a comitiva
encabeçada pelo presidente Lula da Silva na China – que acabou segmentada em
duas fases em razão de seu mal-estar – tem oportunidades formidáveis. Mas
convém redobrar a prudência em relação ao aspecto geopolítico.
Até aqui, o roteiro diplomático de Lula
percorreu grandes zonas de interesse nacional. Eleito, foi à Conferência
Climática da ONU (COP-27), sinalizando a reversão do antiambientalismo de Jair
Bolsonaro. Empossado, visitou parceiros do Cone Sul, EUA e agora a China, nosso
principal parceiro comercial. A composição da comitiva e da agenda responde a
essa situação. Pauta-chave é a intensificação da exportação de commodities. Mas
a visita pode diversificála e agregar valor. A indústria pode abrir nichos de
exportação, de importação (sobretudo de tecnologia) e de investimentos
(sobretudo na infraestrutura). Há oportunidades na área da sustentabilidade: o
apoio à candidatura do Brasil para sediar a COP-30, o mercado de carbono ou
investimentos em tecnologias verdes e na Amazônia. Tais possibilidades foram
desperdiçadas pelas taras ideológicas de Jair Bolsonaro, a começar por seu
alinhamento a Donald Trump e a retórica anti-China. Esperase que Lula não
incorra no mesmo erro com o sinal trocado.
Nada obsta, por exemplo, que aproveite os
holofotes para advogar a paz. Mas se ele está certo em constatar que a China
tem as alavancas para mudar os rumos da guerra da Ucrânia, estará equivocado se
supor que pretende empregá-las. A viagem de Xi Jinping a Moscou cimentou sua
solidariedade à Rússia. Não por hostilidade à Ucrânia, mas porque isso convém à
sua geoestratégia: ampliar a dependência da Rússia e aproveitá-la em seu
confronto com o Ocidente. Seu “plano de paz” é inexequível e injusto: prevê o
fim das sanções ocidentais, mas não a desocupação de territórios pelos russos.
Qualquer sinal de alinhamento a ele seria um quixotismo diplomático que em nada
favoreceria a paz. Para concretizar seus acordos de comércio e cooperação, o
Brasil não precisa apoiar um plano que o próprio Xi sabe natimorto. Isso só
despertaria dissabor na Europa e EUA.
Várias vezes Lula sugeriu que a culpada
pela guerra é a Otan. Há poucos dias, insinuou que a Lava Jato seria resultado
de um complô armado pelos EUA. A mídia oficial chinesa vem explorando
declarações suas contrastando a China como pacificadora e os EUA como
belicosos. Ao mesmo tempo, China e Rússia ambicionam transformar o Brics,
originalmente um grupo de economias emergentes, em um clube geopolítico de viés
antiocidental, manobrando, por exemplo, para incluir regimes de cunho
autocrático, como Irã, Turquia e Arábia Saudita.
Na guerra da Ucrânia, a posição da China é
de “neutralidade pró-Rússia”. Isso serve a seus interesses. Mas o Brasil não
ganhará nada se Lula der margem para que sugiram, e muito menos se sugerir,
que, na nova guerra fria, a posição do País é de uma “neutralidade pró-China”.
Terror no centro de São Paulo
O Estado de S. Paulo
Se há estratégia para acabar com a
Cracolândia, ela precisa ser revista. Quem vive, trabalha ou circula pela
região central não pode contar só com a sorte como garantia de incolumidade
O centro da cidade de São Paulo está
abandonado. Quem vive, trabalha ou apenas circula pela região central da
capital paulista – onde estão a Prefeitura, a Câmara, a Catedral da Sé, a Bolsa
de Valores (B3), o Theatro Municipal, a Estação da Luz e a Sala São Paulo,
entre tantos prédios históricos cujo valor político ou cultural é inestimável –
está largado à própria sorte. Pode se considerar afortunado o cidadão que
visitar o local e tenha como dissabor apenas, por assim dizer, constatar com os
próprios olhos a degradação da área mais importante da quarta maior cidade do
mundo.
Poucas cenas são mais emblemáticas desse
estado lamentável de coisas do que a absoluta desordem que impera no entorno do
Pateo do Collegio, onde a cidade de São Paulo foi fundada pelos jesuítas em
1554. Por todos os lados, veem-se barracas montadas pela população em situação
de rua, lixo acumulado, punguistas e assaltantes em plena atividade. Passar
incólume pela Praça da Sé, a poucos quarteirões dali, é mera questão de sorte.
Não há hora do dia em que o local seja seguro – todos os dias da semana.
Na Sexta-Feira Santa, usuários de drogas
que costumam se concentrar na Cracolândia invadiram e saquearam uma drogaria e
um mercado na Avenida São João. Segundo consta, o grupo se insurgiu contra uma
ação de zeladoria da Prefeitura na Cracolândia que contou com o apoio da Polícia
Militar (PM), da Polícia Civil e da Guarda Civil Metropolitana. É possível
imaginar o terror dos funcionários e clientes dos dois estabelecimentos
comerciais invadidos e, não menos relevante, a angústia dos moradores da região
central, que pagam seus impostos e não têm o básico como contrapartida do
Estado: o direito de simplesmente ir e vir em paz.
Depois dessa nova onda de ataques – e por
“nova” se entende que não foi a primeira e decerto não será a última – a
Prefeitura alegou que tem atuado de modo firme em ações de zeladoria no centro
de São Paulo; o governo do Estado, por sua vez, diz ter reforçado o
policiamento ostensivo na região, especialmente nas ruas que formam essa “nova”
Cracolândia, mais dispersa.
Não há motivos para este jornal duvidar dos
esforços envidados pelo Poder Executivo nas duas esferas da administração para
tentar resolver o complexo problema da Cracolândia, uma ferida aberta há
décadas no coração de São Paulo. Não obstante, é evidente que o que tem sido
feito pela Prefeitura e pelo Palácio dos Bandeirantes é insuficiente. No
mínimo, faltam planejamento e ação estratégica coordenada.
Ao Estadão, o secretário executivo de
Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo, Alexis Vargas, disse que “os
saques mostram” que o governo municipal está “mexendo com a economia da
Cracolândia”, o que evidenciaria, em sua visão, que a estratégia do prefeito
Ricardo Nunes “está no caminho certo”. Talvez o secretário não tenha se dado
conta do absurdo de sua declaração. Ora, como poderia estar “no caminho certo”
uma estratégia de ação que resulta em saques ao comércio, impondo terror e
prejuízos de toda ordem aos paulistanos?
Ninguém razoavelmente informado duvida que
a Cracolândia só sobrevive há tantos anos graças à ação diligente de uma
organização criminosa que explora a dependência química de miseráveis – não
necessariamente do ponto de vista socioeconômico – que, na esmagadora maioria
dos casos, não têm mais condições de responder por si mesmos. Se estratégia há
no enfrentamento dessa situação dramática, parece evidente que ela precisa ser
revista.
Ações da Prefeitura para pôr ordem no centro
de São Paulo devem ser realizadas com o apoio de um contingente muito maior de
policiais, para dizer o mínimo. É inaceitável que comerciantes tenham de baixar
suas portas e reduzir o atendimento à clientela ou que moradores tenham de
viver trancados em suas casas toda vez que o Estado precisar agir para ordenar
a ocupação do espaço público ou combater o tráfico de drogas na região central.
As respostas do crime organizado às investidas do poder público são quase
sempre previsíveis. É justo exigir do Estado mais do que enxugar gelo.
Barbárie nas redes sociais
O Estado de S. Paulo
Ataques a escolas evidenciam que
plataformas digitais precisam agir para conter violência
A covardia e a barbárie dos recentes
ataques a escolas no País jogaram luz sobre a violência que se propaga na
internet e sobre o papel das redes sociais na incitação a esse tipo de crime.
Uma amostra do tamanho do problema acaba de ser divulgada pelo Ministério da
Justiça e Segurança Pública: em poucos dias, a recémlançada Operação Escola
Segura solicitou a exclusão de 431 contas do Twitter que continham
palavras-chave − as chamadas hashtags − relacionadas a ataques contra escolas
em diferentes localidades do Brasil. Foram feitos pedidos também à plataforma
TikTok para que retirasse do ar três perfis cujo conteúdo relacionado ao tema
buscava espalhar medo na população.
Infelizmente, tais contas são apenas a
ponta do iceberg − e que as redes sociais abrigam um volume infinitamente maior
de grupos que se valem do mundo virtual para estimular a prática de atentados
em estabelecimentos de ensino. Não surpreende, portanto, que as atenções se
voltem para as plataformas digitais e para a sua responsabilidade no sentido de
impedir a propagação de crimes. Sem dúvida, essas empresas têm muito a fazer, e
se engana quem pensa que a internet é terra sem lei.
No Brasil, o Marco Civil da Internet define
direitos e obrigações para usuários e provedores. Eis uma realidade que não
pode passar despercebida: por mais que aperfeiçoamentos legislativos sejam
sempre bem-vindos, o País dispõe de um marco legal sobre o tema − e é a partir
dele que as redes sociais devem pautar sua atuação.
As plataformas digitais podem e devem agir
para evitar a disseminação de conteúdos flagrantemente ilegais. Mais ainda
quando esses conteúdos buscam incentivar a prática de crimes bárbaros. Condições
técnicas, por óbvio, elas têm de sobra. Prova disso é que são ágeis na hora de
impor seus termos de uso, impedindo que usuários infrinjam as regras de
compartilhamento de informações. Algo que fica evidente, por exemplo, no
bloqueio de conteúdos pornográficos em redes sociais que proíbem esse tipo de
postagem.
Sob o Marco Civil da Internet, as
plataformas têm obrigações a cumprir − e não podem ficar indiferentes ou deixar
de agir quando cientes e notificadas de crimes. O esforço para conter a atuação
de quem incita ataques a escolas é um desafio gigantesco, e todos devem fazer a
sua parte. No caso dos meios de comunicação, cabe destacar a responsabilidade
de veículos como o Estadão, que decidiu não publicar nome e foto dos agressores
nem vídeos dos recentes atentados, a fim de evitar o chamado “efeito contágio”,
considerando que esse tipo de criminoso, não raro, busca também visibilidade.
O uso da internet e de redes sociais em ataques a escolas, assim como em outros crimes bárbaros, é fenômeno global − um triste sinal dos tempos que precisa ser combatido com rigor e redobrado empenho também no mundo virtual. Eis uma tarefa para múltiplos atores, desafio que requer a ação do governo e da sociedade. Evidentemente, parte importante dessa responsabilidade cabe às plataformas, que podem e devem agir mais.
FMI vê baixo crescimento global por muitos
anos
Valor Econômico
A volta da inflação ao alvo, nos países com
metas de inflação, como o Brasil, vai demorar
A persistência da inflação alta nos países
avançados e em muitos dos principais emergentes indica que as taxas de juros
continuarão altas, reduzindo o crescimento da economia global a médio prazo a
seu mais baixo nível desde os anos 1990, conclui o relatório Perspectivas da
Economia Global do Fundo Monetário Internacional. Ruim o suficiente, esse
cenário pode piorar muito se a ruína de alguns bancos médios nos Estados Unidos
e do Credit Suisse for o sintoma de fragilidades latentes no sistema financeiro
global que poderão se manifestar com a permanência do aperto monetário. Diante
de um fato certo, a inflação renitente, e outro ameaçador e possível, uma crise
bancária, o FMI emitiu ontem um de seus mais pessimistas cenários recentes.
“Os riscos pendem pesadamente para o lado
desfavorável”, disse o economista-chefe do Fundo, Pierre-Olivier Gourinchas. As
chances de um “hard landing” da economia global “cresceram agudamente”. As
chances de crise financeira e expansão global abaixo de 1% são hoje de 15%,
estima o FMI. O aperto das condições financeiras, causado pela falência recente
dos bancos, acrescido do aperto já conduzido no último ano pelos BCs, elevou as
chances de um crescimento global abaixo de 2% para 25%, mais do que o dobro do
que seria de se esperar.ADVERTISEMENT
No entanto, o crescimento global projetado
foi mantido praticamente intacto. A economia mundial deve avançar 2,8% este
ano, ante 3,4% em 2022. A expansão das economias desenvolvidas deve cair à
metade, de 2,7% para 1,3%. A zona do euro encolherá significativamente, com seu
PIB avançando menos de um terço do que registrou em 2022 - 0,8% ante 2,7%. O
Brasil segue entre os piores dos emergentes, com avanço de 0,9% este ano e 1,5%
no próximo, um comportamento inferior à recuperação da China (5,2% agora e 4,5%
em 2024), da Índia (5,9%) ou mesmo do México (1,8%).
O crescimento econômico abaixo da
capacidade - um handicap de 2,7% em 2026, o dobro do impacto inicial estimado -
é consequência ainda dos efeitos dos choques simultâneos de oferta e demanda da
pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia. A economia global se reanimou com
o recuo recente da inflação, com o menor custo da energia e dos combustíveis,
reação melhor do que a prevista diante do corte de fornecimento de energia da
Rússia à Europa e da pressão sobre preço de alimentos e fertilizantes com a
virtual paralisia da produção ucraniana e do embargo a Moscou.
Ainda assim, a inflação global cairá pouco
este ano, para 7% (ante 8,7% em 2022), enquanto que seu núcleo ainda subirá até
o quarto trimestre, atingindo 5,1%. Isso deverá obrigar os BCs a manterem juros
altos por um bom período.
A volta da inflação ao alvo, nos países com
metas de inflação, como o Brasil, vai demorar. O BC brasileiro não está sozinho
em seu fracasso. Esse retorno, na maioria dos casos, só ocorrerá em 2025. Na
comparação com 34 economias avançadas e 38 países emergentes relevantes, a
inflação média ultrapassará o centro das metas em 97% deles este ano, com um
desvio médio de 3,3 pontos percentuais. Em 2024, metade deles estará dentro das
margens de variação e, em 2025, o desvio médio recuará a 0,2 ponto percentual.
Este seria o resultado “normal” da política
monetária, mas as condições econômicas estão muito longe da normalidade, com um
período inédito de liquidez abundante e taxas de juros negativas ou muito
baixas por mais de uma década. A aceleração da alta dos juros em 2022 produziu
novas e inesperadas vítimas em março: bancos americanos médios e um gigante
global, Credit Suisse, naufragaram por motivos diferentes, mas determinados por
um ambiente comum de aperto monetário. A dúvida dos investidores, que é a mesma
do FMI, é se as baixas são um sinal de riscos sistêmicos prestes a eclodir ou
resultado esperado de juros mais altos após mais de uma década de frouxidão
exagerada.
A economia, entretanto, não está se comportando como o esperado. “Neste ponto do ciclo de aperto, esperávamos ver mais sinais de enfraquecimento da produção e do emprego”, disse Gourinchas. “Em vez disso, nossas estimativas de produção e inflação foram revisadas para cima nos últimos dois trimestres, sugerindo um crescimento mais forte do que o esperado”. O que poderia ser um bom sinal, não é: pode significar, para o economista, nova rodada de aumento de juros e novas ondas de instabilidade mais à frente.
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